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Gilberto Gil completa 80 anos; Relembre grandes sucessos da carreira

Cantor e compositor celebra o aniversário neste domingo (26) como um dos maiores nomes da história da música brasileira

Gilberto Gil criou clássicos da música brasileira como ‘Andar Com Fé' e ‘Aquele Abraço’

Useiro e vezeiro em misturar as influências, ritmos e estilos, tropicalista por vocação e origem, baiano de nascimento e brasileiro até a espinha, Gilberto Gil é dos compositores mais ouvidos e repetidos por bocas e becos e lonas, e para isto há motivo mais do que consistente.

É que com sua geleia geral o autor de “Aquele Abraço”, “Toda Menina Baiana”, “A Paz”, e tantos, mas tantos outros sucessos sempre manteve o olhar como de cronista, não preso aos fatos, porém transformando-os – por sua concepção poética e fluida do mundo – em instrumentos de reflexão e mudança.

Talvez aí resida o segredo de Gil estar-nos tão próximo, pois, afinal, fala sobre comportamentos não a partir da moral, e, sim, arte, e não inventaram ainda melhor maneira de comunicação e contato.

“Viramundo” (baião, 1965) – Gilberto Gil e Capinam

Depois de substituir Nara Leão no aclamado espetáculo “Opinião”, Maria Bethânia participou de outra montagem de destaque. Com direção de Augusto Boal, “Arena Canta Bahia” ainda contava no elenco com os conterrâneos Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, o irmão Caetano Veloso e o carioca Jards Macalé.

Naquele palco, Bethânia deu voz pela primeira vez ao baião “Viramundo”, e apresentou ao Brasil o talento de Capinam, letrista da melodia feita por Gil. A canção é, sobretudo, um manifesto de resistência e foi regravada por Gil e Elis.

“Amor Até o Fim” (samba, 1966) – Gilberto Gil

Na década de 1960, Elis Regina foi convidada para apresentar, com Jair Rodrigues, o programa “O Fino da Bossa”, na TV Record de São Paulo. O sucesso da atração rendeu três discos que repetiram o êxito da empreitada, intitulados “Dois na Bossa”.

Ao estrear a série, Elis e Jair tornaram-se detentores do primeiro disco da música brasileira a ultrapassar a barreira de um milhão de cópias vendidas.

Num desses álbuns, a dupla interpretou “Amor Até o Fim”, samba entusiasmado de Gilberto Gil, um novato compositor baiano que, em breve, se destacaria com a Tropicália. Elis regravou a música em 1974 e também a cantou em um dueto descontraído com Gal Costa, conterrânea de Gil.

“Louvação” (canção, 1967) – Gilberto Gil e Torquato Neto

“Um poeta não se faz com versos. (...) Quem não se arrisca não pode berrar. (...) Leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi”, escreveu Torquato Neto em “Pessoal Intransferível”.

Essa inquietação traduzida em versos motivou Eduardo Ades e Marcus Fernando a filmarem o documentário “Todas as Horas do Fim”, com depoimentos de parceiros célebres de Torquato, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, com quem ele compôs “Louvação”, lançada em 1967 e regravada por gente da tarimba de Elis Regina, Jair Rodrigues, Ney Matogrosso e outros.

“A Luta Contra a Lata ou a Falência do Café” (tropicalista, 1968) – Gilberto Gil

Segundo álbum de estúdio de Gilberto Gil, lançado no histórico ano de 1968, ele foi escolhido pela revista Rolling Stone Brasil um dos 100 melhores da música brasileira de todos os tempos, no ano de 2007. Gravado com a participação de Os Mutantes, o trabalho apresenta a faixa “Domingo no Parque” e parcerias de Gil com o poeta Torquato Neto. Encerrando os trabalhos, está a tropicalista “A Luta Contra a Lata ou a Falência do Café”, que reverte eventuais expectativas de um samba-enredo, mas mantém sua história.

