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Arcabouço ou Calabouço: a teoria e a prática

Regra fiscal apresentada por Haddad promete zerar o déficit no ano que vem e entregar um superávit de 0,5% do PIB em 2025: música para os ouvidos pode virar zumbido

Na prática, o Brasil está mais próximo do arcabouço ou do calabouço fiscal?

As linhas gerais do arcabouço fiscal foram anunciadas nesta quinta (30), pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acompanhado por sua equipe econômica e pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. Na prática, o que foi proposto dificilmente conseguirá ser entregue para a sociedade.

Basicamente, o arcabouço está centrado em dois pilares. Um é o de limitar as despesas em 70% das receitas, com o crescimento mínimo das despesas de 0,6%, em bases anualizadas, e um crescimento máximo de 2,5%.

Se o percentual da receita superar o crescimento de 2,5% despesas, elas serão limitadas a esses 2,5%, e o excedente servirá como um colchão de recursos para períodos de vacas magras.

Para que esse teto seja alcançado, o PIB teria que crescer 3,6%, o que, convenhamos, está longe da realidade atual, mas se o crescimento for fraco, as despesas poderão crescer o 0,6%, e aí segundo, Haddad, a economia feita nos períodos de maior crescimento seria usada. Mas fica a pergunta: e se as vacas magras vierem antes das vacas gordas? Teríamos o calabouço fiscal.

É a mesma coisa que comprar passagem para Fernando de Noronha esperando o resultado da Mega-Sena.

O outro pilar tem relação com o resultado primário das contas públicas, ou seja, o comportamento do saldo das contas, da diferença entre receitas no ano passado.

O superávit foi de 126 bilhões, cerca de 1,28% do PIB, o melhor resultado desde 2011, mas para esse ano, considerando as despesas que já foram contratadas e aumentadas, os economistas ouvidos pelo Banco Central projetam um déficit de 1,02%, para ano que vem, um déficit de 0,8%, para 2025 um déficit de 0,5%, e para 2026 um déficit de 0,28%.

Portanto, nas condições atuais de temperatura e pressão, os economistas das principais instituições financeiras que operam no Brasil não conseguem projetar o que o arcabouço promete, que é: zerar o déficit no ano que vem e entregar um superávit de 0,5% do PIB em 2025, que pode oscilar entre 0,25% e 0,75% e, em 2026 entregar um superávit de 1%, que pode oscilar entre 0,75 e 1,25% do PIB, isso é música para os ouvidos, mas pode virar zumbido.

Estamos falando do aumento de receitas, já que até hoje esse governo só fala e cria aumento de despesas, e para ocorrer o superávit é preciso aumentar a receita. Para isso, ou o país cresce, e cresce muito, ou o governo aumenta a arrecadação, não tem mágica.

Se você acredita em Papai Noel, pode ser que o governo promova uma reforma administrativa para enxugar a máquina e cortar gastos. Segundo Haddad, e é aí que a pulga pula para trás da minha orelha, quanto mais impostos pagarmos, menos juros pagaremos. Esses impostos virão de novos negócios como os de base tecnológica.

Como eu disse no Jornal da Itatiaia, o mercado reagiria bem ao arcabouço, já que não tinha nenhum rumo fiscal. Mas sem euforia, pelas fragilidades e dificuldades que temos entre a teoria e a prática.

Rita Mundim é Mestre em Administração, Especialista em Ciências Contábeis pela FGV e em Mercado de Capitais pela UFMG, economista pela UFMG, professora da Fundação Dom Cabral. É tambem CFG (Certificação ANBIMA de Fundamentos em Gestão) e CGA (Certificação de Gestores ANBIMA) e Administradora de Carteiras de Valores Mobiliários (CVM). É membro do Conselho de Política Econômica da FIEMG.