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Ribeirão das Neves (MG), cidade com 8 mil presos, testa modelo de justiça restaurativa em presídios

Iniciativa busca reduzir a reincidência e humanizar o cumprimento de pena em cidade que concentra mais de 10% dos presos de Minas Gerais

Foto de uma cela de prisão - Ricardo Wolffenbüttel Secom

Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, cidade que concentra mais de 10% da população carcerária de Minas Gerais, está recebendo um projeto piloto de justiça restaurativa voltado ao sistema prisional. A proposta busca transformar a forma como os conflitos são tratados dentro das unidades prisionais e, também, contribuir para a redução da reincidência criminal.

A advogada Jéssica Gonçalves, especialista em justiça restaurativa da Unniversa, explica as diferenças entre esse modelo e o sistema tradicional de justiça:

“A justiça tradicional é o método que já conhecemos: quando há um problema, judicializamos com uma ação. A justiça restaurativa, por sua vez, surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 como uma alternativa ao modelo penal. Em vez de apenas punir o infrator, ela propõe uma escuta ativa: por que você cometeu esse crime? O que precisa para não repetir essa conduta? É algo que a justiça tradicional não oferece.”

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O projeto está sendo desenvolvido em parceria com o Conselho da Comunidade de Ribeirão das Neves. Para a presidente do conselho, Miriam Estefânia dos Santos, o diferencial da proposta está em colocar o apenado no centro do processo de mudança.

“A justiça restaurativa mostra que não se trata apenas de segurança. É preciso trabalhar a humanização, tanto das pessoas privadas de liberdade quanto dos servidores, como os policiais penais, que muitas vezes se tornam endurecidos pela rotina. Essa prática demonstra que é possível mudar o cenário do sistema prisional. Não se trata de passar a mão na cabeça, mas de apoiar para promover uma mudança real de vida.”

A juíza Fernanda Chaves Machado, titular da 1ª Vara Criminal de Ribeirão das Neves e aluna do curso, também defende a importância de iniciativas que ofereçam novas possibilidades de ressocialização.

“Como juíza, eu absolvo e condeno. Mas percebi que não basta apenas colocar alguém dentro do presídio. É preciso oferecer meios para que ele possa se recuperar, restaurar sua vida e não voltar ao crime. Ribeirão das Neves tem mais de 8 mil presos. Eles vão voltar para a sociedade, porque no Brasil não há prisão perpétua nem pena de morte. E como ressocializar alguém que passou anos em uma cela superlotada, com 25 ou 30 pessoas onde caberiam apenas quatro? A justiça restaurativa traz esse olhar mais humano, é como uma mão estendida dizendo: vem reconstruir sua história.”

Um dos participantes do projeto é Anderson Luciano da Silva, de 49 anos, que concluiu sua pena nesta semana. Ele está entre as 150 pessoas atendidas pela iniciativa. “É uma oportunidade muito boa. Um jeito de ajudar a mim mesmo, à minha família e também a outros irmãos. Estou muito feliz, emocionado. Agora é bola pra frente, que a vida segue.”

Ao todo, 50 pessoas participam do curso de formação em justiça restaurativa, entre magistrados, servidores públicos, representantes da sociedade civil e autoridades. O vereador Dinei, autor da lei municipal que instituiu a política pública no município, destaca a importância de levar as práticas também para as escolas. “A ideia é trabalhar a prevenção, especialmente em escolas com altos índices de violência. Vamos formar professores como multiplicadores dessas práticas, para criar uma cultura de paz no ambiente escolar.”

A iniciativa é viabilizada por recursos de um edital da Vara de Execuções Penais da comarca. A formação prática dos participantes deve ser concluída até setembro.

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Mineira de Resende Costa, Campo das Vertentes. Jornalista formada pela UFSJ, já trabalhou na Rádio Emboabas de São João del-Rei. Na Itatiaia, é editora do Jornal Itatiaia Primeira Edição e do Jornal da Tarde. Além de repórter, principalmente em Cidades