Um tremendo sujeito com fama de mau, chamado de Gigante Gentil pelos amigos. Assim era Erasmo Carlos, ícone da Jovem Guarda que morreu nesta terça (22), aos 81 anos, após ser novamente internado por conta de problemas de edema, que deixavam seu corpo com excesso de líquido. Ao lado do amigo de fé e irmão camarada Roberto Carlos, o sempre inquieto Erasmo criou um dos repertórios mais populares da história da música brasileira, que passou da rebeldia juvenil ao romantismo em forma de balada. Relembramos alguns grandes sucessos dessa obra atemporal, clássica.
“Minha Fama de Mau” (rock, 1964) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
O epíteto se pregou de tal forma a Erasmo Carlos que ele teve que passar a vida se explicando. Mas como dizia a própria letra da música, ele tinha apenas “fama de mau”, quando era, na verdade, conhecido entre os amigos mais íntimos como Gigante Gentil. Seja como for, o lançamento de “Minha Fama de Mau”, parceria com Roberto Carlos, em 1964, num compacto da RGE, definiu, para sempre, a trajetória do Tremendão na música brasileira que, de uma forma ou de outra, assumiu a persona do rock-star rebelde e destemido. A música ainda intitulou uma biografia e um filme sobre a vida de Erasmo Carlos.
“Nasci para Chorar” (rock, 1964) – Dion DiMucci em versão de Erasmo Carlos
Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford acusou e processou o Rei da música brasileira por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford.
O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960. No mesmo álbum que trazia o hit, Erasmo assinava versão de “Nasci para Chorar”, rock de Dion DiMucci regravado por Cássia Eller.
“Festa de Arromba” (rock, 1965) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
Com uma vara de pescar e olhar vago, perdido no horizonte, um rapaz com rosto despretensioso é a grande estrela da capa do LP “A Pescaria”, de 1965. Para quem não sabia ainda tratava-se de Erasmo Carlos que, naquele ano, lançava o sucesso “Festa de Arromba”, um rock em parceria com Roberto Carlos que prestava homenagem aos maiores farristas daquela época, e que eram, em sua maioria, amigos da dupla de compositores. A música foi o maior estouro do disco e catapultou a carreira de Erasmo Carlos, que logo começaria a se elevar. A Jovem Guarda dava apenas seus primeiros passos rumo à fama.
“Gatinha Manhosa” (balada, 1965) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
A dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos enveredou por um caminho mais sentimental e através de metáforas para abordar a relação com os animais de estimação. No auge da Jovem Guarda, em 1965, os dois criaram uma das mais românticas e sensíveis canções do gênero, em que o adjetivo para se referir à protagonista se impregna em cada verso da letra.
“Gatinha Manhosa” utiliza-se da visão do próprio animal, normalmente dolente, e, vez ou outra, atrás de um afago; e do sentido de galanteio que a expressão recebeu com o passar dos anos: “Um dia gatinha manhosa eu prendo você no meu coração…”. A música foi regravada por Adriana Calcanhotto, sob a pele da personagem infanto-juvenil Adriana Partimpim, e repetiu o sucesso de seu lançamento.
“A Carta” (balada, 1966) – Raul Sampaio e Benil Santos
Seresteiro dos bons, Raul Sampaio nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, e compôs a famosa “Meu Cachoeiro”, regravada por Roberto Carlos, também natural da cidade litorânea que ainda deu ao Brasil o talento do indomável Sérgio Sampaio. De volta a Raul Sampaio, o cantor lançou, em 1962, o samba-canção “Briguei Com Meu Amor”, de Rutinaldo e Airton Amorim. No entanto, sua composição mais conhecida provavelmente é “A Carta”, parceria com Benil Santos – com quem também criou sucessos de Miltinho –, lançada por Erasmo Carlos, e que a regravou em um dueto com Renato Russo.
