Um dos personagens de Fernando Sabino que mais encantam os leitores, Geraldo Viramundo agora apronta das suas em quadrinhos. “O grande mentecapto”, publicado pelo escritor mineiro em 1979, acaba de chegar às livrarias em versão adaptada por Caco Galhardo.
O menino de Rio Acima, que comia terra brincando com os irmãos e queria fazer o trem parar, vive confusões para todo canto - Mariana, Ouro Preto, Barbacena, Juiz de Fora. Um andarilho dos caminhos de Minas que leva consigo o bom humor e enfrenta truculências e covardias que permanecem como marcas do país.
A verve de Sabino, que publicou a história no fim da ditadura militar, alia leveza, solidão e mistério e vira Minas pelo avesso para descobrir o que existe além do nosso lugar. É esse traço de personalidade que combina com o traço agridoce de Caco Galhardo.
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Filho de um mineiro, o artista desenha tiras para a Folha de São Paulo desde os anos 90. Publica cartuns na revista piauí e sua personagem “Lili, a ex”, já ganhou adaptação para a tv. Galhardo é um dos responsáveis pelo movimento de levar clássicos da literatura para os quadrinhos - sua versão para Dom Quixote, de Cervantes, foi finalista do prêmio Jabuti.
Confira, a seguir, a entrevista da Itatiaia com Caco Galhardo
Como foi para você, pessoalmente, transportar as confusões de Giraldo Viramundo para os quadrinhos? É uma história que sempre te chamou a atenção?
Sou de uma geração que se iniciou na literatura com a coleção ‘Para Gostar de Ler’, de crônicas, e o texto do Fernando Sabino me marcou desde essa época. Meu pai, que é mineiro, estava sempre lendo os livros do Sabino deitado no sofá. Era seu escritor favorito e eu acabava lendo também. Então quando veio o convite do Cassiano Elek, da Record, para adaptar o Grande Mentecapto em comemoração aos 100 anos do escritor, aceitei no ato, sem pestanejar. Depois fui todo felizão contar ao meu pai que iria adaptar o Sabino, mas confesso que ele, já muito velho, não deu muita bola! Eu já tinha lido o Mentecapto na adolescência e foi um enorme prazer fazer essa releitura e descobrir tantas coisas novas. O Viramundo é o Chicó do Sabino, o Malasartes mineiro.
Quando a gente lê, imagina as cenas, o rosto dos personagens... como enxerga o trabalho de levar esse imaginário para os quadrinhos? Assim, você acaba ‘fixando’ uma imagem para o leitor.
Leitores mais jovens gostam de uma história contada em desenhos, nos traços de um quadrinista: é o barato do quadrinho. A mesma lógica se aplica quando o livro é adaptado para o cinema. Quando a obra é muito grande, as adaptações acontecem, há muito interesse artístico por aquele material. O Mentecapto já foi adaptado para o cinema, agora para os quadrinhos, novas imagens vão se formando a partir da literatura, mas não enxergo aí uma fixação de imagem que supere a imaginação do leitor. Pode acontecer, como num Harry Potter, mas o Viramundo está bem longe de uma escola para magos.
O Grande Mentecapto é um livro que sempre foi muito adotado nas escolas. A versão em quadrinhos é mais um atrativo para os alunos?
As adaptações de clássicos em quadrinhos têm uma função muito específica, que é servir como um portal para a obra original. Às vezes a pessoa está com preguiça de ler a obra toda, mas pega o quadrinho e se interessa, vira um portal para o livro. Com certeza a versão em quadrinhos é um atrativo para os alunos.
Você já fez a versão em quadrinhos para clássicos como Dom Quixote e Tio Vânia. Queria que falasse um pouco da sua relação com a literatura, o que gosta de ler?
A minha adaptação do D. Quixote em 2005, foi uma das precursoras dessa onda de adaptação de clássicos que dura até hoje. Foi adotada nas escolas e virou um best-seller, vende até hoje. Depois adaptei o segundo volume e há alguns anos me dei ao luxo de fazer uma adaptação do Tio Vânia, que é meu texto favorito de Tchekhov, uma declaração de amor de um quadrinista pelo teatro. Sou louco por literatura e teatro, deitar num sofá com um bom livro sempre me traz a sensação de que não estou desperdiçando meu tempo. Durante a pandemia, li todo o Machado e é hoje a melhor recordação que guardo daquele período. Assim como qualquer leitor, tenho meus escritores favoritos, que nem sempre são os melhores, mas aqueles que você sente que são seus irmãos, que sentem as coisas de um jeito parecido com o seu. Gosto muito de ler Nelson Rodrigues, Thomas Bernhard e Kurt Vonnegut.
Queria perguntar também sobre seu trabalho na folha e na piauí. Como o olhar crítico para os problemas e situações do cotidiano, necessário para o timing das charges na imprensa, te ajuda a aguçar trabalhos de fôlego na literatura?
Desenhar uma tira ou uma charge é um pequeno esforço diário de captar o ridículo ou o absurdo de situações que estão acontecendo naquela semana, naquele dia ou até mesmo naquele instante. É síntese pura. Já em uma adaptação de um tolete de 500 páginas, a relação é completamente outra, por várias razões, mas principalmente pelo tempo, o tempo é outro. Em uma tira, o esforço muitas vezes se resume numa piada, ou num espanto, mas em uma história longa, o barato é conseguir, através do desenho, fisgar as mesmas sensações e emoções que o texto te proporciona. Mas no geral, para fechar, acho que o trabalho diário, de formiguinha, acaba ajudando sim, sempre ajuda. Isso quando não atrapalha!