O INSS anunciou, nesta semana, o pagamento de
É mais ou menos o que apontou uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2021 - dados mais recentes disponíveis. Na época, cerca de 2,9 bilhões de reais pagos pelo INSS entre junho e dezembro
Como é possível dar esses golpes? É o que explicamos nesta reportagem especial.
Empréstimo consignado
O pedreiro Francisco*, de 71 anos, morador de Belo Horizonte, foi uma das vítimas. O idoso teve um empréstimo consignado aprovado por golpistas e chegou a ter mais de R$ 300 reais descontados da sua aposentadoria todos os meses, durante quatro anos.
Francisco se aposentou em 2018 e tinha direito a receber um salário mínimo (R$954 à época) mensalmente. Apenas um ano depois do benefício ser concedido, em 2019, os descontos apareceram e o idoso passou a receber pouco mais de 600 reais por mês.
À Itatiaia, Francisco contou que o dinheiro não dava nem pra pagar as despesas de casa. Por isso, mesmo aposentado e com a idade avançada, precisou voltar a trabalhar.
‘Puseram seguranças para me intimidar’
Francisco conta que tentou resolver a situação em uma agência do banco que concedeu o empréstimo, mas foi maltratado pelos funcionários. “Fui ao banco e falei: ‘Eu não fiz nenhum empréstimo, nem pedi cartão’. Aí eles pegaram e me deram um boleto para pagar e ainda puseram seguranças ao meu redor para me intimidar. Eles tinham que me respeitar. Falei que era uma falta de respeito com as pessoas de mais idade. Aí vi que não tinha condições de resolver o problema sozinho”, disse.
O idoso, então, contratou uma advogada, Paola Oliveira, que entrou com ação na Justiça contra o banco para reaver o dinheiro dos descontos. No processo judicial, pediram ao juiz que determinasse ao banco que comprovasse que foi Francisco quem pediu o empréstimo. O juiz aceitou o pedido. O banco, porém, não conseguiu provar que foi Francisco quem pediu o empréstimo. A advogada explica o que aconteceu depois.
“A gente pediu para o juiz condenar o banco, já que não existia prova de que meu cliente havia solicitado, em qualquer momento, esse empréstimo. Então, a gente fez a apuração de valores e pediu o pagamento em dobro da quantia, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Além disso, pedimos uma condenação por danos morais. O juiz pediu para o banco apresentar os documentos, mas não existia nenhum contrato assinado pelo meu cliente. Então, ganhamos a ação”, disse Paola.
Vazamentos
A advogada afirma que casos como o de Francisco aparecem frequentemente em seu escritório:
Dados do INSS corroboram a visão da advogada.
De acordo com a Corregedoria-Geral do INSS só em em 2023 foram instaurados 23
‘Me sinto totalmente vulnerável’
Uma das pessoas investigadas pelo órgão é uma ex-estagiária, que trabalhava em uma agência em Esteio, no Rio Grande do Sul. A mulher foi a responsável por aposentar Maria*, de 50 anos, moradora de Belo Horizonte. O ‘detalhe’ é que Maria nunca deu entrada no processo de aposentadoria e sequer visitou a cidade de Esteio.
Segundo a apuração da Polícia Federal, a ex-estagiária acessou a conta de Maria no ‘Meu INSS’ e trocou a senha. Cinco dias depois, a investigada concluiu o processo de aposentadoria de Maria.
Apesar de legalmente aposentada, Maria nunca recebeu nenhum centavo do benefício em suas contas bancárias e acredita que
Maria só descobriu que havia sido aposentada após cair na malha fina da Receita Federal - como ela tinha se tornado beneficiária do INSS, os valores recebidos deveriam estar na sua declaração anual de Imposto de Renda, mas ela não os declarou.
Além de cair na malha final, Maria também teve um empréstimo fraudulento, no valor de R$ 85 mil, aprovado em seu nome. Dinheiro que ela não pediu e nunca viu. Após denunciar o golpe à PF, a aposentadoria foi cancelada, mas a mulher ainda está sendo cobrada pelas parcelas do empréstimo, cada uma no valor de R$2 mil.
Fui vítima. E agora, o que fazer?
O presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), Marcos Britto, explica que caso o aposentado note alguma irregularidade é preciso acionar o banco, fazer um boletim de ocorrência junto à Polícia Federal e procurar um advogado para acionar a Justiça.
