Vem chegando o verão, como já cantava Marina Lima na década de 1980, no auge do pop-rock brasileiro. A estação mais quente, e também mais sensual do país, foi cantada em verso e prosa por nossos compositores, desde os anos 1930, passando por diversos ritmos e chamando para dançar com samba, bossa e MPB. É impossível resistir e não dar um mergulho no mar dessas canções, diante do calor que elas provocam, seja no corpo, seja na alma. Certo é que o verão é uma estação cheia de ritmo, melodia e poesia. É pura delícia...!
“Uma Andorinha Não Faz Verão” (marcha, 1934) – Braguinha e Lamartine Babo
Imagine no que poderia dar o encontro dos dois maiores compositores carnavalescos do Brasil? Deu em “Uma Andorinha Não Faz Verão”. Originalmente composta por Braguinha e lançada pelo cantor Alvinho, em 1931, a marcha ganhou o reforço de Lamartine Babo, que, encantado com a primeira parte, resolveu modificar a segunda, tornando-a mais direta e simples. Lançada por Mário Reis, em 1934, renovou o seu sucesso e tornou-se um clássico instantâneo, que permaneceu animando os foliões durante muitos carnavais. O título vale-se de um conhecido ditado popular, que ecoa até hoje...
“Preconceito” (samba, 1941) – Wilson Batista e Marino Pinto
É compreensível que, num ofício predominantemente sonoro como a música, o autor da palavra não receba a mesma atenção, sobretudo, de seus intérpretes, mas também dos instrumentistas. É desse mal que sofreu Marino Pinto, carioca nascido no interior do Estado, então capital federal, embora tenha acumulado inúmeros sucessos, quase sempre sob a égide do anonimato, por ser ele jornalista e responsável pelas letras, sendo que nunca se atreveu a cantar ou tocar algum instrumento em público.
A saída prematura de cena, com apenas 48 anos de idade, ainda na década de 1960, provavelmente contribuiu ainda mais para que sua identidade se apagasse aos poucos da memória dos mais aficionados por música. Mas, em “Preconceito”, parceria com Wilson Batista, lançada em 1941, Marino analisa o desenho social do país de forma atemporal. “Você vem de um palacete/Eu nasci num barracão/Sapo namorando a lua/ Numa noite de verão/(...)Meu samba vai, diz a ela/ Que o coração não tem cor”.
“Chuvas de Verão” (samba-canção, 1949) – Fernando Lobo
Lançada em 1949, por Francisco Alves, cantor que ficou conhecido como o Rei da Voz durante a Era de Ouro do Rádio, “Chuvas de Verão” é um samba-canção de Fernando Lobo que fala sobre um amor passageiro, inebriante como as chuvas de verão. A música foi regravada por Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Noite Ilustrada e Elza Soares, confirmando a sua beleza, mas ganhou a sua versão definitiva em 1969, com a voz de Caetano Veloso. Dois anos antes, Fernando Lobo e Dorival Caymmi compuseram “Saudade”, em 1947. A música foi lançada por Orlando Silva, e regravada, em 2007, por Nana Caymmi, com o piano de Cristóvão Bastos, em “Quem Inventou o Amor”.
“Samba de Verão” (samba-bossa, 1964) – Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle
Inspirado no estilo que consagrou duplas formadas por Vinicius e Tom e Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, “Samba de Verão” foi apresentada primeiramente justamente para Menescal, que não teve dúvidas e cravou: “Vai ser um estouro!”. Ele não estava errado. A música de Marcos Valle foi lançada, ainda sem letra, pelo grupo Os Catedráticos, de Eumir Deodato.
Em 1964, recebeu letra de Paulo Sérgio Valle e a voz de Dóris Monteiro. Já Marcos Valle a registrou no LP “O Compositor e o Cantor”, o segundo da sua trajetória. Dois anos depois, este samba-bossa chegou ao sucesso em território norte-americano, graças à gravação de Walter Wanderley e seu trio. “Você viu só que amor/ Nunca vi coisa assim/ E passou nem parou/ Mas olhou só pra mim”.
“Águas de Março” (bossa nova, 1972) – Tom Jobim
Por sua sofisticação melódica, pela inteligência dos versos e agilidade da interpretação, “Águas de Março” é um ícone da canção brasileira de todos os tempos, mas, sobretudo, pelo sentimento inebriante que transmite, pela sensação de algo novo e renovador. A função das chuvas que trazem “promessa de vida no teu coração” não poderia ser representada de maneira mais feliz por Tom Jobim, autor da letra e da melodia, e Elis Regina, que, ao cantar em dueto com o maestro, contribui para dar novos contornos à canção. Escrita inicialmente num pedaço de papel de pão, pela ausência de outros recursos, “Águas de Março” anuncia, numa análise mais minuciosa, o triunfo da vida sobre a morte, a importância fertilizante das águas, da chuva, para o recomeço. “São as águas de março fechando o verão…”, afiança parte da letra.
