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Racismo impediu amistoso entre Brasil e Argentina, em Buenos Aires, há 105 anos

Uma manifestação racista, feita por uruguaios, impediu que a partida entre Argentina e Brasil fosse realizada em 1920 e provocou a primeira grande briga entre os históricos rivais com o racismo sendo o motivo

Maior clássico sul-americano da atualidade, o início da história do confronto entre Argentina e Brasil teve um jogo cancelado, há 105 anos, por causa do Racismo, tema que domina a América do Sul nos últimos dias por causa do posicionamento da CBF contra a Conmebol, que tem aplicado penas brandas para manifestações racistas nas partidas das competições que organiza, principalmente de clubes.

Na volta do Campeonato Sul-Americano de 1920, disputado em Viña del Mar, no Chile, entre 11 e 26 de setembro, a Seleção Brasileira, que defendia o título conquistado em casa, no ano anterior, mas que acabou ficando na terceira colocação, parou em Buenos Aires, numa viagem feita de navio. A programação era disputar um amistoso com os argentinos. Mas uma manifestação racista na imprensa local, mas feita por uruguaios, impediu que a partida fosse realizada e provocou a primeira grande briga entre os históricos rivais com o racismo sendo o motivo.

O Brasil encerrou sua participação no Sul-Americano em 25 de setembro de 1920, perdendo de 2 a 0 para a Argentina, em Viña del Mar. No dia 3 de outubro disputaria um amistoso contra os mesmos argentinos, no campo do Sportivo Barracas, em Buenos Aires, mas o confronto acabou adiado pela chuva. A nova data acertada era 6 de outubro.

Nesse período da Seleção na capital argentina, reinava a boa vizinhança, com os integrantes da deleção sendo convidados para passeio de barco no Rio Tigre, jantar e uma recepção.

No dia 6 de outubro, quando seria disputado o amistoso, chegou à delegação brasileira a edição do jornal “A Crítica” de três dias antes em que o jornalista uruguaio Palacio Zino, que esteve no Rio de Janeiro cobrindo o Sul-Americano de 1919, publicou um artigo com o título: “Monos em Buenos Aires – um saludo a los ilustres huespedes” (imagem abaixo)

O artigo, que tinha como ilustração uma charge de Taborda, outro uruguaio, em que os jogadores brasileiros apareciam como macacos, com a camisa da Seleção, era carregado de racismo e preconceitos contra os brasileiros e brasileiras, que eram tratadas como mulheres fáceis e infiéis.

O capitão do Brasil, Sisson, que era do Flamengo, iniciou um movimento para que os jogadores não entrassem em campo. E conseguiu o apoio de alguns companheiros, mas não de todos. Além disso, ele deu um tapa na cara do jornalista Palacio Zino, que no dia da partida foi ao hotel onde estava a delegação brasileira.

Sete de cada lado

O movimento de Sisson acabou impedindo que as duas seleções disputassem um amistoso oficial. Isso porque o Brasil não tinha 11 jogadores. Apenas seis atletas aceitaram encarar os argentinos naquele 6 de outubro.

Como mais de três mil ingressos tinham sido vendidos, a solução foi um confronto entre duas equipes com sete jogadores cada, sendo que o time brasileiro contou com Oswaldo Gomes, que era o chefe da delegação brasileira e esteve em campo nos dois primeiros jogos da história entre Brasil e Argentina como jogador, em 1914. Em 1920 ele seguia defendendo o Fluminense, mas foi ao Sul-Americano como cartola.

Com o goleiro Kuntz como zagueiro, o Brasil foi derrotado por 3 a 1 no Estádio do Barracas. Castelhano, do Santos, chegou a abrir o placar para a Seleção, mas Raúl Echeverría (2) e Fausto Lucarelli decretaram a virada argentina.

Palacio Zino justificou seu artigo dizendo que em 1919, quando veio ao Brasil cobrir o Sul-Americano, ele e os jogadores argentinos não foram bem tratados, principalmente pela imprensa brasileira. Além disso, garantiu que no Sul-Americano do Chile, em 1920, ele foi provocado a todo momento pelos jogadores brasileiros.

De toda forma, sua atitude se transformou numa questão diplomática. Pedro de Toledo, que era uma espécie de embaixador brasileiro em Buenos Aires pediu explicações ao governo argentino. Honório Pueyrredón, então ministro do exterior da Argentina, entrou com um processo judicial contra o jornal “A Crítica” e pediu a expulsão dos seus redatores, que eram todos uruguaios.

A delegação do Brasil voltou para casa em 8 de outubro, com dirigentes e jogadores argentinos indo ao porto se despedir dos brasileiros. Cinco dias depois, data do final da viagem, o “Jornal do Brasil” publicou um artigo com o título “Um inimigo do Brasil”.

O diário carioca falava para o público brasileiro quem era Antonio Palacio Zino, e relatava que o governo argentino, diante da repercussão do caso, ordenou que fosse feito um processo de expulsão do jornalista uruguaio.

Foi publicada uma foto de Zino com a legenda dizendo que o “retrato do famigerado jornalista era um auxilia à Polícia Marítima”.

Neste episódio em que os brasileiros foram as maiores vítimas, mas os argentinos também acabaram sendo atingidos, o racismo praticado por uruguaios acabou impedindo aquele que seria apenas o oitavo confronto entre as duas seleções mais vitoriosas da América do Sul, que se enfrentam desde 1914.

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Alexandre Simões é coordenador do Departamento de Esportes da Itatiaia e uma enciclopédia viva do futebol brasileiro
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