BH 128 anos: do metro quadrado mais caro na Região Centro-Sul à falta do básico no lado Norte

Contrastes urbanos expõem a distância entre bairros de luxo e regiões sem água, luz e serviços básicos na capital mineira

BH 128 anos: do metro quadrado mais caro na Região Centro-Sul à falta do básico no lado Norte

Já imaginou viver em uma das principais capitais do Brasil e não ter água, energia elétrica, saneamento básico e ruas asfaltadas em 2025? Os problemas parecem distantes para muitos, mas essa é a realidade de algumas famílias que moram no bairro Novo Lajedo, na Região Norte de Belo Horizonte, capital de nove regionais, 487 bairros e quase 2,5 milhões de habitantes. Ao mesmo tempo, BH tem bairros de luxo e com infraestrutura completa. Com tamanha diversidade, a desigualdade de moradia ainda é enorme.

O contraste de algumas regiões da cidade é abordado na penúltima reportagem da série Capital dos extremos: a BH de 128 anos repleta de história e desafios.

Belo Horizonte vive hoje um cenário de forte contraste no mercado imobiliário. Enquanto imóveis da Região Centro-Sul concentram os maiores valores por metro quadrado, impulsionados pela localização, serviços premium e topografia, bairros mais afastados sofrem até com a falta de coleta de lixo. A consequência é a divisão do espaço urbano entre grupos sociais com grande desigualdade de renda.

O conjunto de fatores como a localização privilegiada, o acesso facilitado a serviços de alto padrão e a sensação de segurança eleva o status de determinadas regiões, segundo uma pesquisa feita a pedido da Itatiaia pelo Grupo QuintoAndar.

Centro-Sul

De uma lista dos dez bairros mais caros para se morar, oito deles estão na Região Centro-Sul. Com metro quadrado avaliado em R$ 80, o Lourdes está em primeiro lugar. Em seguida, Savassi, São Pedro, Santo Agostinho, Anchieta, Funcionários, Barro Preto e Sion, com valores entre R$ 49 e R$ 70. Em outras regiões, o Buritis, localizado na Região Oeste da cidade, e o bairro Santa Efigênia, na Região Leste, são destaques.

Na outra ponta, com o metro quadrado mais barato para se morar, está o Piratininga, na Região de Venda Nova, onde o metro quadrado fica abaixo de R$ 25, menor valor entre os 35 bairros dessa área monitorados pelo QuintoAndar.

Em uma conta básica, se você fosse alugar um imóvel de 200 m² no Lourdes, o valor seria em torno de R$ 16 mil. Já no Piratininga, o mesmo imóvel custaria cerca de R$ 5 mil.

Sem luz e água

A Itatiaia conversou com moradores do bairro Novo Lajedo, que nem sequer aparece na pesquisa do QuintoAndar. Segundo moradores, eles estão abandonados e sem nenhuma perspectiva de novas residências e melhorias na infraestrutura.

Moradora do Novo Lajedo, a auxiliar de serviços gerais Márcia de Paula, de 40 anos, contou que a comunidade luta pela regularização da energia elétrica há mais de duas décadas.

“Moro aqui há mais de 20 anos. A gente se sente abandonado por todos os órgãos públicos. Esse bairro nunca teve a ligação da energia (elétrica) correta. Foi aqui que a gente comprou, é aqui que a gente construiu para tentar ter um pouquinho de dignidade. Mas viver assim, com os postes mal instalados e sem cabos, com a população sem cadastro, é desumano”, disse Márcia de Paula, ao explicar que a única forma de a população ter energia é por meio da ligação irregular (conhecida como ‘gato’), mesmo não concordando.

O Novo Lajedo fica localizado a dez minutos da Estação São Gabriel, uma das maiores e mais importantes estruturas de integração de transporte público de BH, mas a falta de infraestrutura urbana afeta também atividades diárias de quem reside no bairro.

Moradora do Novo Lajedo, a auxiliar de serviços gerais Márcia de Paula, de 40 anos, contou que a comunidade luta pela regularização da energia elétrica há mais de duas décadas.

“A gente trabalha o dia todo, a gente pega o ônibus cheio, chega em casa e só quer tomar um banho com água quentinha. Queria abrir a geladeira e ter uma carne congelada para a gente fazer, mas não tem nada disso, porque não tem energia (regularizada). Tem vez que precisamos tomar banho na água fria”, relatou Márcia.

Márcia é uma das 3.468 moradoras do Novo Lajedo. Ela detalhou como é a luta vivida pelas famílias do bairro, que vivem sem energia elétrica, com prejuízos financeiros por conta da má instalação e outros fatores que acabam sendo desencadeados devido ao problema.

