O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a entrega voluntária de um bebê para adoção, sem a consulta da família biológica, incluindo o pai da criança. A decisão inédita atendeu ao pedido de uma mulher assistida pela Defensoria Pública em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas.
A gestante fez o pedido de sigilo para que o nascimento e a entrega voluntária do filho para adoção se dessem sem o conhecimento do suposto pai – com quem não havia união formal ou estável – e da família.
Conforme a defensoria, a Justiça já havia reconhecido, em primeira instância, o direito da mãe.
O Ministério Público recorreu da decisão sustentando que, apesar da manifestação da genitora pelo anonimato sobre o nascimento do filho, o sigilo não alcançaria a família extensa da criança, que deveria ser previamente buscada.
O Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo e revogou a decisão, principalmente no que se refere à colocação da criança em família substituta e sobre a observância do sigilo do nascimento em relação à família extensa.
A Defensoria Pública recorreu e, por fim, o STJ manteve a decisão inicial, permitindo o sigilo e a entrega voluntária do bebê.
Alegações da mãe
No Relatório Social, a mãe afirmou que, desde o momento em que ficou sabendo da gravidez, teve ciência que não poderia cuidar de mais uma criança, diante de suas condições financeiras.
“A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxinas, como eu iria trabalhar nelas tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?”, afirmou no relatório.
Ao ser questionada, a gestante afirmou que não cogitava deixar o bebê sob os cuidados da própria família. Ela lembrou que a mãe não teve condição de criar os próprios filhos e com isso teve 12 netos, com os quais não possui qualquer vínculo afetivo. Já suas duas irmãs têm “casamentos ruins” e situação financeira “complicada”.
Direito de sigilo
De acordo com a
O artigo 19-A estabelece ainda que, ao entregar um recém-nascido para adoção, a mãe deve buscar alternativas na família extensa, ou seja, parentes como avós, tios, entre outros, para checar se alguém pode cuidar da criança. Se os familiares não souberem da gravidez, a adoção pode ser feita sem consultá-los.
O relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, afirmou em seu voto que “no caso concreto, o estudo social realizado com a mãe concluiu que a decisão de entrega do seu filho para adoção foi refletida e madura, se baseou em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente das suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança”.
Para a defensora pública Karina Roscoe Zanetti, da Defensoria dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Unidade da DPMG em Divinópolis, é preciso respeitar o direito de sigilo da mãe, a entrega legal e, principalmente, o direito de privacidade. “Conseguimos garantir isso por meio da decisão do STJ, que entendeu e adotou a melhor interpretação possível da lei. E esta decisão agora torna-se um parâmetro nacional de respeito àquela mãe que, normalmente, desconhece este direito”, enfatizou a defensora pública.
Segundo Karina Zanetti, a entrega legal dificilmente é feita por uma família estruturada e é mais comum entre mães hipossuficientes, que não têm certeza de quem é o pai ou não querem revelar a paternidade. “Com esta decisão, mulheres que se encontram nesta situação sabem que poderão ser acolhidas no judiciário e não sofrerão um escrutínio geral de sua vida”, completou a defensora pública.
*Sob supervisão de Enzo Menezes