“Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa”. Esse verso faz parte de um hit do carnaval de 1972, que ganhou uma nova versão em 2021 e que ecoou nas arquibancadas da Arena MRV em 2025. “Hulk Paraíba, nós gostamos de você”,
Com uma carreira de sucesso na Europa, na Ásia e na América do Sul, o paraibano de Campina Grande, Givanildo Vieira de Sousa, é capaz de se emocionar com o futebol no auge dos 39 anos. O camisa 7 do Atlético enfrentava um jejum de 15 jogos sem marcar. Foram 75 dias, o que corresponde a dois meses e meio, sem marcar gols. Situação atípica para Hulk, maior artilheiro do Alvinegro no século XXI, com 131 tentos em 279 partidas.
Outra situação que Hulk não está acostumado é o banco de reservas, algo que tem se tornado comum sob o comando do técnico Jorge Sampaoli. O atacante ficou de fora dos titulares em seis das 14 partidas do treinador no Atlético em 2025.
Por isso, quando recebeu a bola de Junior Alonso aos 28 minutos do segundo tempo, ficou cara a cara com o goleiro e marcou o gol que cravou a classificação do Atlético à final da Copa Sul-Americana, Hulk caiu no chão e se emocionou. A emoção se estendeu para o restante das arquibancadas a ponto das mais de 40 mil pessoas no estádio ecoarem o canto “Hulk Paraíba, nós gostamos de você”.
Houve outras tentativas de apoio da torcida ao ídolo. Antes, torcedores levaram cartazes de incentivo a Hulk na partida contra o Juventude, no dia 30 de setembro, quando o camisa 7 estava suspenso após receber um cartão amarelo no banco de reservas contra o Mirassol. O atacante chegou a chorar em entrevista à impensa naquela oportunidade. Mas o atacante ficou “sem palavras” quando ouviu uma música em sua homenagem sendo cantada pela massa.
“Não tenho palavras para descrever, principalmente em um jogo como esse, semifinal de Sul-Americana, que nos leva a decidir um título tão importante para a história do clube, que é centenário e não tem esse título ainda. Não tem como não se emocionar naquele momento. Ajoelhei e agradeci a Deus”, disse Hulk após o jogo.
O que parece ser o novo hit da torcida atleticana se estendeu ao vestiário do time. Depois da partida contra o Independiente del Valle, Everson puxou o coro, que contagiou toda a delegação atleticana, e Hulk foi homenageado também por seus companheiros de equipe.
Embora a canção tenha estourado apenas em outubro de 2025, a versão atleticana de “Fio Maravilha” nasceu em agosto de 2021 após uma goleada do Atlético sobre o River Plate no Mineirão, em jogo válido pelas quartas de final da Copa Libertadores.
Hulk marcou um dos três gols atleticanos daquela partida. O tento, inclusive, foi bastante parecido com o anotado diante do Del Valle. O atacante recebeu um passe em profundidade de Jefferson Savarino e saiu na cara do goleiro. Com inteligência, o camisa 7 bateu de “cavadinha”, encobrindo o goleiro, explodindo a massa presente no Mineirão.
“A gente já sabia da grandeza do Hulk como jogador e, desde que ele veio para o Galo, eu tinha certeza que daria muito certo. Depois desse gol, resolvemos fazer essa homenagem para o Hulk. Na época, o Hulk ouviu a música, gostou, mas a torcida ainda não tinha abraçado dessa maneira igual foi agora. Foi uma surpresa bem legal”, conta Vitória Rabello, atleticana que mora em Goiânia e autora da música “Hulk Paraíba”.
A versão atleticana de “Fio Maravilha” chegou a Hulk na época em que foi criada. O atacante chegou a publicar um vídeo com ela, mencionando o nome de Vitória, na ocasião. Posteriormente, Rabello teve a oportunidade de conhecer o ídolo pessoalmente, com uso de máscara devido à pandemia.
Vitória encontrou com Hulk, Camila Ângelo (esposa) e Gilvan Vieira (pai) no hall do Mineirão em 2021. O atacante agradeceu à cantora na ocasião. Pouco tempo depois, ela foi convidada pela GaloTV, canal oficial do Atlético no YouTube, para uma ação de comemoração do título do Campeonato Brasileiro de 2021, junto de Gilvan. Desde então, houve uma relação de carinho entre o jogador e a compositora.
“Onde o Hulk me via, parava e me cumprimentava. Muito diferenciado. Desde então, todas as vezes que a gente se encontra falamos a respeito. Chegamos a fazer um vídeo comigo cantando a primeira parte e ele cantando a segunda. Ele gostou bastante desde o início. Foi bem legal a repercussão com ele”, relata Rabello.
