O turismo é frequentemente considerado benéfico para as cidades, pela geração de empregos e aumento do comércio. Entre janeiro e julho deste ano, 700 milhões de pessoas viajaram internacionalmente, 43% a mais do que no mesmo período do ano passado. Em 2022, o número de turistas internacionais atingiu quase 1 bilhão.
Os números ainda não alcançaram os do período pré-pandêmico, mas muitas cidades estão sofrendo os efeitos do grande número de visitantes. “Cidades antes tranquilas, agora enfrentam uma invasão de turistas, o que pode trazer problemas ambientais, de infraestrutura e conflitos sociais”, diz Lúcia Silveira Santos, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. A Europa é uma das mais afetadas pelo overtourism – a saturação de turistas.
Na região central da Áustria é localizada uma pequena cidade, Hallstatt. Com cerca de 740 residentes, virou um destino popular e recebeu 1,2 milhão de turistas em 2019. Dubrovnik, na Croácia, enfrenta o mesmo problema: a cidade tem 41 mil moradores e recebeu 1,4 milhão de turistas em 2019. Por conta disso, as autoridades locais restringiram o número de cruzeiros que podem aportar por dia, com até 4 mil passageiros por barco.
Em 2022, o número de turistas caiu para pouco mais de 1 milhão. Para aqueles que vivem nessas cidades, a situação é insustentável. São ruas lotadas, horas de espera em filas, preços exorbitantes para produtos e serviços básicos, entre outros. Até as paisagens não podem ser aproveitadas por conta do número de turistas. O resultado é uma crescente turismofobia, que é a rejeição aos turistas.
Cidades como Veneza e Amsterdã já estão tomando medidas para restringir o acesso a pontos turísticos e tentando diminuir o número de visitantes. Em Veneza, as ruas e pontes estreitas estão cada vez mais cheias de turistas: em 2019, foram 5,5 milhões. A cidade tem 50 mil habitantes. Para conter o overtourism, vai ser cobrada taxa de 5 euros para a entrada na cidade. É uma medida provisória ainda, mas pode virar regra. Além disso, já barrou navios de cruzeiro. Machu Picchu, Hong Kong e Barcelona enfrentam problemas parecidos. Na capital da Catalunha, foram 9,7 milhões de turistas em 2022.
Em Amsterdã, um terminal de navios de cruzeiro foi fechado e foi proibido fumar cannabis nas ruas do bairo De Wallen, mais conhecido como Red Light District. Também foi emitido pedido para que jovens homens britânicos não visitassem mais a cidade por conta da má conduta. A cidade tem menos de 1 milhão de habitantes, mas atrai mais que esse total de turistas por mês.
E no Brasil?
Não só no exterior esse problema é notado. No Brasil, o aumento de turistas em períodos de férias de verão gera engarrafamentos, blecautes, falta ou encarecimento de insumos e poluição. Porto de Galinhas (PE), Pipa (RN) e outras cidades do litoral paulista, como Santos, Praia Grande e Ilhabela também sofrem com o overtourism.
“A infraestrutura desses lugares não foi projetada para suportar a quantidade de pessoas que os visitam”, diz a doutoranda. Apartamentos de aluguel como os da plataforma Airbnb ficam mais caros, priorizando os turistas e afastando os moradores para regiões periféricas.
Em 2022, mais de 3,6 milhões de turistas internacionais visitaram o Brasil. A Ilha de Fernando de Noronha (PE), um dos destinos mais procurados, restringiu o número de visitantes: são no máximo 132 mil por ano e 11 mil por mês. Também em Pernambuco, Porto de Galinhas teve um aumento de 19% no número de passageiros neste ano em comparação com 2022, segundo um levantamento da Azul Viagens. Apenas pela empresa, foram mais de 20 mil passageiros embarcados até julho deste ano.
Soluções
Segundo a Organização Mundial do Turismo, o número de turistas internacionais foi de 25 milhões em 1950 para 1,3 bilhão em 2017. As estimativas da OMT são de que o mundo atinja 1,8 bilhão de turistas internacionais em 2030. Isso deve piorar a situação de vários destinos.
Mário Beni, professor da ECA-USP e cientista do turismo, diz que nem tudo está perdido e que há algumas soluções para esse problema. “Uma delas é o uso de instrumentos de controle que abarquem todo o trade de turismo para que seja possível, por exemplo, emitir alertas a agentes de viagem sobre a saturação das vendas de determinados destinos quando um limite de comercialização for atingido”, diz. Outra possibilidade levantada pelo professor é investir em destinos menos conhecidos, buscando o turismo sustentável, que procura equilibrar as necessidades dos turistas com a preservação do meio ambiente e a qualidade de vida dos residentes locais.
Para Lúcia, porém, o turismo sustentável não é responsabilidade apenas das autoridades locais: “Como viajantes, também desempenhamos um papel fundamental. Ao escolher destinos menos conhecidos, respeitar a cultura local, optar por meios de transporte sustentáveis e apoiar pequenas empresas locais, podemos contribuir para a redução do overtourism e promover um turismo mais consciente”.
*Julia Estanislau - Jornal USP