“Aquele Abraço” (samba de carnaval, 1969) – Gilberto Gil

Logo no início de “Aquele Abraço”, Gilberto Gil aproveita para dedicar a canção a Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso, três conterrâneos baianos, de diferentes linhagens dentro da música brasileira, mas unidos pelo amor à pátria e a busca por uma cultura nacional. Não foi por acaso que Gil fez essa dedicatória.

Autêntico samba de carnaval, com direito a marcação, breque e um coro entusiasmado, acompanhado por uma eletrizante bateria, a canção fez um sucesso tão grande que permaneceu durante dois meses em primeiro lugar nas paradas de sucesso e, até hoje, é a mais executada de Gilberto Gil. O que pouca gente sabe é que a música foi composta como uma despedida. Em 1968, um ano antes de a canção ser lançada, Gil foi preso pela ditadura militar.

“Meio-de-campo” (MPB, 1973) – Gilberto Gil

Em 1973 Gilberto Gil homenageia o jogador Afonsinho, habilidoso meia do Fluminense que tinha uma combativa postura contra a ditadura militar instaurada no Brasil desde 1964. Voltando do exílio imposto pelos militares em Londres no ano de 1972, Gil mistura, com a habitual inteligência versos que fazem referência tanto ao esporte como ao momento político vivido, além de reflexões existenciais.

Lançada com sucesso por Elis Regina no álbum “Elis”, a bordo de um instrumental de primeira, a música faz referência a outros ídolos dos gramados, como o Rei Pelé, atacante do Santos, e Tostão, do Cruzeiro, dois importantes nomes na conquista, pela Seleção Brasileira, do Tricampeonato Mundial no México três anos antes, em 1970. Também foi regravada pelo autor em seu álbum de 1973, “Cidade do Salvador”, e anos depois, com o acompanhamento de Dominguinhos.

“Barato Total” (MPB, 1974) – Gilberto Gil

A composição de Gilberto Gil foi faixa de abertura de um álbum que não foi bem recebido na época pelos fãs mais ortodoxos de Gal Costa. “Cantar” foi uma espécie de retomada da Gal discípula de João Gilberto, muito distante da cantora engajada de anos anteriores.

Além da produção de Caetano, o disco tinha na ficha técnica João Donato como autor dos arranjos sofisticados. É da lavra do compositor acreano dois dos mais belos momentos do disco: “Até Quem Sabe” e “Flor de Maracujá”. Com o tempo, “Cantar” se tornou um dos álbuns mais cultuados da carreira de Gal, e “Barato Total” se consagrou um hit.

“Pai e Mãe” (MPB, 1975) – Gilberto Gil

Em 1975, no disco “Refazenda”, Gilberto Gil lançou a música “Pai e Mãe”, inspirada em um gesto de Ney Matogrosso, que, para encerrar a relação conturbada com o pai, um dia o beijou no rosto no meio da rua. O pai de Ney ficou surpreso com a atitude, mas, dali pra frente, os dois nunca deixaram de se cumprimentar com um afetuoso beijo. Ney só regravou essa canção no ano de 2006. “Eu passei muito tempo/ Aprendendo a beijar outros homens/ Como beijo meu pai…”. Gilberto Gil é pai dos também músicos Bem, Nara e Preta Gil.

“Esotérico” (MPB, 1976) – Gilberto Gil

Em 1976, Maria Bethânia sugeriu que ela, Gal, Caetano e Gil fizessem um show juntos para comemorar os dez anos de carreira. Assim se criou os Doces Bárbaros, projeto que reuniu o quarteto baiano e culminou em disco. O dueto de Gal e Bethânia em “Esotérico”, música de Gilberto Gil, é um dos pontos altos do espetáculo que foi gravado ao vivo e lançado em LP duplo.

A música é um exemplo bem-acabado da habilidade de Gil de combinar sensibilidade astrológica com uma poesia que não perde o mistério de vista. “Se eu sou algo incompreensível/ Meu Deus é mais”, afirma um verso antológico desta canção.

