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Pauta na decisão de 2024, arbitragem foi cruel com o Atlético nos jogos contra o Flamengo em 1980 e 1981

Atlético e Flamengo decidem título da Copa do Brasil em 2024

Alexandre Simões

Todas as vezes em que Atlético e Flamengo se enfrentam é impossível tirar dos confrontos a final do Brasileirão de 1980 e o jogo desempate pela vaga do Grupo 3 da Libertadores de 1981 nas semifinais da competição. Isso porque arbitragens desastrosas prejudicaram demais o clube mineiro, que tinha um dos maiores esquadrões da sua história e que amargou duas derrotas em que os confrontos não foram decididos apenas na bola.

“Vai ser uma grande final e queremos um jogo limpo e não jogos sujos como foi no passado. Estamos encaminhando à CBF um ofício para que ela utilize nessas duas partidas a tecnologia impedimento semiautomático. Ela foi utilizada na Copa do Mundo e é utilizada nas principais ligas europeias”. A declaração do presidente Sérgio Coelho, do Atlético, foi tratada como “choro” pela diretoria do Flamengo. Fatos mostram que é apenas precaução diante de dois jogos que não podem ser esquecidos, mesmo depois de mais de quatro décadas.

Assim como o Atlético, o Flamengo também tinha um esquadrão, comandado por Zico, mas naquele duelo entre dois times recheados de craques, que formavam a base da Seleção Brasileira na época, sob o comando de Telê Santana, José de Assis Aragão, Carlos Sérgio Rosa Martins e José Roberto Wright acabaram roubando a cena.

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Rivalidade

Esses dois jogos transformaram o Atlético e Flamengo na maior rivalidade interestadual do futebol brasileiro, embora os cariocas tentem minimizar isso, o que só comprova que essa é uma verdade absoluta.

Mas o nascimento dessa rivalidade se deu em 6 de abril de 1979, quando os dois clubes disputaram um amistoso, no Maracanã, que teve a arrecadação doada para as vítimas das enchentes que atingiram o Sudeste do Brasil naquele ano.

Foi a última partida de Dario com a camisa do Galo e a única de Pelé, que pouco mais de um ano antes tinha encerrado a carreira, com a rubro-negra. O jogo teve 139.935 pagantes e terminou com o placar de 5 a 1, de virada, para o Flamengo, que diante da facilidade encontrada no segundo tempo, quando balançou a rede de João Leite por quatro vezes, abusou da firula e do “olé”. Isso teve uma péssima repercussão não só entre os jogadores atleticanos, mas também entre os torcedores. E grande parte da imprensa mineira tratou como desrespeito a atitude flamenguista pelo caráter beneficente da partida.

Uma prova de que tinha nascido uma rivalidade foi o encontro seguinte entre os dois clubes, em 13 de fevereiro de 1980, no Mineirão, em mais um amistoso que tinha como objetivo arrecadar fundos, mas dessa vez para a construção do Memorial Juscelino Kubitschek, em Brasília, que foi inaugurado em 12 de setembro de 1981.

Essa partida aconteceu três meses antes deles decidirem o Brasileirão de 1980 e teve impressionantes 115.142 pagantes no Mineirão. Este é o maior público pagante da história do Gigante da Pampulha com apenas um time de Belo Horizonte em campo. E prova que Atlético x Flamengo já tinha se transformado num confronto especial após o amistoso de abril de 1979.

Final de 1980

Atlético e Flamengo fizeram campanhas parelhas no Campeonato Brasileiro de 1980 (Taça de Ouro), que teve 44 clubes, sendo que quatro vieram da Taça de Prata e entraram na disputa pelo título na segunda das cinco fases que a competição teve. As três primeiras em grupos, e depois semifinal e final.

Os dois clubes terminaram o torneio com 34 pontos em 22 partidas, numa época em que a vitória valia dois pontos. O Galo venceu 15 jogos, e o Urubu, 14.

Mas o regulamento previa que o critério para um time disputar a decisão com a vantagem de fazer a volta em casa e jogar por dois empates ou vitória e derrota pela mesma diferença de gols era o número de pontos conquistados apenas nas semifinais. O Flamengo venceu os dois jogos contra o Coritiba (2 a 0, no Couto Pereira; e 4 a 3, no Maracanã). O Atlético ficou no 1 a 1 com o Internacional, no Mineirão e chegou à final goleando por 3 a 0, no Beira-Rio.

O Galo venceu a ida, no Gigante da Pampulha, em 28 de maio de 1980 por 1 a 0, gol de Reinaldo, numa partida em que teve muitas oportunidades e poderia ter feito um placar maior, até porque os rubro-negros sentiram a ausência de Zico, com uma lesão muscular.

Apesar de ser um confronto duro, a arbitragem do paulista Romualdo Arpi Filho não foi contestada. Ele teve como auxiliares o também paulista José de Assis Aragão e o gaúcho Carlos Sérgio Rosa Martins.

