Fundado há mais de dois séculos pelas famílias Ferreira, Lopes e Mendanha, o Quilombo São Domingos, a menos de 4 km de Paracatu, no Noroeste de Minas, foi inserido oficialmente no mapa do Afroturismo em Minas Gerais.
Na última quinta-feira (23) foi lançado o catálogo de experiências turísticas da comunidade, que é reconhecida pela Fundação Palmares desde 2004. Antigamente conhecido como o “celeiro da cidade” por abastecer Paracatu com alimentos, hoje o quilombo é um polo de turismo regional.
Comunidade recebeu visitantes para o lançamento do catálogo
Ao todo, são 11 vivências imersivas para o visitante, unindo a história das famílias quilombolas com a rica gastronomia e cultura local. Entre as experiências estão a contação de histórias na Casa Museu; produção do açafrão e rapadura; visita à Fábrica de Biscoitos Ouro da Roça – onde são feitos o tradicional bolo Zumbi e o pão de queijo – e a confecção das máscaras da caretagem, celebração regional a São João Batista.
Empreendedorismo comunitário
O projeto foi desenvolvido a pedido da própria comunidade e contou com meses de consultoria do Sebrae Minas. “Eles já faziam o que fazem hoje, só não entendiam que isso era empreender dentro do Afroturismo. As experiências já existiam, a gente só chegou para ajudar na parte de planejamento, precificação e estruturação para que o mercado pudesse vir e vivenciar as atividades,” explicou Patrícia Rezende, analista de projetos do Sebrae.
Segundo Priscila Martins, consultora responsável pela criação do catálogo, o trabalho foi um “embrulho de presente” para as atividades que já são feitas com orgulho pelos moradores. "É perceptível o quanto eles avançaram. O projeto tem dado frutos para fortalecer a comunidade e colocá-los em destaque dentro do turismo no município”, enfatizou à Itatiaia.
Máscara da caretagem, celebração a São João Batista
Umas das experiência é a confecção das máscaras da caretagem, guiada por dona Cristina Coutrim, de 86 anos. Nascida no quilombo, ela é neta de um dos escravos que fundaram a comunidade.
Dona Cristina Coutrim, de 86 anos
Para ela, confeccionar as máscaras e ensinar os turistas é uma forma de perpetuar a tradição. “Eu amo trabalhar com todo tipo de artesanato e principalmente com as máscaras que eu sei que é para a festa da nossa comunidade, que é uma festa muito animada. Fico muito feliz de hoje estar sendo divulgado o trabalho, estamos na luta para não deixar morrer nossas tradições que vem dos nossos ancestrais”, afirmou dona Cristina.
Confecção da mascara da caretagem
A festa acontece anualmente no dia 23 de junho, dia de São João Batista, e é caracterizada por danças com as máscaras feitas à mão, trajes coloridos, música e muita comida.
“A nossa dança surgiu como o divertimento, para alegrar um pouco após o trabalho tão pesado. Então, dava à noite de São João e eles iam dançar”, contou Cristina à reportagem.
A dança é exclusivamente praticada por homens. Na coreografia participam 24 integrantes, divididos em 12 damas (homens vestidos de mulher) e 12 cavaleiros. A comunidade também abre espaço para as crianças participarem.
Bolo Zumbi e pão de queijo: símbolos da gastronomia
Filha de dona Cristina, Irene coordena a Fábrica de Biscoitos Ouro da Roça no quilombo, onde são produzidas duas iguarias tradicionais da região.
Feito com rapadura do quilombo, fubá torrado e um toque de queijo, o bolo Zumbi é símbolo de resistência na comunidade.
“O bolo Zumbi ele é tão rico e ninguém dava nada para esse bolo. Ele já fez coisa na minha vida que ninguém nunca imaginou. É um bolo cheio de afeto, cheio de amor, cheio de carinho e de onde gera renda. Eu apresentei esse bolo e já fui contemplada em projetos como na Fundação Cultural Palmares e prêmio Pnab”, contou a coordenadora Irene dos Reis de Oliveira.
Bolo Zumbi e pão de queijo com receita única
Na fábrica também é feito pão de queijo, mas com uma receita única da região. Enquanto em muitos lugares a massa passa pelo processo de escaldamento, onde líquido quente é incorporado aos ingredientes, em Paracatu o preparo é diferente.
O pão de queijo de Paracatu é feito com massa crua, sem o choque do leite, óleo e água fervente, além de usar o queijo curado. Desde 2015, o “modo de se fazer o pão de queijo” é patrimônio imaterial município.
Pão de queijo do Quilombo São Domingos
*Repórter viajou ao quilombo a convite do Sebrae Minas