Pouco mais de 30 km separam os bairros Buritis, na Região Oeste de Belo Horizonte, e São Damião, lado Norte da capital. O primeiro é o bairro mais populoso de Minas Gerais, com 42.342 moradores, enquanto o segundo é o menor, com apenas cinco habitantes. A diferença populacional é tamanha que apenas uma família do Buritis pode ter mais pessoas que o microbairro São Damião, situado no limite com Santa Luzia, município da Grande BH.
O contraste entre esses dois bairros de Belo Horizonte encerra, nesta sexta-feira (12), dia do aniversário da cidade, a série Capital dos extremos: a BH de 128 anos repleta de história e desafios.
A reportagem da Itatiaia foi ao bairro São Damião e encontrou o senhor Evaldo da Silva, 71 anos. Oficialmente, ele é um dos cinco moradores, mas nem sequer sabe que o bairro existe. “Nunca ouvi falar”, disse o aposentado, que está na região há quase três décadas. “Eu moro no São Benedito”, rebateu.
O São Damião está localizado a poucos metros da Cidade Administrativa, sede do Governo de Minas projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que custou R$ 1,2 bilhão (em 2010). Apesar da vizinhança ‘nobre’, o bairro tem problemas de infraestrutura, como ruas de terra e falta de coleta de lixo.
São Damião fica perto da sede do Governo de Minas
Eliseu Vieira é dono do único comércio do São Damião. Há 3 anos, ele montou a kombi do caldo, estrutura localizada na Avenida Existente que oferece caldo de cana geladíssimo e pastel frito na hora.
Morador do bairro Jaqueline, também na Região Norte, ele reconhece que muitas pessoas nunca ouviram falar no bairro. “Nós estamos em Belo Horizonte. Gera aquela dúvida, porque as pessoas chegam e falam: ‘Aqui é Santa Luzia’. Outras dizem que é Vespasiano, mas aí eu falo: ‘Não, aqui é Belo Horizonte’. Estamos no limite entre esses municípios”, disse Eliseu, acrescentando que a área onde está o São Damião pertenceu
Eliseu Vieira é dono do único comércio do São Damião
Eliseu apontou para a reportagem uma ‘prova’ sobre a veracidade das informações: uma placa de bronze fixada no passeio com os seguintes dizeres: ‘IGA- SECTES-MG – Limite Municipal: Protegido por lei’. “É a sinalização de ‘divisa’ de municípios. Belo Horizonte é até ali. Depois é Santa Luzia”, explicou o comerciante, acrescentando que a Avenida Existente muda de nome. “Para baixo, é Senhor do Bonfim. Daqui pra cima é Avenida Existente”, disse.
Placa na calçada informa sobre limite municipal
O comerciante destaca ainda que a Avenida Existente era usada como um lixão e que o asfalto foi colocado depois de muita luta e jogo de empurra.
“Teve um morador que foi atrás do Poder Público para cobrar a melhoria da via, porque ela estava abandonada há muitos anos. Faltava limpeza, tinha muito buraco, o pessoal fazia desova de animais mortos. Ele foi (na prefeitura) de Vespasiano e de Santa Luzia, mas ninguém assumiu a responsabilidade. Até que esteve em Belo Horizonte, a prefeitura esteve aqui, reconheceu que era responsável pela via e fez um asfalto novo. Falta só a sinalização do quebra-molas”, disse.
Realidades tão distintas chocam morador do Buritis
O engenheiro mecânico Ricardo Batista dos Santos, de 63 anos, mora no Buritis há 26 anos. A família tem cinco pessoas, mesmo número de moradores do São Damião. “Em fevereiro seremos sete, pois vão chegar dois netos”, contou.
Diferentemente do São Damião, que tem apenas um comércio, o Buritis tem infraestrutura completa, com bares, restaurantes, academias, escolas, bancos, parques, universidade e até um shopping. “Gosto muito do Buritis, todas as minhas necessidades são atendidas aqui. O comércio é excelente. Temos supermercados ótimos, farmácias e lazer”, destacou o engenheiro, que não imaginava a existência de um bairro em BH com apenas cinco moradores, como o São Damião.