Em 1º de junho o campeão brasileiro de 1980 seria conhecido no Maracanã, que recebeu 154.355 pagantes, maior público de um jogo do Atlético em toda a sua história. E de assistentes no Mineirão, Aragão, que apitou a partida, e Carlos Sérgio Rosa Martins, que seguiu na bandeirinha, viraram protagonistas.

Isso porque o jogo transcorria normalmente até Reinaldo decretar o 2 a 2 aos 21 minutos do segundo tempo. Logo na sequência, uma tabela de Palhinha com o Rei o deixaria na cara de Raul. Mas Carlos Sérgio Rosa Martins marcou impedimento na jogada.

Na sequência, Reinaldo se colocou na frente de Marinho, que faria a cobrança, e foi expulso de campo por José de Assis Aragão de forma arbitrária.

O lance do impedimento rendeu na transmissão da partida o seguinte comentário de Márcio Guedes, nome histórico da mídia esportiva carioca e brasileira: “Um absurdo, Solera (Fernando Solera, narrador). Coisa impressionante essa marcação de impedimento prejudicando demais o time do Atlético Mineiro, pois era uma jogada com 80% de possibilidade de gol”.

Aos 37 minutos da etapa final, com o Atlético com um jogador a menos em campo, Nunes desempatou para o Flamengo. Palhinha e Chicão também foram expulsos após o 3 a 2 do rubro-negro, que ficou com a taça.

Grupo 3

A Copa Libertadores em 1981 tinha apenas dois representantes de cada país, mais o vencedor da edição anterior, que já entrava nas semifinais, que era disputada no formato de dois triangulares, com jogos de ida e volta.

Assim, apenas o primeiro colocado de cada chave se classificava na fase de grupos, com a próxima etapa já sendo a semifinal. No Grupo 3, Flamengo e Atlético terminaram empatados com 8 pontos. E nesses casos, o regulamento previa a disputa de um jogo desempate.

A definição do local da partida e da arbitragem provocou uma batalha entre os dois clubes em reunião realizada na sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no Rio de Janeiro, em 18 de agosto de 1981.

E os bastidores desta disputa, com base nos relatos dos jornais da época, evidenciam a influência flamenguista na decisão tomada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), com o aval da CBF.

O Galo queria o desempate jogado no Morumbi, em São Paulo. O Urubu, apesar do discurso de não ter preferência, pretendia o confronto no Serra Dourada, em Goiânia. O presidente da Federeção Baiana de Futebol na época, Márcio de Oliveira, chegou a oferecer a Fonte Nova, em Salvador, com uma compensação financeira aos dois clubes, mas a oferta acabou recusada.

Arbitragem

Em relação à arbitragem, a diretoria atleticana vetou José de Assis Aragão, que tinha comandado a polêmica partida decisiva entre os dois clubes pelo título brasileiro de 1980, no Maracanã, e os flamenguistas se manifestaram contrários a Arnaldo César Coelho.

Assim, se chegou ao nome de José Roberto Wright, que viria a ser o personagem da partida, com Oscar Scolfaro e Romualdo Arppi Filho como assistentes.

Como o Atlético abriu o assunto arbitragem, o Flamengo iniciou a conversa sobre local da partida e fez a absurda sugestão do Maracanã. Ela não foi aceita, pois o Galo pretendia o Morumbi. O sorteio, que era anunciado em manchete pelo jornal O Globo de 18 de agosto de 1981, dia da reunião, não aconteceu.

O delegado da Conmebol, o brasileiro Abílio de Almeida, diante do impasse entre os dois clubes, fez um contato, via telex, com o peruano Teófilo Salinas, presidente da entidade máxima do futebol sul-americano, e voltou com a decisão de que o confronto seria no Serra Dourada, o estádio pretendido pelo Flamengo.

A viagem

Na véspera da partida, os dois clubes viajaram juntos para Goiânia, em voo que partiu do Rio de Janeiro, com a delegação do Flamengo.

Durante o trajeto, a cordialidade reinou no avião, com Zico sentando ao lado do médico atleticano, Neylor Lasmar, e Tita e Reinaldo conversando de forma descontraída.

O embarque alvinegro teve uma grande expectativa, relacionada a Toninho Cerezo. Ele estava sem contrato e sua presença na partida decisiva corria risco, mas o Atlético fez valer um artigo do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF) e o jogador teve que “pagar” ao clube uma suspensão que teve em 1979.

Assim, o volante viajou com o time para a decisão no Serra Dourada, onde formaria o meio-de-campo com Chicão e Palhinha.

O jogo

O Atlético x Flamengo de 21 de agosto de 1981, no Serra Dourada, que definia o vencedor do Grupo 3 da Copa Libertadores, foi um dos jogos mais aguardados da história do futebol brasileiro. Não só pela enorme rivalidade criada entre os dois clubes, finalistas do Brasileirão de 1980, com os rubro-negros ficando com a taça, mas também pela qualidade das duas equipes.