“Cálice” (MPB, 1978) – Chico Buarque e Gilberto Gil

O tema religioso perpassa toda a estrutura da música “Cálice”. Composta numa Sexta-Feira da Paixão, a lembrança do martírio de Cristo inspirou Gilberto Gil a identificá-lo com a situação vivida pelos brasileiros no auge da ditadura militar no país. A melodia, também de memória sacra, acompanha os versos que falam da “bebida amarga”, a “força bruta”, o “monstro da lagoa” e “o grito desumano”, entre outros.

Todas essas imagens fortes seriam, ainda, coroadas com o refrão que mistura o sentido das palavras “cálice” e “cale-se” através do som. A figura imponente de “um pai que destrói as individualidades” fez com que Gilberto Gil jamais regravasse a canção após a tentativa, censurada pelo regime, de apresentá-la em show ao lado de Chico Buarque, no ano de 1973. A música só foi gravada em 1978.

“Super-Homem, A Canção” (MPB, 1979) – Gilberto Gil

Em 1979, após a trilogia iniciada com “Refazenda”, e que seguiu com “Refavela” e “Refestança”, esta ao lado de Rita Lee, Gilberto Gil lançou o álbum “Realce”, um dos de maior destaque de toda a sua trajetória. Novamente o compositor aborda de maneira sensível o universo que se tangencia por mulheres e homens.

Eliminado a linha imaginária que se consolidou por moral e costumes, Gil afirma sobre a canção: “todo homem é mulher e toda mulher é homem”. A inspiração para a música veio após o parceiro Caetano Veloso chegar entusiasmado para lhe contar a história do filme do “Super-Homem” que acabara de assistir no cinema. O ponto que mais impressionou Gil foi o herói “mudando o curso da história por causa da mulher”, ao tentar reverter o tempo.

“Palco” (MPB, 1980) – Gilberto Gil

Um dos temas preferidos da música brasileira, de esguelha ou indo direto ao ponto, sempre foi o corpo, de mulheres e de homens. Na maioria dos casos o corpo feminino era o motivo da admiração e do orgulho, afinal a música, tal como a sociedade, também se via sob o domínio do patriarcado.

No entanto, mesmo essa perspectiva recebeu interjeições ao longo do tempo, nas interpretações, por exemplo, de Ney Matogrosso, Angela Ro Ro, Chico Buarque e Caetano Veloso, que se colocavam, ora no lugar da mulher, outra no lugar do homem, e algumas vezes em um espaço híbrido que a arte e a liberdade proporcionam. Em 1980, Gilberto Gil decidiu incluir o bumbum de bebê nessa história, ao refletir sobre a experiência de subir ao “Palco”. Um hit!

“Estrela” (MPB, 1981) – Gilberto Gil

Com um arranjo expansivo, em ritmo de lambada, conduzida por instrumentos de sopro, o cantor Carlos Pita lançou, em 1981, a música “Estrela”, que se tornaria um clássico de Gilberto Gil, no LP “Coração de Índio”. O autor só veio a dar a sua versão para a música em 1997, e a alterou completamente, interpretando-a em ritmo de balada, com a dolência que a letra pede. O resultado foi um sucesso imediato que enterneceu corações de muitos casais apaixonados, tanto que mereceu regravações igualmente celebradas de Emílio Santiago e até da cantora Sandy.

“Drão” (MPB, 1982) – Gilberto Gil

Dedicada para Sandra Gadelha, terceira esposa de Gilberto Gil, a música “Drão” é um desses clássicos do repertório nacional que veio ao mundo em 1982. O título é uma referência ao apelido dado por Maria Bethânia a Sandra, abreviação de “Sandrão”. Regravada por Caetano Veloso, Djavan e, mais recentemente, Milton Nascimento, é uma música de amor sobre a dor da separação. “Quem poderá fazer, aquele amor morrer/ Nossa caminha dura, cama de tatame”, poetiza Gil. A música é um dos maiores sucessos do cantor.

