Ela já foi Consuelo, do Brasil e até de Jesus e, aos 70 anos de idade, a menina ainda dança. Baby do Brasil nasceu Bernadete Dinorah de Carvalho, mas ela acabou rebatizada pelos astros da música brasileira como uma das nossas maiores e mais ecléticas cantoras.
Popstora, como ela se define na mistura de popstar e pastora, Baby iniciou sua trajetória estelar e telúrica quando conheceu a trupe dos Novos Baianos, após fugir de casa, no Rio de Janeiro, com 17 anos, deixando apenas uma carta para os pais e rumando a Salvador cheia de esperanças e desapego na bagagem. Era o primeiro recado de Deus em sua vida, ela diria mais tarde.
O ano era 1969 e, no auge do movimento hippie, ela se juntou a Moraes Moreira, Galvão, Paulinho Boca de Cantor e, principalmente Pepeu Gomes, com quem se casou e teve seis filhos, para criar os Novos Baianos que, além de grupo musical, era também uma comunidade onde tudo era dividido. Fraldas de bebês se misturavam a acordes musicais que formavam a obra da turma.
Em 1972, o disco “Acabou Chorare”, com forte influência de João Gilberto e Jimi Hendrix, colocou a banda no topo da música brasileira, sendo eleito, mais tarde, um dos mais importantes de todos os tempos, graças a clássicos incontornáveis, como “A Menina Dança”, “Tinindo Trincando”, “Preta Pretinha”, “Besta É Tu”, dentre outros, onde a voz de Baby alcançava espaços celestiais.
Após quase dez discos e muito sucesso com a banda, Baby decidiu investir em sua carreira-solo, com o álbum “O Que Vier Eu Traço”, de 1978, que superou as 400 mil cópias vendidas e reforçou o talento da intérprete para encarar choros de grande complexidade, destacando o seu domínio do ritmo e a capacidade de emocionar ao soltar a voz.
O maior sucesso de sua carreira individual veio com “Canceriana Telúrica”, disco de 1981 que vendeu mais de um milhão de cópias. Ali, ela já demonstrava a íntima ligação com o mundo espiritual que se tornaria cada vez mais forte em sua vida. Entre os maiores sucessos de sua carreira, estão “Sem Pecado e Sem Juízo”, parceria com Pepeu Gomes, “Todo Dia Era Dia de Índio”, de Jorge Benjor, e “Menino do Rio”, de Caetano Veloso.
Nesse ano de 2022, para comemorar os 70 anos, Baby prepara uma turnê com o ex-marido Pepeu Gomes, que também se tornou um setentão no ano passado, intitulada “140 Graus”, em referência à somatória das idades de ambos. Cada vez mais espiritualizada, e ainda conservando a rebeldia dos anos hippies, Baby segue com seus cabelos roxos e roupas coloridas no caminho sagrado da música brasileira como uma voz de outro planeta.
“Brasil Pandeiro” (samba, 1941) – Assis Valente
Acarajé, cuscuz e abará, todos esses pratos preparados com o molho da baiana, fazem com que o Tio Sam do samba de Assis Valente não resista ao sabor da comida e do samba brasileiro.
Composto em 1941, “Brasil Pandeiro” dedica seus versos a cantar as delícias do país, como seu samba, seu terreiro, sua gente bronzeada e sua rica culinária, que desperta até o interesse dos distantes norte-americanos.
A música havia sido feita para Carmen Miranda, espécie de amor platônico de Assis Valente, que acabou recusando, supostamente por possuir versos que exaltavam a ela própria. Por conta disso, foi lançada pelos Anjos do Inferno, e, mais tarde, renovada na interpretação dos Novos Baianos, em 1972.
“Eu sou Baby Consuelo” (MPB, 1978) – Galvão, Moraes Moreira e Pepeu Gomes
A deusa do amor é a grande homenageada da música “Planeta Vênus”, em que Afrodite é mencionada com sua nomeação romana. A música de Pepeu Gomes e Baby do Brasil também inclui na parceria a filha do casal, Riroca, então uma criança de nove anos que, mais tarde, trocou seu nome para Sarah Sheeva e hoje atua como pastora. Antes, Baby foi a homenageada pelos seus antigos companheiros de Novos Baianos quando resolveu deixar o grupo, em 1978, mostrando que o clima de amizade continuava, com a icônica “Eu Sou Baby Consuelo”, de Galvão, Moraes Moreira e Pepeu Gomes.
“Menino do Rio” (MPB, 1979) – Caetano Veloso
Em 1979, Caetano Veloso foi o primeiro artista brasileiro a compor uma canção inspirado em um muso: “Menino do Rio” falava da admiração do cantor pelos dotes físicos de um surfista, José Antônio Machado, conhecido como Petit, que fazia sucesso na praia de Ipanema.
Ao longo da carreira, Caetano se fartou de interpretar canções a partir do eu-lírico feminino, como “Esse Cara”, regravada por Maria Bethânia e Cazuza. “Menino do Rio” foi regravada por Baby do Brasil em 1980, e lançada com um clipe gravado na praia, se tornando um dos maiores sucessos da carreira dessa cantora cósmica, alto-astral e irreverente.
“Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira” (samba, 1979) – Moraes Moreira e Pepeu Gomes
Numa entrevista ao jornal “O Globo”, em fevereiro de 1976, Moraes Moreira declarou: “Sabe, no fundo eu sou só um sambista baiano. Samba baiano é diferente do carioca, é outra coisa. O carioca é lindo, mas tende para a melancolia, muitas vezes, O samba baiano é alegre, pra cima”. Em 1979, Moraes lançou “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira”, parceria com Pepeu Gomes inspirada em uma frase de João Gilberto. A música foi regravada por Baby Consuelo, antiga companheira dos tempos de Novos Baianos.
“Todo Dia Era Dia de Índio” (samba-rock, 1981) – Jorge Ben Jor
Um dos principais estouros da carreira-solo da exuberante Baby do Brasil foi a música “Todo dia era dia de índio”, inicialmente intitulada “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar”, mas cujo refrão se fez mais forte e teve novo batismo na boca do povo. Composta por Jorge Benjor, e lançada em 1981, esse samba rock possui todos os elementos típicos da música do carioca que começou a carreira no famoso “Beco das Garrafas”. Porém, alia à marcante batida do violão e à simplicidade dos versos, a temática socioambiental, denunciando a violência contra os índios e a natureza que eles tanto cultivam.
“Sem Pecado e Sem Juízo” (MPB, 1985) – Pepeu Gomes e Baby do Brasil
Desde que o mundo é mundo Baby já foi Consuelo, do Brasil e até de Jesus, mas o que nunca mudou foi a sua postura livre e ousada frente às expectativas. Além da irreverência gestual e de figurino, tanto no palco quanto por outras plagas – desde os tempos hippies dos Novos Baianos –, a cantora manteve a voz límpida e de largo alcance a serviço de músicas que contemplam a liberdade e o amor. E para isso não há limites. O que importa é se libertar, e para isto a música e Baby, com o deslumbre de seu canto, cumprem à risca o papel: com tinta roxa, cósmica e até evanescente. Em 1985, ela lançou “Sem Pecado e Sem Juízo”, outro hit, e parceria com Pepeu Gomes.
“Assanhado” (samba-choro, 1961) – Jacob do Bandolim
Jacob Pick Bittencourt, conhecido como Jacob do Bandolim, legou verdadeiros clássicos do choro para a música brasileira. “Jacob toca Jacob, os outros tocam bandolim”, definiu o arranjador Radamés Gnatalli. Discípulo de Ernesto Nazareth e Pixinguinha, Jacob é, segundo o coro de entendedores do gênero como Sérgio Cabral e Henrique Cazes, “o maior instrumentista que o Brasil já teve”. Suas músicas foram gravadas por Ademilde Fonseca, Elizeth Cardoso, Zimbo Trio e outros artistas de peso, como, por exemplo, Baby do Brasil. Em 1979, a cantora regravou “Assanhado”, samba-choro lançado por Jacob em 1961.
“Cachorro Vira-Lata” (samba-choro, 1937) – Alberto Ribeiro
Em 1950, após a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo que ficou conhecida como Maracanazo, o escritor Nelson Rodrigues cunhou a expressão “complexo de vira-lata”, para se referir à falta de confiança do brasileiro que passou a atormentar a população. O cachorro vira-lata, símbolo da mestiçagem nacional, já havia inspirado uma música de Alberto Ribeiro, lançada com enorme sucesso por Carmen Miranda em 1937. O samba-choro mereceu regravação de Baby do Brasil, para a novela “Vira-Lata”, da TV Globo.
“Brasileirinho” (choro, 1949) – Waldir Azevedo e Pereira da Costa
“Brasileirinho” ocupa o primeiro lugar no ranking dos choros mais conhecidos do mundo. Composto em 1949, e cuja primeira parte mantém-se, praticamente, em uma corda, é tido como o primeiro choro de Waldir Azevedo. A música nasceu por sugestão de seu sobrinho de 10 anos. Brincando com um cavaquinho que só tinha uma corda, o garoto pediu-lhe que fizesse uma música que pudesse tocar, nascendo daí, em 1947, a primeira parte do choro.
Contratado pela Continental, Waldir Azevedo estreou com “Brasileirinho”, que rapidamente alcançou um grande sucesso, sendo escolhida para fundo musical da propaganda de diversos candidatos em campanha eleitoral na ocasião. Na esteira do sucesso, Ademilde Fonseca gravou-o em 1950, com letra de Pereira Costa, acompanhada pelo próprio Azevedo. Daí em diante, “Brasileirinho” seria regravado por dezenas de artistas no Brasil, incluindo Baby do Brasil, em 1997.
“Emília, a Boneca Gente” (infantil, 1982) – Baby do Brasil e Pepeu Gomes
Para comemorar os 100 anos de nascimento de Monteiro Lobato, a rede Globo produziu, em 1982, o especial de TV “Pirlimpimpim”, baseado na obra infantil mais famosa do autor paulista. A faixa-título da franquia que eternizou personagens como Narizinho, Pedrinho, Tia Nastácia, Dona Benta, Visconde de Sabugosa e Cuca, ficou a cargo do baiano Gilberto Gil. Além do programa, a iniciativa rendeu um álbum que trouxe as participações de Angela Ro Ro, Jorge Ben Jor, Moraes Moreira e Zé Ramalho. Baby do Brasil e Pepeu Gomes compuseram “Emília, a Boneca Gente”, uma das canções de maior sucesso.