Britto descreve o passo a passo dos criminosos para terem acesso aos dados das vítimas e aplicarem o golpe. “O criminoso precisa ter acesso ao sistema ‘Meu INSS’. Lá, ele pega os dados e abre uma conta em um banco no nome da vítima. Geralmente eles fazem isso em bancos digitais, que exigem menos documentos. Para abrirem a conta eles usam documentos falsos, com a foto trocada pela do golpista. Aí eles realizam o empréstimo e colocam para cair nessa conta”, esclarece o advogado.
Veja como os criminosos agem:
Apesar de especialistas em direito previdenciário afirmarem que o golpe acontece através da falsificação de documentos, que não é percebida pelos bancos, a Federação Brasileira de Bancos nega que seja possível solicitar um empréstimo apenas com essas informações.
“Atualmente, ter acesso a fotos, documentos e informações não é suficiente para que seja possível contratar um empréstimo ou abrir uma conta. As instituições financeiras têm robustos processos de identificação e segurança que impedem essa contratação sem a ciência e confirmação do contratante de todas as condições acordadas”, afirmou a instituição em nota enviada à Itatiaia.
Como evitar ser vítima?
O advogado Marcos Britto ressalta que uma das formas de se prevenir do golpe é habilitar a autenticação de dois fatores da conta Gov.br. O recurso é uma medida de segurança que adiciona uma camada extra de proteção a conta do usuário.
Com a autenticação de dois fatores habilitada, caso um criminoso tente acessar a conta da vítima, ele não precisará apenas da sua senha, mas também do código de segurança que é enviado para para o celular do cidadão. Por isso, essa medida dificulta a ação dos golpistas.
Britto também relembra que é importante manter os contatos, como celular e e-mail, atualizados no cadastro do Gov.br. A verificação em duas etapas só pode ser habilitada pelo aplicativo gov.br.
Veja o passo a passo para habilitar a autenticação de dois fatores na sua conta:
- Digite
gov.br no navegador e acesse sua conta; - No canto superior direito da tela, escolha no Menu (abaixo do seu nome) o item ‘Segurança da Conta';
- Em seguida, clique em ‘Verificação em Duas Etapas';
- Para ativar, clique em ‘Enviar Código';
- Digite o código recebido no seu aplicativo gov.br e clique no botão ‘Habilitar';
- Pronto! A verificação em duas etapas foi ativada e sua conta GOV.BR está mais segura.
Além da autenticação de dois fatores, é preciso checar eventualmente as contas do INSS e o extrato da aposentadoria em busca de irregularidades.
O que dizem as instituições
A Itatiaia procurou o INSS e a Polícia Federal para explicar as orientações às vítimas de golpes na Previdência, mas os órgãos não indicaram nenhuma fonte para falar sobre o assunto e nem enviaram nota com orientações.
INSS
Em relação ao caso de Francisco, que teve um empréstimo consignado aprovado sem sua autorização, o INSS reconhece a fraude e afirma que o caso já foi encerrado pela Justiça Federal. “O desconto foi cancelado e a instituição bancária deverá ser acionada pelo segurado para devolução dos valores descontados”, informou em nota.
O órgão ainda afirmou que bloqueou a conta do idoso para a realização de outros empréstimos. Caso ele, algum dia, queira fazer um empréstimo consignado, ele deverá pedir o desbloqueio da operação pelo ‘Meu INSS’.
Sobre o caso de Maria, o INSS afirma que já cancelou a aposentadoria da mulher, concedida de forma irregular. Ainda sobre a situação de Maria junto à Receita Federal, o INSS afirma que pediu “a regularização junto à Receita Federal já foi solicitada pelo INSS com status de prioridade”.
A quadrilha que atuou para aposentar Maria irregularmente está sendo investigada pela Polícia Federal e criminosos já foram identificados. O INSS diz que descobriu que os investigados estão envolvidos em outros casos de fraudes no órgão.
Segurança de Dados
O INSS afirma que
Já a Febraban diz que mantém equipes que atuam exclusivamente no combate à fraude documental, além de realizar treinamentos sobre o assunto rotineiramente.
“As ações tomadas para a prevenção a fraudes documentais pelas instituições financeiras vão desde a análise do documento original, conferência de assinatura e avaliação da foto com a pessoa que está na agência, até avaliações do conteúdo e do formato do documento feitos por sistemas e equipes especializadas”, informou a instituição.
A Febraban informa que, em 2019, assinou um contrato com o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dado) para aumentar a segurança do sistema bancário. Ferramentas como biometria e conferência de documentação permitem uma camada extra de proteção à população.
*A reportagem usou nomes fictícios para proteger a identidade das vítimas