Só postes

Segundo a auxiliar de serviços gerais, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) iniciou, em janeiro deste ano, a instalação de postes na comunidade, mas a obra foi interrompida antes da conclusão. Em imagens cedidas à reportagem, Márcia mostra os postes colocados sem a passagem dos cabos. Ela relata ainda a ocorrência de explosões em razão de instalações elétricas precárias.

“Eles começaram a colocar os postes aqui no bairro, só que a obra não terminou. Colocaram apenas os postes e não passaram os cabos. Ainda não fizeram o cadastro da população, e a gente está aguardando isso. Quando começaram, a previsão era de que até julho nós já estaríamos pagando nossa conta de luz, que é o nosso sonho. Só que, simplesmente, a Cemig abandonou a obra e disse que a empresa responsável faliu. Agora, falaram que precisamos esperar uma nova licitação, que não há outra opção, só esperar mesmo”, explicou.

No local, os próprios moradores chegaram a construir uma ponte de concreto sobre um córrego que corta o bairro.

Bairro Novo Lajedo, onde falta energia elétrica, segundo moradores.

"É muito ruim, né? A gente morar em um bairro de Belo Horizonte, uma capital desse tamanho, e não ter o básico que a gente precisa, que é água, luz, um encanamento básico. Você quer chamar um parente para ir à sua casa e não pode, porque não sabe se vai ter luz no dia seguinte. Às vezes, nem uma água gelada você consegue oferecer. Esses dias mesmo estava muito calor e não tinha uma água gelada para beber. É muito ruim, é péssimo. Há anos a gente vem sofrendo com isso”, cobrou Márcia, moradora do Novo Lajedo há 20 anos.

Em nota enviada à Itatiaia, a Cemig manteve a posição de que o encerramento do contrato com uma prestadora de serviço atrasou a conclusão dos fios de energia no bairro.

“A Cemig informa que já iniciou a implantação da infraestrutura de energia elétrica na região. No entanto, devido à rescisão contratual com a empresa anteriormente responsável pela execução das obras, os serviços foram temporariamente interrompidos. A companhia esclarece que está adotando as providências necessárias para contratar uma nova prestadora de serviços, com o objetivo de retomar as obras de infraestrutura elétrica o mais brevemente possível, garantindo a continuidade do projeto e o atendimento à população local”.

Recentemente, moradores do bairro realizaram um protesto e bloquearam o trânsito na Rodovia MG-20. Segundo a Câmara Municipal de Belo Horizonte, o plano de regularização urbana do Novo Lajedo já foi tema de debate, após a comunidade denunciar as condições precárias de infraestrutura do bairro.

A reportagem aguarda o posicionamento da Copasa sobre a falta de saneamento básico e estrutura em alguns locais dessa região.

R$ 20 bilhões

O contraste evidencia a vulnerabilidade de parte da população em uma capital onde o total de receitas brutas realizadas em 2024 chegou próximo da casa dos R$ 20 bilhões, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para Thiago Reis, gerente de Comunicação e Dados do Grupo QuintoAndar, o desafio de infraestrutura é um dos principais fatores para a capital mineira ter tamanha disparidade de preços.

“O Novo Lajedo é um bairro com vários desafios de infraestrutura, onde há uma dependência de deslocamento para os grandes centros. Essa diferença se reflete nos preços e na valorização dessas localidades. Já o Luxemburgo (no top 20 dos mais caros), que também aparece na lista do metro quadrado mais caro da capital, é um bairro conhecido pela arborização e ruas tranquilas. Apesar de residencial, tem ainda uma boa oferta de serviços e atrativos de lazer, e por isso é considerado seguro e bem localizado”, explicou.

Aluguel para poucos

Segundo o gerente, o preço do aluguel nas regiões mais caras chega a ser mais que o dobro do registrado em Venda Nova. Além disso, os imóveis do lado Centro-Sul aparecem com média de 90 m², enquanto nas regiões Norte e Venda Nova têm 60 m² e 58 m², respectivamente.

“Uma das explicações para essas diferenças entre as regiões é que a cidade foi planejada dentro da Avenida do Contorno. Mas o crescimento urbano fez com que a porção Centro-Sul ganhasse mais projeção. Com a escassez de terrenos, o preço subiu e essa região acabou concentrando os maiores investimentos”, finalizou.

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Formada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), já trabalhou na Record TV e na Rede Minas. Atualmente é repórter multimídia e apresenta o ‘Tá Sabendo’ no Instagram da Itatiaia.

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