As primeiras imagens de “Os Ossos da Saudade”, novo documentário do mineiro Marcos Pimentel, que estreia nesta terça (20) na Mostra Cine BH, nos levam para o fundo do mar. Logo sabemos que serão usadas como metáforas do que há de mais profundo na memória.
Ironicamente, tanto as ruínas das superfícies quanto a presença das personagens se revelam mais impactantes e comoventes do que essa pretensa profundidade. Fato é que o filme tem o seu ritmo próprio de engrenar.
Lentamente, com longos planos estáticos, somos introduzidos a histórias que se conectam através de memórias e da lembrança. Rodrigo, brasileiro morando em Lisboa, é quem dá o pontapé inicial na história.
O que há em comum, além do fato de serem imigrantes, é a língua portuguesa que une Brasil, África e Portugal. Essa língua que muitas vezes se viu exilada num mundo em que está longe de ser dominante, como já constatou o cineasta português Manoel de Oliveira (1908-2015) no longa “Um Filme Falado”, de 2003.
Sem preocupação em dar o mesmo peso e espaço a cada personagem, as histórias se impõe segundo sua própria força, o que é um mérito do documentário. Pimentel se concentra na essência: quando a função ou o ofício contam para a história, ela será revelada, caso contrário, não há necessidade. Cabo Verde surge para falar de Deus, já uma viúva de Guiné ruma até o Brasil.
Desta forma, naturalmente, há a presença das artes, na vida de uma dançarina angola, na intersecção que a capoeira promove para uma paraense que migrou a Moçambique e na literatura que conduz uma mineira de Teófilo Otoni à mesma Moçambique, a fim de estudar a produção acadêmica e literária dos africanos.
Lá, ela se sente em casa, a partir de uma identificação com seus pares, algo que no Brasil não ocorre, a despeito de sua população ser majoritariamente negra. A publicidade e os círculos da chamada elite intelectual em Moçambique são dominados por negros. Mas esse sentir-se em casa é sempre fugidio, contraditório, afinal de contas, todos, de alguma forma, estão exilados, fora do país de origem, são vistos como estrangeiros até pelos outros.
Mas o que interessa ao filme é esse olhar para dentro, mais do que o externo. Traumas como a perda de um ente querido, a distância lancinante da família, e, principalmente, talvez essa distância entre sonho e realidade, perspectiva e consumação, deixando todos na iminência que provoca a saudade, esse sentimento que mistura e transforma as sensações de acordo com nosso estado de espírito, sempre embebido em uma espécie de melancolia.
Os depoimentos contribuem para adensar a substância do filme. A câmera está sempre bem posicionada, e capta imagens que, para além delas mesmas, invocam sensações. Pois, embora factual, o documentário consegue manter o aspecto subjetivo dos relatos, ampliando a capacidade de falar para todos nós.
Serviço.
O quê. Abertura da Mostra Cine BH com o filme “Os Ossos da Saudade”
Quando. Nesta terça (20), às 20h; disponível na plataforma Olhar Play a partir de quinta (22)
Onde. Cine Teatro Theatro Brasil Vallourec (av. Amazonas, 315, Centro)
Quanto. Gratuito