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Primeiro disco-solo de Caetano definia princípios da Tropicália com clássicos

Lançado em 1968, álbum fundamental trouxe sucessos como ‘Alegria, Alegria’, ‘Superbacana’ e ‘Soy Loco por Ti, América’

Caetano Veloso mexeu com as estruturas da música brasileira ao estrear voo solo em 1968

Se 1968 foi “o ano que não terminou”, para Caetano Veloso ele inaugurou o período de quando tudo efetivamente começou em sua jornada tropicalista na música brasileira. Um ano antes, o artista baiano dividiu um álbum com a conterrânea Gal Costa, fortemente marcado pela bossa nova. Já no disco que trazia “apenas” seu nome na capa, circundado por Eva entre cobras, bananas e dragões, o movimento de revolução era anunciado logo na primeira faixa.

“Tropicália” determinava: “Eu organizo o movimento/ Eu oriento o Carnaval/ Eu inauguro o monumento no planalto central do país”, com direito a récita do produtor Manoel Barenbein. Na sequência, Caetano atacava de “Clarice”, delicada parceria com Capinam. Destacavam-se no álbum os arranjos inventivos de Júlio Medaglia, Damiano Cozzella e Sandino Hohagen, como no caso de “No Dia Em Que Eu Vim-Me Embora”, composição de Caetano e Gilberto Gil, artífices do movimento.

“Alegria, Alegria”, apresentada no Festival de Música Brasileira da TV Record, em 1967, cativara o público com seu discurso sinuoso e ligeiro, desconstruindo a narrativa tradicional das canções. “Onde Andarás” era um bolero com Ferreira Gullar, ao feitio de Maria Bethânia. “Anunciação”, com Rogério Duarte, se voltava aos recônditos da religiosidade, sem deixar de subvertê-la, muito pelo contrário.

“Superbacana” não escondia a vocação radiofônica, com seu astral elevado. “Paisagem Útil” surgia como espécie de provocação a “Inútil Paisagem”, estandarte de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira regravado mundo afora, dando mostras da irreverente personalidade de Caetano. Já o grande trunfo de “Clara” era o dueto com Gal. Em “Soy Loco Por Ti, América”, o anfitrião investia na faceta de intérprete, ao dar voz à exultante canção de Gil, Capinam e Torquato Neto.

“Ave Maria”, cantada em latim, retornava à influência da fé em Santo Amaro da Purificação. Para encerrar, com ecos de repente, Caetano lançava os versos de “Eles”, feita com Gil, enquanto o mundo assistia espantado aos assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy, aos protestos estudantis que marcaram o “Maio de 68” na França, à implantação do AI-5, o ato mais duro da ditadura no Brasil, que instituiu a censura prévia e intensificou as torturas, e, claro, à estreia tropicalista de Caetano Veloso, que estava só começando a sua revolução.