“Noite de Um Sonho de Verão” (MPB, 1980) – Nelson Motta e Xixa Motta
Uma música de Wally Salomão e Caetano Veloso deu título ao LP de Maria Bethânia de 1980. “Talismã” se tornou o terceiro disco consecutivo da cantora baiana a superar a marca de um milhão de cópias vendidas, algo, até então, inédito na música popular brasileira. A música combina sensualidade com ímpeto de vida, sob a malha poética própria de Wally Salomão, criado sob a égide da poesia marginal, mas com uma formação pra lá de erudita e multidisciplinar. No repertório também comparece “Noite de Um Sonho de Verão”, parceria de Nelson Motta com a mãe, Xixa Motta, e cujo título inverte as palavras da famosa peça de Shakespeare, “Sonho de Uma Noite de Verão”.
“Caso Sério” (balada, 1980) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Filho de Rita e Roberto de Carvalho, o guitarrista Beto Lee acompanhava a mãe em shows desde 1995. A primeira participação foi no álbum “Acústico MTV”, lançado em 1998. Beto ainda participou de outros cincos discos lançados por Rita Lee antes de apostar em sua carreira-solo e ingressar na banda Titãs, em 2018. Toda essa relação familiar começou com o caso sério entre Rita e Roberto, expressão que virou música do casal, lançada em 1980. Pois “Caso Sério” permanece como dos maiores hits da carreira de Rita Lee. “Eu fico pensando em nós dois/ Cada um na sua/ Perdidos na cidade nua/ Empapuçados de amor/ Numa noite de verão/ Ai, que coisa boa/ À meia-luz...”.
“Canção de Verão” (balada, 1981) – Thomas Roth e Luiz Guedes
A capa psicodélica mostrava o grupo Roupa Nova atento aos sinais de seu tempo, ao lançar, em 1981, o disco que trazia, entre outras, a música “Canção de Verão”. Embebida em otimismo, a letra prenunciava uma boa-nova com a chegada da nova estação, na composição de Thomas Roth e Luiz Guedes. Sonho e esperança se encontravam em meio a um clima de otimismo e alegria. “É como um sol de verão queimando no peito/ Nasce um novo desejo em meu coração/ É uma nova canção rolando no vento/ Sinto a magia do amor na palma da mão”, destacam os versos, que ecoaram com frequência pelo Brasil...
“Uma Noite e Meia” (pop, 1987) – Renato Rocketh
A mistura de gêneros, na concepção de Marina Lima, não deve passar somente pelo modelo da beleza grega ou da vergonha alheia, vigente e indigente. Alvo de críticas contumazes e ferozes da imprensa na época em que registrou a canção “Uma Noite e Meia”, segundo ela “uma precursora do axé”, de Renato Rocketh (muito em razão da passagem “todas de bundinha de fora”), a intérprete resolveu o embate abalizada pela profissão. “A mídia atreveu-se a julgar por um critério moral. Só que a arte avista discussões estéticas, não somos nem queremos ser moralistas”, afirma a cantora carioca. O próprio Renato Rocketh participa com Marina da faixa lançada no ano 1987.
“Pleno Verão” (blues, 1989) – versão de Nelson Motta para “Summertime”
Ela se foi aos 27 anos há mais de quatro décadas, mas se é verdade que na música o tempo é fundamental, também o é que, através dela, os limites se transpõe. Ao menos no caso de Janis Joplin. Cantora de rock e blues, a norte-americana despontou, junto à geração de Jimi Hendrix e Jim Morrison, influenciada por nomes como Billie Holiday, Aretha Franklin e Etta James.
A voz rascante e os excessos dentro e fora do palco foram algumas de suas marcas, além das canções carregadas de desvios amorosos e hinos à libertação. Em 1989, Nelson Motta verteu para o português “Summertime”, cuja versão de Janis Joplin ficou clássica. Coube a Nara Leão cantar “Pleno Verão”. A música original é de George Gershwin, Ira Gershwin e de DuBose Heyward.
“O Circo” (blues, 1996) – Orlando Morais e Antônio Cícero
Maria Bethânia voltou à temática circense em 1996, com o disco “Âmbar”, um dos mais bem-sucedidos de sua carreira, que faturou, inclusive, certificado de ouro pelas milhões de cópias vendidas. No repertório, ela revisitava a clássica “Chão de Estrelas”, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, e dava voz a novidades de Adriana Calcanhotto, Chico César, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e outros. Dentro dessa seleção luminosa, também constava “O Circo”, um blues de Orlando Morais e Antônio Cícero, envolvente e íntimo como pede a voz da intérprete: “Quando a noite vem/ Um verão assim/ Abrem-se cortinas, varandas”. A música segue como uma das mais marcantes deste álbum único.
