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Humberto Teixeira criou o baião com Luiz Gonzaga e foi gravado por Gal

Advogado cearense deslanchou na música a partir da década de 1940, graças a clássicos como ‘Asa Branca’, ‘Assum Preto’ e ‘Kalu’

Humberto Teixeira com a filha no colo, Denise Dumont, que se tornaria atriz com importantes passagens pelo cinema

Cearense de Iguatu, o advogado Humberto Teixeira nasceu no dia 5 de janeiro de 1915, e morreu no Rio de Janeiro no dia 3 de outubro de 1979, aos 64 anos, após sofrer um enfarte. Sua carreira musical tomou corpo em 1945, quando ele conheceu Luiz Gonzaga. Juntos, os dois formataram o baião, que logo se transformaria em uma febre radiofônica, responsável por popularizar a canção nordestina em todo o país.

Fora da música, elegeu-se deputado federal e empenhou-se na defesa intransigente dos direitos autorais. Entre seus grandes sucessos, figuram músicas que receberam gravações de Dalva de Oliveira, Carmélia Alves, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Fagner, Caetano Veloso, Elba Ramalho, Gal Costa, dentre outros, como a lendária “Asa Branca”, um clássico.

“Asa Branca” (toada, 1947) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

“Asa Branca” é considerada a música brasileira mais conhecida do país, um clássico absoluto. Originária de um tema folclórico que versa sobre uma pomba brava que foge do sertão ao pressentir os sinais da seca, essa toada foi desenvolvida por Luiz Gonzaga, que a conhecia desde a infância através da sanfona do pai.

O “Rei do Baião” pediu ao parceiro Humberto Teixeira para criar uma letra, e incluiu melhoras na melodia, para satisfazer uma comadre que gostaria muito de vê-la gravada. O primeiro registro data de 1947. Depois, ela recebeu inúmeras regravações, sendo reconhecida no Brasil e no exterior. Nos anos 1960, o polêmico produtor Carlos Imperial até espalhou um boato de que ela teria sido gravada pelos Beatles. Mas quem a regravou foi Zé Ramalho.

“Qui Nem Jiló” (baião, 1949) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

O jiló sempre foi um alimento marginalizado na cultura brasileira, por conta do seu gosto amargo, como já cantava Luiz Gonzaga em seu baião em parceria com Humberto Teixeira, de 1949. Na música, Gonzagão utilizava o jiló para falar do tamanho da saudade que sentia de sua amada. Já na Comida di Buteco do ano de 2012, o jiló acabou sendo utilizado para preparar diversos e saborosos pratos e acabar com sua má fama, imortalizada por ditados como “sobrar que nem jiló na janta”. Ao som de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, lembramos o tema da já célebre Comida di Buteco, com o baião “Qui Nem Jiló”.

“Juazeiro” (baião, 1949) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Eduardo Araújo sempre se mostrou um artista inventivo e original que, além de comandar o programa “O Bom”, na TV Excelsior, ao lado de sua futura esposa Sylvinha Araújo, também começava a fazer experimentos na música brasileira. Tendo dito, em 1971, que Luiz Gonzaga era o “Papa da verdadeira música brasileira”, ele já demonstrava a sua vontade de misturar diversos gêneros sob a batuta do rock, ao gravar, com virilidade, músicas como “Asa Branca” e “Juazeiro”, ambas de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, sucessos atemporais.

“Paraíba” (baião, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Embora seja o nordeste brasileiro identificado com frequência junto a um universo machista e de preconceitos, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira quebraram esse paradigma de maneira enviesada em 1950. Outro forte costume da região é também o das mulheres fortes, que, não por acaso, tornam-se as lideranças das famílias e dos lares, capazes de enfrentar os maiores desafios e as violências dos próprios maridos e da moral do ambiente. No baião “Paraíba”, os compositores provavelmente prestam homenagem a essa figura bem atribuída à mãe, e reiteram: “Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor!”. A música foi regravada pela leoa do norte, Elba Ramalho.

