A morte de Anna Jacinta de São José, mais conhecida pelos brasileiros como Dona Beja, completa 151 anos neste 20 de dezembro. Na época, em 1873, ela vivia em Bagagem, hoje Estrela do Sul, cidade mineira que fica no Alto Paranaíba. Dona Beja morreu aos 73 anos, de nefrite, uma inflamação nos rins. Foi sepultada em frente à antiga Matriz e, no ano seguinte, teve seu inventário registrado e a partilha dos - muitos - bens reconhecida.
O que ela nunca teve foi uma certidão de óbito. Isso mudou há 10 dias, quando o Cartório de Registro Civil da cidade emitiu o documento. São vários campos em branco, como a hora da morte, os documentos e o nome do pai. O registro tardio de óbito só aconteceu depois de uma decisão da Justiça, após pedido do Ministério Público de Minas Gerais.
Descoberta ao acaso
“Eu estava participando de uma audiência na cidade para descobrir onde Dona Beja foi enterrada”, explica o promotor André Luís Alves de Melo, que estava à frente da Comarca de Estrela do Sul na época. No evento, contaram que Beja foi sepultada em frente à Matriz. Só que o local da sepultura foi transformado em outras construções anos depois e, na época, nenhum parente dela quis recuperar os ossos, pois ela considerada uma “mulher de segunda classe”. Com isso, sumiu o túmulo de Beja.
Conta-se que o caixão dela era de aço e que estaria enterrado sem identificação em uma área central da cidade. Na audiência, discutia-se o uso de um detector de metais em uma casa, para tentar localizar os restos mortais. Os donos da casa eram contrários. “Falaram na audiência que ela não tinha certidão de óbito. E isso me intrigou”, conta o promotor.
Buscas e decisão
O promotor enviou ofícios aos cartórios da cidade, que confirmaram a inexistência da certidão. Verificou também na região - Araxá, onde Beja viveu parte da vida, Patrocínio, mas não localizaram nada. O inventário tampouco citava o documento. “Um absurdo”, se revolta o promotor André Luís.
Na peça apresentada à Justiça, ele cita a Constituição Federal e a dignidade mínima da pessoa humana para justificar o pedido de registro tardio. O processo foi aberto em junho de 2023.
Na decisão, de 6 de março de 2024, o juiz Cássio Macedo Silva afirma que "é fato público e notório que Anna Jacinta de São José faleceu em 20/12/1873". Apoiado nos documentos e na remota (para não dizer impossível) possibilidade de Beja estar viva, ele autorizou a expedição da certidão de óbito tardia. O processo transitou em julgado no fim de abril.
A notificação ao Cartório, no entanto, só foi feita no dia 9 de dezembro de 2024, mais de nove meses depois da decisão. Perguntado sobre a razão da demora na notificação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não deu explicações.
Finalmente, no dia 10 de dezembro de 2024, a certidão foi emitida - informação confirmada pela assessoria de imprensa do Recivil (Registro Civil) de Minas Gerais.
Reprodução da Certidão de Óbito de Anna Jacinta de São José, a Dona Beja
Reconquista do Triângulo Mineiro
Anna Jacinta de São José nasceu em 02 de janeiro de 1800 na região que hoje é o município de Formiga, em Minas Gerais. Era filha de Maria Bernarda dos Santos e seu pai tem nome desconhecido. Há muitas versões para sua história e as fontes documentais deixam algumas lacunas.
Um dos episódios mais célebres atribuídos a Beja é a reconquista do Triângulo Mineiro para Minas Gerais, em 1816, quando a região era parte do estado de Goiás.
Depois do rapto, ela teria voltado a Araxá para recomeçar. Foi na cidade que sua filha, Thereza Thomázia de Jesus, foi batizada em 1819. Beja nunca se casou e ainda teve uma segunda filha, nascida em 1838. Além de mulher, era mãe solteira e analfabeta. Mesmo assim, tinha grande influência política e uma posição social importante.
Samba-enredo e novela
"É difícil encontrar mulher que tenha a decência e o dinamismo dela”, explica o promotor André Luís. “Se é que ela foi cortesã em algum momento, ela não poderia ser julgada por isso”, completa.
É que algumas versões da história de Beja afirmam que ela foi uma cortesã, uma das mais requisitadas, em seu período em Araxá. Uma chácara, fora da cidade, seria o ponto de encontro com homens da cidade, uma espécie de Bordel de Luxo.
Essa história que mistura poder, sedução e beleza se tornou nacionalmente conhecida depois que foi tema do Carnaval do Rio de Janeiro,
Alguns anos depois, Beja ganha vida por meio de