“Deixa o Verão” (MPB, 2003) – Rodrigo Amarante
Depois de um primeiro disco baseado no hard core, o grupo carioca Los Hermanos, formado por estudantes que se conheceram nos cursos da PUC, foi, pouco a pouco, virando suas atenções para a MPB, com um acento característico que os identificava e que acentuava a melancolia das letras. “Ventura”, terceiro disco da trupe, é, para muitos, o ápice dessa trajetória. Lançado em 2003, o álbum apresenta “Deixa o Verão”, um elogio à preguiça na estação mais quente do ano, feita por Rodrigo Amarante. “Deixa eu decidir se é cedo ou tarde/ Espera eu considerar/ Vê se eu vou assim chique-à-vontade/ Qual o tom do lugar”, delineiam os versos, sombreados pela voz mansa e mole.
“Será o Amor?” (balada, 2004) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti desconfia do amor, mas é tentado a se entregar a ele em “Será o Amor?”, badalada lançada pelo próprio em 2004, no disco duplo “Blues 55”. Como ensina o escritor britânico Oscar Wilde, num de seus mais conhecidos aforismos, “deve-se resistir a tudo, menos a uma tentação”. Com uma melodia inspirada e versos talhados para a ocasião, Péricles destrincha as muitas nuances desse sentimento capaz de causar revoadas e revoluções. “Será uma flor, terá jardim?/ Será quintal, terá capim?/ Fará calor, será verão?/ Ou muito frio noutra estação?/ Será canção de Ary Barroso?/ Ou um refrão burro e meloso?”. A canção foi regravada por Juliana Kehl no disco “Mulheres de Péricles: As Canções de Péricles Cavalcanti”, que o homenageou em 2013.
“Musa do Verão” (pop, 2004) – César Lemos e Karla Aponte
Uma seleção de músicas brasileiras sobre o verão não pode deixar de fora o hit que apresentou Felipe Dylon à cultura brasileira. Baseada no estilo de surfista, com os bons ares trazidos pelo reggae e uma pitada de leveza indispensável a música pop, “Musa do Verão”, de César Lemos e Karla Aponte, foi lançada em 2004, na trilha da novela infanto-juvenil “Malhação”, e colocou o intérprete Felipe Dylon no topo da parada de sucessos. O refrão rapidamente colou nos ouvidos dos jovens brasileiros, que o acompanhavam pelo rádio e na televisão.
“Noites de Um Verão Qualquer” (pop-rock, 2008) – Samuel Rosa e César Maurício
A receita pop que rendeu ao Skank hits do porte de “Garota Nacional”, “Jackie Tequila”, “Saideira”, “É Uma Partida de Futebol”, “Esmola”, “Vou Deixar”, e tantos outros, colocando a banda no topo do pop-rock nacional surgido na década de 1990, é reciclada em “Noites de Um Verão Qualquer”. A balada, parceria de Samuel Rosa e César Maurício, foi lançada em 2008, no álbum “Estandarte”, e retoma o tema do encontro amoroso, a partir da leveza conhecida pelo grupo. E a letra, claro, faz alusão à nossa estação mais quente.
“Caso de Verão” (pop, 2012) – Paula Toller e George Israel
Ao comemorar 30 anos de carreira, o grupo Kid Abelha brindou o público com uma canção inédita. “Caso de Verão”, também conhecida como “O Amorzinho”, entra no clima quente e sensual da estação do ano que pede um banho de amor e parece propícia a amores fugazes, como sustenta a letra, plena de sensualidade. Paula Toller colabora, com sua voz melodiosa, para adensar a sensação de romantismo sexy presente nesta canção. Pouco depois, o Kid Abelha dissolveu-se, permitindo que os integrantes investissem em voos solo...
“Forçar o Verão” (MPB, 2019) – Céu
Olhando para o Brasil e para o mundo, Céu confessa que considera o panorama “assustador”. A cantora trata do tema em “Forçar o Verão”. “Ouviram do Ipiranga/ Quem foi que ouviu, eu não vi/ Estava à sombra de um coqueiro/ No céu azul anil/ E o tempo fechou/ E ninguém viu/ Derrubando a rima/ Fez-se então frio no Brasil”, dizem os versos. “Me pego interessada pelo que acontece ao meu redor. É impossível fazer uma arte alheia à realidade, a não ser que você produza uma música de entretenimento, que também pode ser maravilhosa, mas, nós, como pessoas e artistas sensíveis, somos tocados pelo ambiente social”, afiança Céu, que se tornou uma das maiores de sua geração.
“Ombrim” (pop, 2019) – Marina Sena
Molhados por uma das belas cachoeiras de Milho Verde, no interior de Minas Gerais, Marina Sena, Luiz Gabriel Lopes, Mariana Cavanellas e Marcelo Tofani criaram, juntos, a primeira música da banda Rosa Neon. Era “Estrela do Mar”. A ela se seguiram outros sucessos, como, por exemplo, “Ombrim”, de autoria de Marina Sena. Ela mesma se tornou sensação de última hora da música brasileira. Assim como as outras canções do Rosa Neon, “Ombrim” ganhou um videoclipe que, a exemplo da letra, destaca o aspecto lânguido e libertário do verão, a estação mais sensual da paisagem brasileira. A música ganhou uma regravação da cantora Duda Beat, reafirmando o seu caráter de chiclete-pop...