Mesmo com um alívio na intensidade das chuvas no Rio Grande do Sul, o nível dos rios não baixa. Conforme estimativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Guaíba pode demorar cerca de 30 dias para voltar ao nível normal, ainda que pare de chover.
O geólogo especialista Roberto Machado explica que isso se deve, principalmente, à geologia e ao relevo do estado. “O Rio Jacuí e o Rio Guaíba se estabelecem sobre relevos muitíssimo planos, originados por milhares de anos de deposição de sedimentos aluvionares (transportados pela água). Esse relevo plano favorece o fluxo lento para o caminho das águas até o oceano”, afirma.
Nas palavras do profissional, “o material em suspensão, em correntezas extremamente lentas, deve-se a granulometrias mais finas, siltes e argilas. Há fração granulométrica mais grosseira, como areias finas, que estão a fundo ou já depositadas pelo caminho. Enfim, é muito solo transportado”. Quanto ao relevo, ele diz que “esses depósitos aluvionares imprimem uma topografia quase totalmente plana no entorno do Jacuí e do Guaíba”, que precisam que a água desça até o oceano para que baixem seus níveis.
Somado a isso, o nível dos rios também se mantém porque recebem a água de outros rios da região. “As bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Gravataí e Sinos deságuam no delta do rio Jacuí, em sua confluência com o rio Guaíba. Essas bacias possuem suas cabeceiras de drenagens encaixadas nos relevos da Serra Geral, com águas que chegam ao rio Jacuí e rio Guaíba, em alta velocidade, contribuindo para a manutenção do nível da água”, diz Roberto.
Também é preciso levar em consideração que o rio Guaíba é um “rio com margens de lagoa”. Em outras palavras, no meio do rio, existe um fluxo em uma única direção, muito lento, e nas margens, um fluxo em duas dimensões, não somente no sentido do escoamento, configurando um comportamento de lagoa. De acordo com o especialista, “esse comportamento ocorre devido ao relevo extremamente plano. Mas, tecnicamente, segue sendo um rio”. Além disso, todo esse volume de água precisa passar por uma desembocadura estreita para chegar até o Oceano Atlântico.
Outro fator que dita o escoamento das águas para o oceano é o nível do mar. Quando acontecem marés de tempestade, o nível do mar se eleva em até dois metros, ficando mais alto que o nível de escoamento da Lagoa dos Patos. “A água praticamente só escoa durante marés baixas”, explica o geólogo.
Por que a chuva afetou tanto as cidades do RS?
É comum que dentro do processo histórico das ocupações humanas as cidades se ergam em volta de corpos hídricos, como rios, por exemplo. Esse é o caso de várias cidades no Rio Grande do Sul. É o que acontece principalmente no entorno da Bacia Hidrográfica do Baixo Rio Jacuí e seus afluentes, que tem cidades nas chamadas “Planícies de Inundação” dos rios.
"É uma região hidrográfica muito grande direcionando todo o volume de águas para um rio tão plano, também é chamado de lago, e que possui uma desembocadura estreita após outro lago, a Lagoa dos Patos, mas que às vezes não funciona devido ao efeito das marés”, esclarece o geólogo.
Com isso, acontecem os alagamentos, que Roberto Machado define como “consequência da incapacidade de escoamento de água em uma área”. Ainda de acordo com o profissional, “em Porto Alegre, o nível do paredão do antigo porto é de 3,5 metros, a água chegou em 5,33 metros, e pode piorar ainda mais”.
Roberto ainda menciona que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Hidráulica (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “o rio Guaíba deve demorar 30 dias para restabelecer nível de cota abaixo da cota de inundação de 3,0 metros, isso deve-se às dificuldades de escoamento”.
Por que os alagamentos afetam o abastecimento de água?
Conforme o geólogo especialista, “durante as inundações, as estações de tratamento não operam devido à submersão da estrutura que alimenta as bombas. Essas bombas, que são essenciais para o funcionamento do sistema, correm o risco de falhar pois foram projetadas para operar em superfície, não submersas. As bombas funcionam mecanicamente, mas são alimentadas por energia elétrica”. A energia elétrica em contato com a água também pode causar curto circuito.
A alta turbidez da água durante as enchentes dificulta o trabalho de tornar a água potável nas estações de tratamento, o que também impactou na redução da produção de água tratada. “É crucial que a qualidade da água bruta atenda aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde”, comenta Roberto.
Para este problema, “uma saída é a implantação de sistemas de captação mais flexíveis, como sistemas submersos, flutuantes ou captação de água limpa em pontos mais distantes”, explica.
Para solucionar o problema é importante prever e prevenir
De acordo com o especialista, o cenário atual das chuvas no Rio Grande do Sul “não é novidade para a ciência”. Ele diz que “projeções elaboradas há algum tempo previam um aumento de chuvas extremas e inundações na região com o avanço do aquecimento global. Pesquisas da USP realizadas há quase 10 anos criaram modelos climáticos que previam chuvas mais extremas no Sul e secas na Amazônia”.
Mapear as áreas de risco serve para criar sistemas de alerta, que tornam possível implementar planos de ação de emergência mais eficazes. Roberto enumera soluções: treinamentos de plano de evacuação, monitoramento em tempo real, ágil, com tecnologia e corpo técnico atuante”.
Além disso, é preciso “implementar medidas de mitigação para reduzir os impactos das enchentes: uma delas é o reflorestamento das margens dos rios, mantendo o cinturão verde, o que desacelera o fluxo da água”. Outra medida necessária é realocar as residências em áreas sujeitas a inundação direta.