“Vem Quente Que Eu Estou Fervendo” (rock, 1967) – Eduardo Araújo e Carlos Imperial
O maior sucesso autoral de Eduardo Araújo até hoje é a música “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”, em parceria com Carlos Imperial. Lançada em 1967, no mesmo LP que apresentou “O Bom”, a música traz uma letra divertida de Imperial e estourou com a gravação de Erasmo Carlos, passando a ser parte obrigatória do repertório da Jovem Guarda. “Se você quer brigar e acha com isso estou sofrendo/ Se enganou meu bem/ Pode vir quente que eu estou fervendo!”.
“O Caderninho” (Jovem Guarda, 1967) – Olmir Stocker, o Alemão
Luiz Melodia sempre foi fã da Jovem Guarda, e, na adolescência, se vestia com camisa de gola alta e calça boca de sino para ficar igual a Roberto e Erasmo Carlos. As roupas eram costuradas por sua mãe. Em 1980, Luiz Melodia fez grande sucesso com sua versão para “Negro Gato”, música de Getúlio Côrtes gravada por Roberto Carlos em 1966. Um ano depois, Erasmo fez sucesso com outra música que Luiz Melodia regravou: “O Caderninho”, composição do guitarrista gaúcho Olmir Stocker, conhecido como “O Alemão”.
“Sentado à Beira do Caminho” (balada, 1969) – Erasmo e Roberto Carlos
Lançada em 1969 por Erasmo Carlos, a balada “Sentado à Beira do Caminho”, parceria com o eterno amigo de fé e irmão camarada Roberto Carlos, preconizava o fim da Jovem Guarda, embora parecesse, aos ouvintes do rádio, mais uma canção de amor que não deu certo. Mas era o desencanto com o fim do movimento juvenil de retumbante sucesso comercial que inspirava Erasmo a compor os versos tristes que ele lançaria mais tarde. A canção ainda enfrentou outra polêmica, já que a cantora Maysa, ligada ao samba-canção, a acusava de ser um plágio da balada norte-americana “Vaya con Dios”, lançada nos anos 1950. Certo é que “Sentado à Beira do Caminho” se tornou clássica, atemporal.
“Coqueiro Verde” (samba, 1970) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Carlos Drummond de Andrade a homenageou em poesia. Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Rita Lee, Elton Medeiros, Paulo César Pinheiro, Carlinhos Vergueiro e Taiguara o fizeram em canções. Milton Nascimento se valeu de um delicado poema de Leila para criar a música “Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, título oriundo de frase da protagonista, que ajuda a entender um pouco de sua personalidade.
Não bastasse isso, a histórica entrevista para “O Pasquim”, recheada de palavrões censurados e em que pregava, principalmente, o “amor livre” e a “liberdade sexual da mulher”, gerou uma enérgica reação do regime militar em vigência, e a censura prévia à imprensa ganhou, à boca pequena, o nome popular de “Decreto Leila Diniz”. Erasmo Carlos se vale de uma frase de Leila nesta entrevista para compor a letra de “Coqueiro Verde”, parceria com Roberto cantada por Dóris Monteiro.
“Gente Aberta” (balada, 1970) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
Em 1971, Erasmo Carlos, com um bigode de respeito e um chapéu de couro sobre a cabeça, lançou o álbum “Carlos, Erasmo”, que obteve boa receptividade de crítica e público. Um ano antes, em 1970, ele já havia lançado em compacto um dos carros-chefes do futuro álbum. “Gente Aberta”, uma balada aparentemente despretensiosa, em parceria com Roberto Carlos, onde Erasmo pregava o amor em clima de movimento hippie, e exaltava “o mar, o sol e a flor”. Após o período alucinante e inflamado dos tempos de Jovem Guarda, ele encontrava a maturidade buscando a paz e a tranquilidade interior.
