Está marcada para esta terça-feira (7) a audiência de instrução e julgamento de Manoel Gonçalves de Freitas Neto, de 61 anos, atual síndico do Conjunto Governador Kubitschek, em Belo Horizonte. O processo foi aberto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) o e acusa os gestores de crimes contra o patrimônio cultural. Os réus são Manoel (à época, gerente), Maria das Graças Lima, de 78 anos (então síndica), e o próprio condomínio.
A sessão ocorrerá às 9h, na 1ª Vara Criminal, no bairro Barro Preto, Região Centro-Sul da capital, sem a presença de Maria das Graças, segundo confirmou o advogado do condomínio, Faiçal Assrauy. Ela, que ocupou o cargo por mais de 40 anos, segue internada em estado grave. “Sem perspectiva de melhora”, afirmou o advogado nesta segunda-feira (6).
Na última terça-feira (30), Manoel - braço-direito da ex-gestora - foi eleito síndico em uma
Contudo, moradores contestam a legalidade do pleito. O grupo aponta irregularidades na reunião extraordinária e questiona o uso de mais de 200 procurações apresentadas por Manoel para justificar a eleição, mas não exibidas aos demais participantes.
A denúncia contra patrimônio
O que está em pauta na audiência, no entanto, não é a eleição da semana passada, mas sim um processo que tramita há pelo menos dois anos. Ele trata da preservação do patrimônio histórico do condomínio.
Um laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, de abril de 2023, apontou sérios danos causados por infiltrações na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), localizada na sobreloja do edifício.
Imagens mostram manchas de umidade, descolamento do reboco e fissuras
O relatório indicou problemas no teto, paredes, fachadas e áreas comuns, incluindo descolamento de revestimentos, manchas de umidade, rachaduras, danos ao piso de madeira original e risco para quadros e obras de arte. Além do prejuízo ao acervo, a denúncia do MPMG destaca que a umidade constante favorece a proliferação de mofo e fungos, que podem prejudicar a saúde de funcionários e visitantes.
Segundo a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico e Cultural, o condomínio se omitiu em adotar medidas de conservação, descumprindo obrigações legais e colocando em risco parte do patrimônio histórico de Belo Horizonte e de Minas Gerais.
À Itatiaia, Faiçal Assrauy, disse (em setembro) que o problema foi solucionado, mas que o período de chuva colocaria a eficácia da obra em prova.
Afastamento negado
No dia 18 de dezembro, a Justiça negou o pedido do MPMG para afastar de imediato Maria Lima e Manoel dos cargos por 120 dias. A juíza entendeu que não havia urgência ou risco iminente que justificassem a medida, mas ressaltou que o pedido poderia ser reavaliado ao longo do processo. Onze meses depois, a sessão ocorrerá.
“O que o correu no pedido de afastamento por 120 dias pelo MP, foi que o juiz não entendeu que essa medida era adequada ao caso concreto, por isso o juiz indeferiu o pedido liminar de afastamento por 120 dias sem prejuízo da remuneração. Mas pediu para a parte se manifestar sobre esse pedido. Pode ser que haja outro pedido de afastamento, mas será analisado pelo juiz por se tratar de medida excepcional”, disse.
Então, o que vai acontecer amanhã?
A audiência de instrução é uma fase do processo judicial em que o juiz reúne as partes para ouvir testemunhas de acusação e defesa, interrogar o réu e analisar provas documentais ou periciais apresentadas. Nesse momento, também podem ser feitos esclarecimentos e perguntas pelo Ministério Público e pela defesa. O objetivo é reunir elementos suficientes para que o magistrado forme sua convicção sobre os fatos e possa, ao final, dar a sentença.
“O afastamento por 120 dias não seria uma punição ou o cumprimento de pena. Seria apenas uma medida administrativa, como se fosse uma espécie de cautela, para se apurar as coisas mais de perto, sem a interferência do gestor”, explicou o advogado Bruno Costa, especialista em direito condominial. Ele ressalta que, mesmo tendo sido eleito no início da semana, Manoel Gonçalves pode ser afastado do cargo.
Caso o afastamento seja decretado, o próprio condomínio, por meio de assembleia, deve deliberar o novo responsável. “Caso o condomínio não o faça, aí o juiz pode nomear um administrador para o edifício”, disse.
Prisão e multa
O órgão pediu a condenação com base na Lei de Crimes Ambientais. As penas variam de 1 a 3 anos de prisão e multa, podendo chegar a até 6 anos, caso as infrações sejam somadas. Ainda de acordo com a denúncia, a falta de manutenção e impermeabilização causou infiltrações e danos ao prédio, atingindo inclusive documentos e obras de arte.
O MPMG também pediu que seja fixado um valor mínimo de R$ 1,1 milhão em reparação: R$ 1 milhão destinado à restauração do Edifício JK ou ao Fundo Municipal de Patrimônio Cultural, e R$ 100 mil ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), pelos danos causados.
A prisão só pode ser aplicada como pena após a sentença, e o réu só cumprirá essa determinação se for condenado e não houver mais possibilidade de recurso. “Não sairá uma sentença amanhã. O que poderia ter acontecido, se fosse o caso, era o deferimento de um pedido liminar — mas esse pedido foi negado pelo juiz. Então, será apenas uma audiência inicial e, mesmo após o resultado, ele poderá continuar no cargo para recorrer da decisão”, explicou.
Otimismo da Defesa
“Minha expectativa para a audiência é que os fatos sejam esclarecidos e que tanto o Ministério Público, quanto o Judiciário enxerguem o bom trabalho feito até então, mesmo diante de todas as dificuldades financeiras e volumetria do condomínio”, disse Faiçal Assrauy.
Em relação à Maria das Graças, o advogado explicou que vai depender do juiz. “A tendência é que o processo seja desmembrado em dois”, explicou.
Confira a linha do tempo
- 1966 – Governo de Minas doa ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) o imóvel no JK;
- 1967 – IHGMG recebe a escritura de doação em comodato, com área de 500 m² na sobreloja do JK;
- 2007 – Conselho do Patrimônio Cultural de BH abre processo de tombamento do Conjunto JK;
- 2008 – O Conjunto Praça Raul Soares/Avenida Olegário Maciel, incluindo o JK, é protegido;
- 2020 a 2024 – Apontada omissão dos responsáveis em adotar medidas de preservação, levando à deterioração do prédio;
- 2021 – DPCA faz vistoria no JK e aponta danos; Conselho aprova tombamento provisório do edifício;
- 2022 – Tombamento definitivo do Edifício JK é aprovado;
- Abril/2023 – Laudos da Polícia Civil confirmam avarias e deterioração do imóvel;
- Dezembro/2024 – Ministério Público denuncia Maria Lima das Graças, Manoel Gonçalves de Freitas Neto e o Condomínio do JK por crimes contra o patrimônio cultural; processo é distribuído para a 1ª Vara Criminal de BH;
- 18/dezembro/2024 – Juíza nega afastamento imediato dos denunciados de suas funções;
- 07/outubro/2025 – Marcada audiência de instrução e julgamento.