Se eu pedir ao mineiro nomes que fizeram história no rádio e já não estão entre nós, seguramente vão lembrar de Januário Carneiro, Osvaldo Faria, Glória Lopes e muitos outros. Mas, por trás do glamour do microfone, muita gente trabalhou duro nos últimos 71 anos para que a Itatiaia tivesse o prestígio que tem.
Neste fim de semana nos despedimos de Uara Elias Jorge, que, por mais de quatro décadas suou a camisa para que as transmissões tivessem a qualidade que é a marca da casa. “Turquinho”, como era carinhosamente chamado, foi aos mais diversos pontos de Minas, percorreu os cantos do país e ainda desfilou pela Europa, durante a Copa do Mundo na França, em 1998.
Depois de estacionar o carro, ligava todos os equipamentos, testava e entregava para os locutores brilharem. Tudo, claro, sempre a tempo e hora. Era mais frequente nas coberturas esportivas; entretanto, em eventos especiais, atuava no jornalismo.
Como todos os colegas da velha guarda, colecionei muitas histórias nas viagens com Uara. Vou contar duas. A primeira em 1990, quando bandidos se rebelaram na Penitenciária Nelson Hungria, fizeram militares reféns, fugiram em carro forte, mataram um tenente e jogaram o corpo no centro de Juiz de Fora, e se entrincheiraram numa casa da rua das Margaridas, bairro Novo Horizonte, região de chácaras. Chegamos lá, arranjei um telefone emprestado em um imóvel bem em frente ao local onde um coronel era mantido sob mira das armas. Uara fez as conexões e começamos a transmitir flashes de meia em meia hora. No dia seguinte, um oficial da Polícia Militar disse, de maneira ríspida, que era para retirar tudo porque iriam fazer daquela residência o QG das operações. Uara obedeceu, com a cara de sempre: sério, sarcástico, cruel – se necessário. A partir daí, e por 33 horas, ouvíamos toda a conversa dos oficiais e, claro, demos vários furos (notícia em primeira mão) até que um coronel descobriu: Uara entregou o telefone antes grampeado, mas fez o mesmo grampo na tomada.
Outra do Uara: fomos cobrir os 500 anos do descobrimento do Brasil em Porto Seguro. O momento mais tenso seria uma caminhada de 5 quilômetros de índios até a Praia de Coroa Vermelha, apesar da proibição da polícia. Fomos para o acampamento, pedi uma entrevista a um cacique que, no entanto, pediu um tempo. Ocupei o único telefone público, para irritação de outras pessoas, por 25, 35 minutos até que a entrevista finalmente aconteceu. E demorou uns cinco minutos, enquanto a caminhada começava. De volta ao carro, pedi a Uara para acelerar por algum atalho para que pudéssemos chegar ao local do provável confronto e quis saber porque ele olhava desconfiado para o Cacique: Respondeu: “Cê num percebeu que ele tá dando um migué, enrolou pra turma ir na frente e apanhar longe dele?”
Aconteceu o encontro, minutos de pancadaria e, enquanto eu transmitia segurava para não rir porque o Uara não parava de fazer gestos mostrando o cacique chegando, longe da briga e com ar de apressado.
Uara era uma figura diferente. Já está fazendo falta. Era bem humorado, mas fazia-se de ranzinza e durante seu velório eu disse ao Vander de Freitas, seu melhor aluno na Itatiaia: “Aposto que ele está ai, deitado, sorrindo por dentro e pensando: ‘que bando de mau caráter’”.