“Sou Uma Criança, Não Entendo Nada” (rock, 1974) – Erasmo Carlos e Giuseppe Artidoro Ghiaroni
Em 1974, Erasmo Carlos compôs, com o poeta e jornalista Giuseppe Artidoro Ghiaroni, mais um dentre os inúmeros sucessos da Jovem Guarda. “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, lançada por Erasmo, e depois regravada em parceria com Arnaldo Antunes e mais tarde por Lulu Santos, se vale de um perspicaz jogo de palavras e situações para pôr em xeque as condições pré-estabelecidas do adulto e da criança.
Na composição, Erasmo e Ghiaroni expõem a ânsia da criança em se tornar adulto, e, na sequência, a nostalgia desse mesmo adulto em relação à sua infância, quando “por dentro com a alma atarantada/ sou uma criança, não entendo nada”, reafirmam nos versos finais da canção, também gravada pela banda gaúcha Cachorro Grande e pelo compositor carioca Oswaldo Montenegro, entre outros.
“É Preciso Saber Viver” (balada, 1974) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Lançada em 1974, por Roberto Carlos, a música “É Preciso Saber Viver”, parceria com o eterno amigo de fé e irmão camarada Erasmo Carlos, é um compêndio sobre como lidar com as adversidades que todos enfrentamos. A música teve o seu sucesso renovado em 1998, na regravação do grupo Titãs, que contou com a participação dos integrantes do Fat Family nos vocais, e entrou para a trilha sonora da novela “Pecado Capital”, exibida pela TV Globo...
“Meu Ego” (blues, 1977) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
No final de 1977, Nara Leão e Erasmo Carlos apresentaram no programa “Fantástico”, da Globo, a música “Meu Ego”, mais uma parceria do Tremendão com Roberto Carlos. A música havia sido lançada, naquele mesmo ano, no LP “Os Meus Amigos São Um Barato”, confirmando o pioneirismo de Nara, que dava a partida nos álbuns de duetos na música brasileira.
Além de receber Erasmo na referida faixa, ela ainda abria alas para Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Dominguinhos, João Donato e outros ícones da MPB. No ano seguinte, em 1978, a música seria incluída no disco “Pelas Esquinas de Ipanema”, de Erasmo. Mais tarde, ela foi regravada por Simone e Zélia Duncan.
“Mulher (Sexo Frágil)” (balada, 1981) – Erasmo Carlos e Narinha
Uma tragédia marcou a vida de Erasmo Carlos, quando a ex-mulher Narinha, que sofria de depressão, cometeu suicídio, em 1995, aos 49 anos. Os dois estavam separados desde 1991. Mas quando ainda eram casados, eles compuseram a balada “Mulher (Sexo Frágil)”, lançada em 1981, na capa do disco em que Erasmo aparece abraçado com Narinha, deitado em seu colo, feito um menino que precisa de carinho e amparo. São essas características que surgem numa das músicas de maior sucesso da MPB. Conjugando leveza e profundidade, Erasmo reflete sobre a própria condição e enaltece sua mulher.
“Pega na Mentira” (rock, 1981) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Existem muitas duplas históricas na música popular brasileira, como Tom e Vinicius, João Bosco e Aldir Blanc, Vitor Martins e Ivan Lins, Luiz Gonzaga e Humberto Martins, Cazuza e Frejat, Rita Lee e Roberto de Carvalho, mas é difícil encontrar uma tabelinha que supere o sucesso de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Egressos do movimento conhecido como Jovem Guarda, eles estenderam o prestígio e se consagraram como dois dos principais compositores do cancioneiro nacional, sendo regravados por Nara Leão, Elis Regina, Gal Costa e muitos outros. Em 1981, eles compuseram “Pega na Mentira”, lançada por Erasmo, que começa assim: “Zico tá no Vasco com Pelé”, e elenca uma série de mentiras, como: “O Brasil não gosta de novela...”.
