Lançado em 2018 para extinguir os talões de papel e modernizar o sistema de estacionamento em Belo Horizonte, o rotativo digital também foi apresentado pela prefeitura com a premissa de combater os flanelinhas e coibir as fraudes cometidas pelos motoristas. Quatro anos depois a realidade é outra: eles continuam a extorquir e a enganar os condutores.
O servidor público aposentado Geasi Isidoro, de 63 anos, é uma vítima recente de estelionato cometido por um flanelinha. O crime aconteceu na Savassi, região Centro-Sul de BH, quando ele estacionou em uma vaga de rotativo na avenida Getúlio Vargas esquina com rua Paraíba. Ao invés de acionar um crédito digital que custa R$ 4,40, pelo celular ou em um ponto de venda, o motorista foi ludibriado pela conversa do algoz e correu o risco de ser multado.
“No momento em que eu parei, o flanelinha me abordou e disse que eu poderia ficar tranquilo com relação ao rotativo, pois ele mesmo faria a transferência do valor. O homem me cobrou R$ 6,00. Um tempo depois, desconfiado, voltei e pedi o comprovante da compra do crédito. Ele não tinha, não soube explicar e eu acionei o 190”, relata.
Conforme o relato da vítima, a Polícia Militar foi até o local, mas nada aconteceu com o flanelinha. “A viatura chegou, era um sargento e ele disse que não adiantaria conduzir o homem para a delegacia porque o delegado não tomaria nenhuma atitude, tendo em vista se tratar de um caso simples. O próprio policial disse que os flanelinhas fazem isso com frequência”, lamenta.
O caso de Geasi é apenas um entre tantos. Na área hospitalar, por exemplo, motoristas ainda reclamam das intimidações e ameaças que recebem diariamente dos flanelinhas que cobram pelas vagas rotativas.
“É o que mais tem nas ruas de BH. Sem falar o abuso que fazem de cobrar pelo rotativo. Se você não pagar, o prejuízo vem”, alerta o condutor Ibraim Mata.
Motoristas também burlam sistema
Para piorar a situação, alguns flanelinhas ainda aproveitam a fiscalização precária para ajudar motoristas que burlam o sistema. Em bairros como o Barro Preto, por exemplo, alguns trabalhadores que estacionam diariamente nas vagas rotativas só ativam os créditos digitais quando a Guarda Municipal está por perto. Eles são avisados pelos lavadores de carro que ficam de olho nas vias e disparam mensagens com alertas pelo WhatsApp, como revela à Itatiaia um flanelinha, que não será identificado.
“O brasileiro tem sempre um jeitinho para tudo. O estacionamento fechado é muito caro, por isso tem trabalhador da região que vem aqui e deixa o carro no rotativo o dia todo. Se a Guarda Municipal não passar, deixa rolar. É uma comunidade, quando chega a fiscalização avisamos os motoristas. No próprio local de trabalho, eles acionam os créditos do rotativo pelo celular”, conta.
Para BHTrans é questão de consciência
Diretor de sistema viário da BHTrans, José Carlos Ladeira, enfatiza que essa prática dos flanelinhas não é nova. Eles já colaboravam com os motoristas infratores utilizando os talões de papel que só eram preenchidos e colocados nos carros na iminência de uma fiscalização.
Para o diretor, a questão não será resolvida pela prefeitura enquanto não houver o entendimento dos próprios motoristas de que eles estão fomentando a criminalidade e o mal funcionamento do sistema ao aceitaram a ajuda dos flanelinhas.
“Isso é questão de consciência e segurança pública. O flanelinha telefonar para o motorista pode, não pode? Mas uma hora ele cai. Toma uma multa e depois outra multa. Se as pessoas não se conscientizarem não tem jeito, nem o eletrônico vai funcionar. É uma vergonha o que as pessoas fazem. Mas do lado de cá (BHTrans) tem gente inteligente também. Da mesma forma que eles inventam uma forma de burlar, nós inventamos uma nova forma de gerenciar”, diz Ladeira.
Sobre os casos em que os motoristas são abordados por lavadores de carro oferecendo a venda de créditos digitais, José Carlos Ladeira salienta que nenhum deles está credenciado pela prefeitura para realizar tal prática e o próprio sistema do rotativo digital coíbe o usuário de acionar o rotativo para mais de dois carros ao mesmo tempo.
“Não existe venda oficial por flanelinha. Aquele que não tem o aplicativo no telefone dele, pode ir até um posto de serviço. Dentro da banca de jornal ele homologa o crédito rotativo”, completa.
Em nota, a Polícia Militar afirma que sempre efetua a prisão e toma todas as providências policiais previstas na Legislação Vigente. O que ocorre é que, muitas das vezes, se tratam de crimes de menor potencial ofensivo, sujeitos a lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrências (TCO) e imediata soltura do agente. A corporação também diz que em Belo Horizonte o policiamento pelas vias da cidade é realizado de modo ininterrupto.