O rubro-negro carioca, por ter melhor saldo de gols no Grupo 3 (5 a 2) jogava pelo empate no tempo normal e prorrogação. As duas equipes tinham desfalques consideráveis. O Galo não contava com o zagueiro Luizinho, machucado. Alexandre foi seu substituto. O Urubu estava sem o volante Andrade, que teve o lateral-direito Leandro improvisado em seu lugar.

A partida tinha um clima tenso até os 33 minutos do primeiro tempo, quando uma falta de Reinaldo sobre Zico, na intermediária flamenguista, foi punida com o cartão vermelho por José Roberto Wright. A partir daí, Éder, por um encontrão com o árbitro, Palhinha e Chicão também foram expulsos.

A bola pouco tinha rolado quando João Leite caiu em sua área. O árbitro aplicou o cartão vermelho também no goleiro, deixando o Galo sem o número mínimo de jogadores permitido pela regra.

Posições

Primeiro jogador expulso, Reinaldo afirmou na época que Wright estava mais nervoso que os jogadores. “Ele não teve equilíbrio emocional. Deixou todo mundo irritado, desde os jogadores até os torcedores. Ele chegou a considerar o jogo encerrado e depois voltou atrás. Realmente não teve equilíbrio emocional”, afirmou o centroavante alvinegro ao O Globo.

O ponta-esquerda Éder deu declarações mais fortes ao jornal carioca: “Foi um roubo, uma palhaçada. Um verdadeiro circo. Todo o esquema estava preparado para tirar o Atlético da Libertadores. Aconteceu isso em Assunção e também no Maracanã, contra o próprio Flamengo”.

Wright colocou a culpa nos jogadores atleticanos pelos acontecimentos no Serra Dourada. Segundo ele, os comandados de Carlos Alberto Silva não queriam deixar o Flamengo jogar, apelando para o antijogo. Segundo ele, Reinaldo recebeu o cartão vermelho após um aviso dele de que não aceitaria mais faltas por trás. E os outros quatro cartões vermelhos foram consequência do primeiro, sendo o último, de João Leite, num momento em que o Atlético não podia mais fazer substituições, pois Marcus Vinícius já tinha entrado no lugar de Alexandre, e Fernando Roberto, no de Vaguinho.

Telê Santana

Técnico da Seleção Brasileira na época, e comandante de vários dos jogadores dos dois clubes na equipe canarinho, Telê Santana culpou Wright pelos acontecimentos no Serra Dourada.

“Houve um excesso de cartões e, nesse caso, o juiz acaba sem saber direito para quem deu cartão. Confunde-se com facilidade e acaba tornado a partida ainda mais nervosa. O José Roberto Wright esteve sempre muito preocupado em querer controlar o comportamento dos jogadores, mas excedeu-se. Para mim, foi ele quem acabou com o jogo”, afirmou Telê.

O treinador condenou ainda a expulsão de Reinaldo, que deu início à série de cartões vermelhos mostrados aos atleticanos: “foi uma falta que estamos acostumados a ver, em nosso futebol, até em jogos menos importantes. Não houve intenção maldosa por parte do Reinaldo, nem mesmo violência capaz de justificar uma repreensão mais severa por parte do juiz. Além do mais, foi um lance disputado por dois jogadores de alta técnica, incapazes de praticar a violência”.

Julgamento

Em 4 de setembro, em Lima, no Peru, foi julgado o recurso do Atlético, que pretendia a anulação da partida no Serra Dourada. Por unanimidade, o Comitê Executivo da Conmebol decidiu que o Flamengo ficaria com a vaga do Grupo 3 num dos triangulares semifinais da Copa Libertadores de 1981.

O intrigante na história é que o jornal “O Globo”, de 5 de setembro de 1981, relata que o Comitê Executivo da Conmebol demonstrou contrariedade com as atitudes de José Roberto Wright. Os dirigentes entenderam que ele “demonstrou pouco controle do jogo”. E foi encaminhada uma sugestão de punição à Comissão de Arbitragem da entidade.

O trauma atleticano em decisões contra o Flamengo não é sem sentido. A fala do presidente rubro-negro, logo após as ponderações de Sérgio Coelho, de que o Atlético “sempre se coloca na posição de vítima” é uma verdade, apesar de ele tentar dar outra conotação à sua fala.

Na final do Brasileirão de 1980 e na decisão do classificado do Grupo 3 da Libertadores às semifinais, em 1981, o Atlético foi realmente a vítima. De arbitragens desastrosas. E o provérbio popular já garante: “quem bate esquece, quem apanha não”.


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Alexandre Simões é coordenador do Departamento de Esportes da Itatiaia e uma enciclopédia viva do futebol brasileiro