Ruas repletas de lama, entulho e lixo. Um cheiro desagradável que acompanha o trajeto de quem passa por ruas que ficaram três semanas alagadas. Agora que o nível do rio Guaíba começa a baixar em Porto Alegre (RS), moradores da capital gaúcha conseguem ver de perto a destruição provocada pelas enchentes dos últimos dias - há crateras no asfalto, com a tubulação de água e esgoto exposta, há paredes de casas que foram derrubadas pela enxurrada. Com os bueiros tomados de lixo e entulho, a água volta a subir com a chuva forte, como aconteceu nesta sexta-feira (24).
Moradores relatam cenas de desespero à Itatiaia. Jéssica Bernardes, moradora do bairro Cavalhada, lidou com “água acima da cintura”. Jorge Coelho, do mesmo bairro, reclama que com a chuva insistente de ontem e hoje “já alagou tudo de novo e as bocas de bueiro estão todas entupidas”. Diane Raquele, proprietária de um salão em uma rua paralela ao Guaíba, acompanha com apreensão o aumento de nível “a cada minuto - e está aumentando muito”.
Mesmo sem trabalhar, as contas chegam
"É a resposta da natureza”, reflete a proprietária do salão
Daiane Raquele é proprietária de um salão de beleza no bairro Ipanema. Sem conseguir trabalhar há 24 dias - pois a loja continua alagada e teve equipamentos e móveis destruídos pela lama -, ela continua recebendo cobranças. “As contas do mês vêm vindo e nós somos autônomos, a gente não tem outra renda, e a imobiliária cobrando aluguel”, desabafa.
Clientes de Raquele ligam pedindo para serem atendidos em casa, mas é impossível entrar no salão para recuperar os materiais da cabeleireira e podóloga. De todo modo, vários clientes também tiveram as residências alagadas. “A gente espera que os governos tenham esse discernimento e deem um auxílio para a população. A gente precisa de uma ajuda com a renda”.
A microempresária lamenta que a população contribua para piorar as enchentes. "É a resposta da natureza”, reflete. “O pessoal é muito relaxado. Jogam lixo nas ruas de qualquer jeito, nem colocam em sacos, jogam lixo nos rios”.
Resistência dos moradores em deixar suas casas
A cinco quilômetros do salão de Daiane, no bairro Cavalhada, Jéssica Bernardes trabalha em um petshop. Do alto de outra loja, que está servindo de ponto de resgate, ela fez uma live mostrando o alagamento e a enxurrada a sua volta. Nas imagens é possível ver uma senhora sendo resgatada de uma casa vizinha, além da retirada dos animais que estavam no petshop. “O pessoal que mora aqui do lado da loja perdeu praticamente tudo. As casas estão cheias de areia e barro, ficaram inundadas”, lamenta.
Até equipamento de stand up paddle, que consiste em uma prancha e um remo, foi usado para resgatar moradores e animais. Mesmo com o nível alto da água as pessoas resistem em deixar suas casas. “Tem gente que mora aqui há 40 anos, não querem sair por nada. Uma idosa acamada só foi retirada de barco quando a água já estava subindo (horas depois da enchente começar)”. Agora, Jéssica está reunindo doações para os vizinhos: “Estou arrecadando, agora, tudo para essas pessoas. Tem desde crianças de dois meses a idosos de 90 anos”.
Lama, lixo e entulho nas ruas
O dono da oficina no bairro Cavalhada conta que está “desde as cindo da manhã resgatando pesoas”
Também no bairro Cavalhada, Jorge Coelho, dono de uma oficina na região, gravou um vídeo na porta do comércio em meio a gritos de desespero. Ele reclama da falta de assistência do governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre. “Não limparam nada. Tiveram um monte de dias para limpar enquanto a água baixava. Nem o caminhão do lixo passou. Não fizeram nada e agora temos que ser fortes para reerguer o Rio Grande do Sul de novo. Eles não ajudam em nada”, revolta-se.
Com a água na altura dos joelhos, Jorge vê cachorro morto boiando na rua. "É uma vergonha constante, olha o dinheiro público mal administrado”. Com o caminhão guincho estacionado na porta da oficina, ele diz que está “desde às cinco horas da manhã resgatando as pessoas”.
* Sob supervisão de Enzo Menezes