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Padre Samuel Fidelis | De novo

Não há dúvidas de que somos seres no ‘tempo’ e que, por isso, compartimentar o ano em doze meses ajuda a organizar tarefas, traz uma noção de ‘processualidade’, nos ‘ilude’ com a percepção de fins e recomeços

Padre Samuel Fidelis em celebração

O ano novo é uma página em branco. Seria bom retomar os pontos de escrita. Entender 2026 como a continuação de rascunhos ajuda a compor melhor o verso, a prece, os processos... Não é que sejamos novos; o ano é novo, os desafios, possivelmente, os mesmos.

Ninguém se escandalize com o fato de que as melhores mudanças, as mais profundas, são resultado de alterações muito simples, cotidianas, comprometidas. Ainda que os projetos sejam grandes - e é preciso sonhar grande - é bom começar mudanças com ponderação, com convicção; de mansinho...

Não há dúvidas de que somos seres no “tempo” e que, por isso, compartimentar o ano em doze meses ajuda a organizar tarefas, traz uma noção de “processualidade”, nos “ilude” com a percepção de fins e recomeços. Talvez seja bom ter um certo cinismo diante do “novo”.

Talvez seja interessante pensar em Nietzsche, na vida como um “eterno retorno do mesmo”. Não se trata de pessimismo ou resignação! Não, não. É antes lucidez, pois, se sabemos que o universo não tem compromisso com nossas aspirações narcísicas, fica mais difícil nos irritarmos ou nos decepcionarmos. Se afirmamos a vida, com cada dor, cada alegria, cada pensamento... afirmamos a vida sem ressentimento diante do que quer que seja, sem equívocos.

O belo não é o que está por vir, mas o cotidiano, o que escapa ao nosso alcance e escolhemos “querer” por nós mesmos... O belo é o necessário.

A filosofia de Nietzsche, se quisermos algo mais melífluo, combina com a canção do urso Baloo: “necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais...”.

Talvez o que nos mate de fome e sede seja essa mania de querer coisas grandes, novas, exuberantes! Estamos viciados, zumbis em meio a shoppings, fazendo do feed o cemitério dos nossos melhores momentos.

Quem sabe, em 2026, não seja possível criar mais hábitos afetivos, rituais de conexão (inclusive consigo mesmo...). Quem sabe não seja tempo de mudar o olhar em relação aos outros? Dando, talvez, às pessoas simples, do cotidiano, o privilégio da atenção...

Ah, e é claro, passando de Nietzsche e Baloo, é preciso cultivar a transcendência! É evidente, independentemente de qualquer coisa (ou até crença), que nosso coração aspira pelo “alto”.

Esse “alto” não é segundo a medida humana, não é necessariamente para “cima”, mas é no sentido do que Jesus diz a Nicodemos: “ἄνωθεν” (ánōthen), que pode ser entendido como “do alto” e “de novo”. De novo, no sentido de “novamente”, mas, antes de tudo, “a partir do novo”...

Faz muito bem cultivar a espiritualidade. Ela permite renascer num sentido espiritual, conferindo um sentido autenticamente outro. Esse pode ser um bom propósito para um ano novo...

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

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