“Mesmo Que Seja Eu” (rock, 1982) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
Sabe o clichê “antes só do que mal acompanhado”? Pode ser uma boa resposta ao eu lírico da canção de Erasmo Carlos. “Mesmo Que Seja Eu” é o relato de um homem sobre a vida, segundo ele solitária, de uma mulher. Talvez a intenção dele tenha sido se declarar um homem apaixonado e protetor e é nesse ponto que, muitas vezes, torna-se difícil identificar o abuso em um relacionamento.
“Filosofia e poesia/ É o que dizia minha vó/ Antes mal acompanhada do que só/ Você precisa de um homem/ Pra chamar de seu/ Mesmo que esse homem seja eu/ Um homem pra chamar de seu/ Mesmo que seja eu”. A canção foi regravada por Marina Lima no LP “Fullgás”, onde ela habilmente reverteu o sentido original.
“Fera Ferida” (balada, 1982) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Em 1982, a gravadora de Roberto Carlos decidiu que a canção “Amiga”, cantada em dueto com Maria Bethânia, seria a chamada “música de trabalho”, e que contaria com toda a máquina industrial para ser transformada em hit radiofônico.
No entanto, o público, mais sábio que os engravatados, preferiu “Fera Ferida”, que se transformou em sucesso imediato. A canção retrata o fim do casamento entre Roberto e Nice, e foi novamente feita em parceria com Erasmo Carlos. Em 1987, Caetano Veloso a regravou, seguido por Roberta Miranda e Maria Bethânia. A canção ainda deu nome à novela da Rede Globo.
“Dá Um Close Nela” (rock, 1984) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
Em 1984, a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos lançou a música “Close”, que popularmente ficou conhecida como “Dá Um Close Nela”. Evidente homenagem para Roberta Close, ela foi lançada e interpretada por Erasmo em clipe protagonizado pela modelo e atriz, sem dúvidas a mais famosa transexual do Brasil. A beleza de Roberta foi sempre tão marcante que ela se tornou a primeira transexual a estampar a capa da revista Playboy no país.
Cumpre ressaltar o talento da artista como atriz, com atuação destacada no filme “O Escorpião Escarlate”, de Ivan Cardoso, num número de strip-tease. A música enaltece as qualidades físicas de Roberta Close, uma mulher na acepção da palavra, com todos os seus atributos. Ainda enfrentando preconceitos, Close é exemplo de luta e dignidade para todas que desejam usufruir de sua sexualidade livremente.
“Do Fundo do Meu Coração” (balada, 1986) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Roberto Carlos vinha, aos poucos, de descolando do título de ídolo da garotada para se consagrar como o Rei da música brasileira. Um dos principais ativos nesse movimento foi apostar em canções mais maduras, que deixavam para trás o espírito juvenil e rebelde, em busca de declarações de amor capazes de acalentar corações de todas as idades. “Como É Grande o Meu Amor Por Você” destoa do repertório de “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, LP lançado em 1967, exatamente por esse motivo. Também de pegada romântica é a balada “Do Fundo do Meu Coração”, parceria com Erasmo lançada pelo Rei em 1986, e regravada por Adriana Calcanhotto, Daniel, Joanna, e outros.
“Mais Um na Multidão” (balada, 2001) – Erasmo Carlos, Marisa Monte e Carlinhos Brown
Erasmo Carlos estreou em grande estilo a parceria com Marisa Monte e Carlinhos Brown, que formariam o trio Tribalistas com Arnaldo Antunes. Em 2001, Erasmo, ao lado de Marisa e Brown, compôs a bela balada “Mais Um na Multidão”, recuperando, em certa medida, o espírito das canções românticas que ele ajudou a consagrar na canção popular brasileira, ao lado de Roberto Carlos. Como se não bastasse, essa canção delicada, sensível, ainda conta com um dueto emocionante entre Erasmo e Marisa, que não poupam a sensualidade na voz e brindam o público com uma interpretação digna de tudo.