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Dia Mundial do Rock: Relembre dez clássicos da música brasileira

Apesar de importado, o gênero alcançou grande sucesso no Brasil com versões de Erasmo Carlos, Roberto Carlos e Leo Jaime

Cássia Eller se apresenta no Rock in Rio, em 2001, em show que marcou várias gerações

Imagine um evento com Mick Jagger, Paul McCartney, David Bowie, Elton John, Queen, Led Zeppelin, B. B. King, Madonna, Eric Clapton, Black Sabbath e The Who. Essa reunião de gigantes da música mundial aconteceu no dia 13 de julho de 1985, em Londres e nos Estados Unidos, em um evento que ficou conhecido como Live Aid, que chamou a atenção do mundo para a fome na Etiópia e angariou milhares de doações para as pessoas necessitadas.

Durante os anos 1990, o dia 13 de julho passou a ser relembrado por locutores de duas rádios paulistas dedicadas ao rock, e logo caiu no gosto popular. A data passou a ser conhecida como “Dia Mundial do Rock”. A ironia é que, apesar do nome, ela só é comemorada no Brasil. Por isso, aproveitamos a ocasião para relembrar dez sucessos do rock, mas da nossa música brasileira.

“Nasci para Chorar” (rock, 1964) – Dion DiMucci em versão de Erasmo Carlos

Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford acusou e processou o Rei da música brasileira por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford.

O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960. No mesmo álbum que trazia o hit, Erasmo assinava versão de “Nasci para Chorar”, rock de Dion DiMucci regravado por Cássia Eller.

“Quero Que Vá Tudo Pro Inferno” (rock, 1965) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Nara Leão foi a primeira artista a dedicar um álbum inteiro à obra de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, quando artistas da MPB torciam o nariz para a dupla da Jovem Guarda. O que Nara não esperava é que depois ela teria problemas com isso.

Batizado de “…E Que Tudo Mais Vá Pro Inferno”, verso retirado de “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, rock de Roberto e Erasmo que se tornou o maior sucesso de 1965, o disco teve o título censurado pelo Rei, que passou a renegar a música por conta de sua conversão religiosa, que se tornou cada vez mais fanática. O disco de Nara fez tanto sucesso que teve até uma versão em castelhano, lançada no mercado latino. Apesar das polêmicas, ficou na história.

“Pare o Casamento!” (rock, 1966) – Kenny Young e Arthur Resnick em versão de Luiz Keller

Mineira de Governador Valadares, criada no Rio de Janeiro, Wanderléa já era a grande vedete da Jovem Guarda, movimento que incluiu a juventude no cenário da canção nacional, quando, em 1966, lançou o seu quarto LP, “A Ternura de Wanderléa”, que fazia referência ao apelido que ela ganhara comandando um programa de TV ao lado de Roberto Carlos e Erasmo Carlos na TV Record: “Ternurinha”.

Habituada a gravar versões de sucessos para rocks norte-americanos, a cantora voltou a apostar no gênero e obteve êxito. “Para o Casamento!”, versão de Luiz Keller para rock de Kenny Young e Arthur Resnick, parodiava uma inusitada situação sobre a qual as cenas de casamentos em filmes costumam alertar: “Fale agora, ou cale-se para sempre”.

“Sou Uma Criança, Não Entendo Nada” (rock, 1974) – Erasmo Carlos e Giuseppe Artidoro Ghiaroni

Em 1974, Erasmo Carlos compôs, com o poeta e jornalista Giuseppe Artidoro Ghiaroni, mais um dentre os inúmeros sucessos da Jovem Guarda. “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, lançada por Erasmo, e depois regravada em parceria com Arnaldo Antunes e mais tarde por Lulu Santos, se vale de um perspicaz jogo de palavras e situações para pôr em xeque as condições pré-estabelecidas do adulto e da criança.

Na composição, Erasmo e Ghiaroni expõem a ânsia da criança em se tornar adulto, e, na sequência, a nostalgia desse mesmo adulto em relação à sua infância, quando “por dentro com a alma atarantada/ sou uma criança, não entendo nada”, reafirmam nos versos finais da canção, também gravada pela banda gaúcha Cachorro Grande e pelo compositor carioca Oswaldo Montenegro, entre outros.

“Sociedade Alternativa” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho

Em 1974, Raul Seixas e Paulo Coelho pretenderam criar uma “Sociedade Alternativa”, espécie de retiro hippie que seria erguido em uma cidade de Minas Gerais, baseada nos preceitos do bruxo Aleister Crowley, onde eles construíram a autodenominada por eles, “Cidade das Estrelas”. Os princípios eles transforaram em letra de música, lançada por Raul no mesmo ano de 1974.