“Respeita Januário” (forró, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Coroado “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga compôs, ao lado de Humberto Teixeira, uma das mais representativas canções sobre o relacionamento entre pai e filho, especialmente na região Nordeste, levando em conta, como de costume, uma experiência pessoal. Expulso de casa pelo pai quando era mais novo, Gonzagão atesta a reverência adquirida através dos anos à figura paterna, o respeito transformado em afeto, sublinhado em versos de advertência de um compadre da terra ao pretensioso garoto: “Respeita Januário”, o baião de 1950.

“Assum Preto” (toada, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

As músicas da histórica parceria entre Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga costumavam versar sobre o sertão, e com “Assum Preto” não foi diferente. Essa toada de 1950 se inspira em um pássaro muito comum na região, como no caso de “Asa Branca”. Essa tradição se estende para outros compositores, de que temos exemplo o “Carcará” de João do Vale, eternizado por Maria Bethânia. Já “Assum Preto” ganhou a voz de Gal Costa, baiana que tomou para si a linha de frente da Tropicália, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil foram exilados pela ditadura militar. Esta música foi lançada por Luiz Gonzaga.

“Tá Fartando Coisa em Mim” (baião, 1950) – Ivon Curi e Humberto Teixeira

Como cantor, Ivon Curi fazia um tipo único, que misturava humor e musicalidade com rara eficácia. Ainda hoje, é difícil encontrar na música brasileira algum discípulo de seu estilo teatral, talvez perceptível apenas, em alguma medida, na persona de Eduardo Dussek. Em 1953, Ivon gravou uma série de xotes de sucesso. A malícia das canções era sublinhada pelas pausas dramáticas do cantor-ator, que lançou, por exemplo, “O Xote das Meninas” (Zé Dantas e Luiz Gonzaga), “Farinhada” (Zé Dantas), “Tá Fartando Coisa em Mim” (com Humberto Teixeira), e a irresistível “Forró do Beliscão”, de João do Vale...

“Baião de Dois” (baião, 1950) – Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga

Os conflitos amorosos entre Dalva de Oliveira e Herivelto Martins deram início a uma briga pública e músicas que se tornaram eternas no cancioneiro brasileiro. Entre elas, “Cabelos Brancos”, de 1949, gravada pelo conjunto cearense Quatro Ases e um Coringa. O grupo formado pelos irmãos Evenor, José e Permínio Pontes de Medeiros, e ainda André Batista Vieira e Pijuca, fez sucesso no final da década de 1940, ao lançar o rancoroso samba de Herivelto. Outros sucessos do quinteto foram “Baião de Dois”, de Luiz Gonzaga e do conterrâneo Humberto Teixeira, “Baião”, também da dupla, “Trem de Ferro”, de Lauro Maia, e “Onde Estão os Tamborins” de Pedro Caetano. Em 1957, as cartas do baralho cearense decidiram, cada uma, trilhar o seu próprio caminho.

“Adeus Maria Fulô” (baião, 1951) – Sivuca e Humberto Teixeira

Paraibano de Itabaiana, o promissor sanfoneiro Sivuca se mudaria para São Paulo e começaria a se apresentar com a Orquestra Record, dirigida pelo maestro Gabriel Miglori. Na mesma época, em 1951, experimentou o seu primeiro sucesso radiofônico com “Adeus Maria Fulô”, baião em parceria com Humberto Teixeira. A música seria revivida, em uma versão psicodélica, pelo grupo Os Mutantes, em 1968, sendo apresentada a uma insurgente geração hippie tupiniquim, pelas vozes de Rita Lee, Arnaldo Baptista e de Sérgio Dias...

“Kalu” (baião, 1952) – Humberto Teixeira

A musa de olhos verdes de Humberto Teixeira realmente existiu, como ele confessou anos mais tarde, em entrevista: “Na verdade, Kalu existiu. Só que com outro nome, naturalmente”. O baião de sua autoria foi um pedido feito diretamente por Dalva de Oliveira, que desejava incluir uma música nordestina na excursão que faria à Europa com a orquestra de Roberto Inglez. Gravada por ela em 1952, foi um dos grandes sucessos daquele ano, e mais uma dentre as muitas músicas famosas do cearense Humberto Teixeira, regravada por nomes como Chico Buarque e Eliana Pittman. E um grande sucesso, até hoje...