A intenção de criar “Hulk Maravilha” era de agradar ao jogador, a torcida seria um bônus, segundo Vitória. Porém, ela chegou a conversar com a Galoucura sobre a música em uma ocasião, mas a canção só foi se tornar hit da massa anos depois.
Vitória revelou que não se lembrava mais da música nos dias de hoje e, por isso, se surpreendeu. Mas ela acredita que o canto surgiu como obra do destino e na hora certa.
“O Hulk estava precisando disso. Foi visível a emoção dele quando a torcida começou a cantar. Eu acho que a torcida também sentiu no coração. Não sei de onde surgiu o grito, se foi da Galoucura ou não. Sei que me mandaram o vídeo na hora e falaram ‘cara, está todo mundo cantando’. Foi uma loucura, eu não imaginava”, afirma.
Versão funk
A versão de Vitória ganhou uma nova cara com Mc Yuri BH & Dj PH da VP, que criaram o funk “Hulk Paraíba”, que conta com o refrão “Hulk Paraíba, nós gostamos de você". A música dos funkeiros foi lançada há dois anos e conta com 10 mil visualizações no YouTube.
O funk conta com a narração de gol de Mario Henrique Caixa, da Itatiaia, no início, e depois os seguintes versos:
“Abençoado por Deus, habilidoso por natureza,
Joga na perna do homem e finaliza com certeza
Iluminado, Hulk, nosso artilheiro
Resultado de humildade junto com muito trabalho
É o Hulk Paraíba, terror dos adversários.”
Fio Maravilha
Toda essa história nasceu em Conselheiro Pena, na região Vale do Rio Doce, há 80 anos. O mineiro João Batista de Salles é formado no Flamengo e vestiu a camisa rubro-negra de 1965 a 1973. Marcou 84 gols em 294 jogos. Um deles, anotado em 15 de janeiro de 1972, originou a música composta por Jorge Ben Jor, que se tornaria sucesso no Brasil inteiro.
Fio foi o segundo de três irmãos a atuarem pelo Flamengo, todos eles atacantes. O mais novo, Michila, e o mais velho, Germano. A origem do apelido possui duas versões: a primeira é por conta da magreza do jogador, e a segunda vem do fato das mães no interior chamarem os filhos de “fio”.
Em 1972, o Flamengo comandado por Zagallo disputou um amistoso contra o Benfica, de Portugal, no Maracanã. A equipe portuguesa, campeã nacional de forma invicta, contava com Eusébio no elenco. O estádio estava cheio, mas Fio começara o jogo no banco de reservas. Quando o técnico o colocou em campo, o improvável aconteceu: ele marcou um gol espetacular, daqueles que ficam gravados na memória da torcida.
Fio recebeu a bola na entrada da área, driblou dois zagueiros, passou pelo goleiro e empurrou a bola para o gol.
Fio Maravilha em ação pelo Flamengo em 1972
Entre os milhares de torcedores nas arquibancadas estava Jorge Ben, cantor e compositor carioca, grande fã de futebol e frequentador assíduo do Maracanã. Inspirado pela façanha daquele atacante que saíra do banco para salvar o jogo, Jorge compôs o samba “Fio Maravilha”. A canção transformou o jogador em personagem lendário: o herói improvável, o homem simples que, com um toque de genialidade, mudava o destino da partida. O refrão, entoado por torcedores e rádios de todo o país, dizia: “Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa, que a galera assim cantava: ‘Fio Maravilha, nós gostamos de você'.”
O sucesso foi instantâneo. A música se espalhou pelo Brasil e consolidou-se como um dos sambas mais populares da época. No entanto, a fama trouxe um imprevisto. Fio Maravilha entrou com um processo judicial contra Jorge Ben, alegando que o cantor havia usado seu nome sem autorização. A disputa acabou gerando grande repercussão. Durante um tempo, para evitar problemas legais, Jorge passou a cantar a música com o nome alterado para “Filho Maravilha”.
Com o passar dos anos, as mágoas se dissiparam. Fio e Jorge Ben se reconciliaram, e o jogador admitiu publicamente que se arrependera da ação. Ele reconheceu que a canção fora uma homenagem e, mais do que isso, uma das maiores razões de sua imortalidade popular. Afinal, não são muitos os jogadores que se tornam tema de uma das músicas mais conhecidas da MPB.
Depois de deixar o Flamengo, Fio passou por outros clubes brasileiros, mas sua carreira não atingiu novamente o brilho daquele momento. Mais tarde, ele se mudou para os Estados Unidos, onde trabalhou como entregador de pizzas em São Francisco, Califórnia, onde vive até hoje.