“É uma surpresa grande para mim. Nunca pensei que seria possível. Incrível isto”, finalizou.
Família do engenheiro mecânico Ricardo Batista dos Santos vai superar o número de moradores do São Damião
Rua feita com as próprias mãos
Perto da Kombi Caldo, duas famílias moram na esburacada Rua Araguacema, no bairro São Benedito. A via é um misto de concreto, terra e foi construída pelos próprios moradores.
O casal Valdivino Cesário, 68 anos, e Francisca Regina, de 60, está há mais de 20 anos no local. “Temos uma rua que divide Santa Luzia e Belo Horizonte e que nunca foi aberta. Só tem o nome de rua. Eu e os vizinhos que fizemos esse pedaço. E estamos a 800 metros da Cidade Administrativa. A dificuldade nossa é que uns dizem que aqui pertence a Belo Horizonte, outros dizem que pertence a Vespasiano e nós temos documento de que pertence a Santa Luzia”, explicou Valdivino, mostrando o boleto do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) da Prefeitura de Santa Luzia.
Dona Francisca contou que viveu uma situação inusitada ao solicitar a construção de uma praça e de uma passarela para pedestres até a sede do governo. “Disseram que iriam fazer para evitar o fluxo de pessoas para a Cidade Administrativa. Fui até Santa Luzia pedir também e disseram que não existia possibilidade nem de fazer a pracinha e nem a passarela porque a região pertence a Belo Horizonte. Por isso, não podiam fazer obra”, disse.
Francisca Regina, de 60 anos, mora há duas décadas na Rua Araguacema
André Luís Ferreira de Lima, de 57 anos, militar reformado, mora com a família há dois anos na Rua Araguacema. “Falam que o bairro é São Cosme, São Damião, mas o que acontece é que não há recurso nenhum: não tem iluminação pública, não tem coleta de lixo e não tem rua. Fica esse dilema. Um joga para a Prefeitura de Belo Horizonte, outro joga para Santa Luzia, e a gente fica sem saber”, disse.
Comércio
Marcelo de Souza e Silva, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) e do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas, mora no Buritis e faz um paralelo importante entre o comércio no bairro com outros locais menores. Ele citou o Mapa Empreende BH, ferramenta desenvolvida junto à Prefeitura de BH que auxilia o empreendedor a escolher o melhor local para viabilizar o seu negócio.
No caso de bairros menores, como o São Damião, ele destacou que o empreendedor precisa analisar vários quesitos, como o fluxo de pessoas. É justamente esse ponto que favorece a Kombi Caldo do senhor Eliseu. Isso porque a movimentação de carros na Avenida Existente é intensa.
“Tem bairro que não tem comércio e é uma grande oportunidade. O empreendedor tem que observar isso, se instalar e buscar atender essas pessoas. Com certeza, esse bairro que tem menos população vai crescer”, disse Marcelo, destacando ainda que há desafios para o comércio nos bairros com muitos moradores:
“O Buritis, com essa população, tem facilitações, mas tem algumas dificuldades também. O lugar de parar... mas, conforme o tipo de comércio e o tipo de prestação de serviço que você coloque, com certeza ali você terá demanda”, concluiu.
Presidente da CDL mora no Buritis e conhece bem o comércio do bairro
Nota
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que a coleta de lixo no bairro São Damião é feita pelo serviço de limpeza de Santa Luzia, uma vez que os poucos moradores do bairro depositam os resíduos em uma rua próxima que pertence ao município da Grande BH.
Procurada pela Itatiaia, a Prefeitura de Santa Luzia informou que uma equipe técnica será enviada ao local para realizar uma vistoria na Rua Ibirapuera, situada na divisa entre os bairros São Benedito e São Damião.
“A avaliação em campo permitirá verificar as condições de infraestrutura relatadas, incluindo a situação do pavimento e da sinalização viária. A partir da vistoria, serão definidos os encaminhamentos e eventuais intervenções necessárias. Também será confirmada, de forma técnica, a jurisdição da via”, informou.
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