“Se eu quero e você quer/ Tomar banho de chapéu/ Ou esperar Papai Noel/ Ou discutir Carlos Gardel/ Então vá!/ Faça o que tu queres, pois é tudo da lei!”. A ideia de liberdade, infelizmente, terminou em quiproquó. Raul e Paulo Coelho foram presos, torturados e exilados pela ditadura militar brasileira.

“Esse Tal de Roque Enrow” (rock, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho

Em 1975, no disco “Fruto Proibido”, Rita Lee lançou a música “Esse Tal de Roque Enrow”, parceria com Paulo Coelho. A música transforma o gênero musical que modificou gerações em personagem. Ligado à juventude transviada que James Dean incorporou tão bem em seu filme, o tal de Roque Enrow parece estar virando a cabeça de uma “menina de família”, nesse embate de gerações que se acentuou durante a década de 1970. “Ela nem vem mais pra casa, doutor, ela odeia meus vestidos/ Minha filha é um caso sério, doutor/ Ela agora está vivendo com esse tal de Roque Enrow”, diz a mãe.

“Hot Dog” (rock, 1984) – Leiber e Stoller em versão de Leo Jaime

Cazuza e Leo Jaime sempre foram amigos de longa data. Foi Leo, inclusive, que indicou Cazuza para ser vocalista da banda Barão Vermelho, recusando ele mesmo o posto por considerar o estilo “pesado demais”, já que estava mais ligado ao rockabilly do grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.

Para compensar o fato de nunca terem composto uma canção juntos, exceção feita à debochada e brincalhona “me chamam pobre, mas meu nome é pobreza”, jamais registrada em disco; os dois celebraram a amizade nesta versão de Leo para “Hot Dock”, com a participação de Wanderley, o cachorro de Cazuza. A música também foi gravada por Angela Ro Ro.

“O Rock Errou” (rock, 1986) – Lobão e Bernardo Vilhena

“Não acredito em mais ninguém. Estou cansado de votar no menos pior e ele ser tão ruim quanto todos os outros. A partir de agora, serei sempre oposição. Sou do rock”, declara Lobão, que viu o espírito de “O Rock Errou”, parceria com Bernardo Vilhena de 1986, que atacava os políticos de direita Ronald Reagan e Margaret Thatcher e também o Papa e o Vaticano ser renovado.

A música foi lançada no álbum em que Lobão aparece na capa com Daniele Daumerie, então sua esposa, vestido de padre, enquanto ela está nua. Como sempre, o roqueiro provocava a moral e os bons costumes dos brasileirinhos...

“Índios” (rock, 1986) – Renato Russo

O ano de 1987 foi profícuo em canções com referência à política brasileira. Nenhuma delas elogiosa. Um dos que estendeu a bandeira com maior propriedade e relevância foi o compositor e vocalista da Legião Urbana, Renato Russo. O protesto tornou-se tão simbólico que é hoje praticamente um ditado popular: “Que País É Este?”.

A música aborda, de forma direta, episódios de corrupção e violência na política brasileira, e ainda chama a responsabilidade a todos, antes de chegar ao início do processo que teria se dado logo na “apropriação” do país pelos portugueses, quando o autor clama aos que aqui estiveram primeiro. “Quando vendermos todas as almas/Dos nossos índios num leilão”. Um ano antes, Renato compôs “Índios”, noutro alerta sobre o tema.

“O Tempo Não Para” (rock, 1988) – Cazuza e Arnaldo Brandão

Todas as músicas do espetáculo de lançamento do álbum “Ideologia” já estavam definidas quando Cazuza apresentou a Ney Matogrosso uma novidade. O antigo vocalista do grupo Secos e Molhados era o responsável pela direção, iluminação e cenografia do show. Amigos de longa data, Cazuza e Ney haviam sido namorados em meados da década de 1970.

Ao se deparar com a letra arrebatadora de “O Tempo Não Para”, Ney não teve dúvidas de que a música daria nome à turnê. Parceria com Arnaldo Brandão, “O Tempo Não Para” mescla a batalha pela vida de Cazuza com as agonias de um país em constante crise. “A música é sobre essa velharia que está aí e vai passar. Vão ficar as ideias de uma nova geração”, afirmou Cazuza. Ney, Simone e Zélia Duncan a regravaram.