“Andar Com Fé” (MPB, 1982) – Gilberto Gil

As músicas “Louvação” e “Procissão”, respectivamente primeira e última faixa do primeiro LP de Gilberto Gil, lançado em 1967, revelam a ligação do compositor com a espiritualidade e as manifestações religiosas que apareceriam em outros momentos marcantes de sua carreira, como em “Se Eu Quiser Falar Com Deus”. Outro caso de emblemático é o da canção “Andar Com Fé”, que se converteu em hino de determinação e esperança. A música foi lançada pelo compositor em 1982, no bem-sucedido disco “Um Banda Um”.

“Sítio do Pica-Pau Amarelo” (infantil, 1982) – Gilberto Gil

Para comemorar os 100 anos de nascimento de Monteiro Lobato, a rede Globo produziu, em 1982, o especial de TV “Pirlimpimpim”, baseado na obra infantil mais famosa do autor paulista. A faixa-título da franquia que eternizou personagens como Narizinho, Pedrinho, Tia Nastácia, Dona Benta, Visconde de Sabugosa e Cuca, ficou a cargo do baiano Gilberto Gil. Além do programa, a iniciativa rendeu um álbum que trouxe as participações de Baby do Brasil, Angela Ro Ro, Jorge Ben Jor, Moraes Moreira e Zé Ramalho.

“Tempo Rei” (MPB, 1984) – Gilberto Gil

A música “Tempo Rei”, de Gilberto Gil, traça um paralelo existencialista, entre a finitude e o que é eterno, o momento presente e o passageiro. Ela foi lançada em 1984, e começa, sem terminar, um dos mais conhecidos ditados do Brasil: “Água mole/ Pedra dura/ Tanto bate/ Que não restará/ Nem pensamento...”.

Dessa maneira, Gil filosofa de maneira simples, e contribui para popularizar questões que afetam todos nós, como a passagem do tempo e suas consequências. O próprio Gil regravaria “Tempo Rei” ao longo de sua trajetória.

“Um Trem Para as Estrelas” (MPB, 1988) – Cazuza e Gilberto Gil

Cazuza idolatrava Gilberto Gil desde antes de adentrar oficialmente o mundo da música. Na verdade, esse universo sempre esteve presente em sua vida. Filho de João Araújo, fundador e presidente da gravadora Som Livre, Cazuza se habituou a receber em sua casa nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão e toda a trupe dos Novos Baianos, como Moraes Moreira, Baby do Brasil e Pepeu Gomes.

No disco “Ideologia”, Cazuza atingiu o auge da maturidade artística, e a parceria com Gilberto Gil dá uma das provas. “Um Trem Para as Estrelas” reflete sobre a realidade social do Brasil, ao mesmo tempo em que guarda espaço para as meditações de foro íntimo de Cazuza, um poeta peculiar.

“Não Tenho Medo da Morte” (MPB, 2008) – Gilberto Gil

Todo o existencialismo de Gilberto Gil aparece condensado na letra de “Não Tenho Medo da Morte”, lançada em 2008 no álbum “Banda Larga Cordel”. O compositor tece uma comparação simples, mas salutar, acerca da diferença entre morte e morrer. “É que a morte já é depois/ Que eu deixar de respirar/ Morrer ainda é aqui/ Na vida, no sol, no ar”, reflete.

Habituado a investigar a condição humana, Gil voltaria ao tema na faixa “Prece”, de seu disco mais recente, após uma longa internação hospitalar. Não custa lembrar que, além do discurso afiado, Gil conta sempre com um violão único para nos embalar a alma.

“Refloresta” (samba, 2020) – Gilberto Gil

Em 1979, após a trilogia iniciada com “Refazenda”, e que seguiu com “Refavela” e “Refestança”, esta ao lado de Rita Lee, Gilberto Gil lançou o álbum “Realce”, um dos de maior destaque de toda a sua trajetória. Novamente o compositor aborda de maneira sensível o universo que se tangencia por mulheres e homens. Em 2020, diante de novos desafios, Gilberto Gil voltou a essa “temática”, podemos dizer assim, com o samba “Refloresta”, uma espécie de prece e apelo à preservação das florestas brasileiras. A música ganhou um videoclipe, com as participações de Bem Gil e do trio Gilsons, todos da família.