‘Se hoje dou fruto, é porque tenho raiz’. A frase, que está em uma placa de madeira afixada na entrada do bar Tunico Machado, em Caeté, diz muito sobre a história do estabelecimento, que tem 77 anos de uma tradição que passa de pai para filho na cidade da Grande BH, emoldurada pela Serra da Piedade. A história do bar raiz é contada na segunda matéria da série Comida, Boteco e os Segredos da Grande BH.
Fundado em 1946 pelo comerciante Antônio de Melo Machado, o bar passou para o filho e o neto com mesmos nomes e atualmente é tocado pelo bisneto do fundador, Otávio Augusto de Franco Machado, de 41 anos, conhecido como Tatá, e pela mãe dele, Fátima Franco Machado, 69 anos.
“Começou na praça de Caeté, perto da igreja Matriz, em 1946. Era meu bisavô e um sócio. Em 1964, resolveram abrir o restaurante aqui na parte de baixo. E nisso foi deslanchando. Meu pai trabalhava desde os 6 anos de idade, com a minha avó. Fui criado aqui. Meu primeiro passo foi dado no balcão”, diz Tatá, filho de Antônio Luiz Machado Neto, que morreu em 2016 aos 62 anos.
Leia a primeira matéria da série: Família constrói bar em barranco e atrai clientes até de outros países no Aglomerado da Serra
O bar do Tunico preserva características de décadas, como o balcão antigo, a estufa, a prateleira com cachaças e até o rolo de papel que antigamente era usado para enrolar pão. Além disso, o cardápio é variado e tem mais de 30 opções de tira-gostos, entre eles, o tradicional e campeão de vendas Tunicão.
“É um bife com fritas que vem cebola, tomate, palmito, azeitona e uma farinha especial. É uma porção robusta. Aí tem o Tuniquinho (porção menor), o Tunico (porção média) e o Tunicão, que serve até seis pessoas”, diz Tatá. O nome da porção, inclusive, foi dado por um cliente.
“Muita gente acha que só tem o Tunicão como tira-gosto, mas tem tudo: moela, língua, dobradinha, carne cozida, fígado, pastel de angu, bolinho de bacalhau, bolinho de tilápia, frango com quiabo, batata ensopada com costelinha, feijoada tem para todos dos gostos”, destaca o empresário.
O bar do Tunico Machado emprega dez pessoas, sendo três garçons e sete cozinheiras.
Pai para filho
O publicitário Fábio Caetano, de 43 anos, frequenta o bar desde adolescente e agora mantém a tradição levando o filho João, de 3 anos, ao estabelecimento. “É uma tradição que passa de pai para filho aqui em Caeté. Frequento desde 1994, quando mudei para Caeté. Meu pai me trazia aqui para almoçar e agora tô ensinando o João a gostar do boteco, porque é um lugar tradicional, familiar e raiz, diz Fábio, que considera o bar do Tunico sua segunda casa.
“Meu pai trabalhava em Belo Horizonte e eu ficava aqui praticamente o dia inteiro com a dona Fátima e com o Tunico. Então, aqui virou minha segunda casa, e considero os filhos dela como irmãos. Foi criando esse vínculo que agora não acaba”.
A professora de inglês Lucimar Resende Rodrigues, 50 anos, tem uma relação de décadas com o bar. “Quando criança, já vinha aqui comprar o docinho depois do almoço. Na vida adulta, continuei frequentando. Tinha uma época que eu ficava só aqui. Não ficava em casa. Podiam me procurar: ‘onde a Lucimar está? Está no bar do Tunico’”, diz, que completa.
“Tem a característica de identidade. É uma característica de cidade pequena? É. Mas é também uma característica de bares tradicionais, é um bar raiz. O que difere o bar raiz do bar modinha? Primeiro, o balcão. Tem que ter o balcão pra gente sentar. Falo muito com o Otávio, que hoje assumiu no lugar do pai dele: ‘Tatá, saudade de a gente prosear no balcão’. Às vezes, não é para comer, não é para beber, é para sentar no balcão. Tem que ter cadeirinha de plástico, estufa, salgadinho, torresminho, tira-gosto”.
Nascido e criado em Caeté, o empresário Marcelo Cassimiro, 50 anos, diz que o Tunico Machado é muito mais que um bar. “É um lugar para divertir, comer comida boa, tomar uma e contar história. Esse aqui é um dos melhores botecos que você vai encontrar no Brasil”, diz.
“Você pode ver aqui que o pessoal senta na calçada, senta aqui dentro e fica vendo o movimento. O pessoal passa, buzina, mexe, encontra, bate um papo e toma uma. Aqui é sempre assim. É um lugar fantástico. Que bom que vocês vieram”.
Família
O aposentado Adalberto Rabelo, 65 anos, não abre mão de tomar uma cachacinha e uma cerveja gelada no Tunico. “Sou da época do avô do Tatá”, diz. “É a vida toda aqui. A gente vinha para cá com a minhas meninas no carrinho de bebê. Tenho uma história muito bonita e acho que família é tudo na vida. E aqui é uma família cuidando de família e servindo à família”, destaca.
Comida mineira
O contador Renato Ferreira, 52 anos, frequenta o bar há 40 anos e diz ser fã do PF. “Comida mineira, comida no fogão à lenha. É sensacional”, resume.
A cozinheira Cleide Luciana, conhecida como Lu, é umas das responsáveis pela comida que é sucesso entre clientes do Tunico. “O segredo está na cozinha mesmo. Panela velha é que faz comida boa, no meu ponto de vista. Dedicamos muito para sempre manter a tradição, que é o mesmo prato. A gente não muda o prato. Pode mudar a quantidade, obviamente. Mas mantemos o mesmo sabor e a qualidade do prato”.
Ouça a reportagem aqui:
Rei do tropeiro
Nessa quinta-feira (9), a Itatiaia contará a história do bar do Jânio, considerado o rei do Tropeiro do Alto Vera Cruz, lado Leste de BH.
Edição de áudio: Leonardo Leal/ trabalhos técnicos e de sonorização Ronald Araújo/ vídeo: Naice Dias/ edição de vídeo: Marina Borges/ texto e produção: Rômulo Ávila.