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‘Fomos expostos e humilhados': casal negro denuncia restaurante em Santa Luzia

Os dois afirmam que pagaram a conta em dinheiro, mas tiveram fotos divulgadas nas redes sociais com a legenda “alguém conhece esse casal?”. O caso gerou revolta e será investigado pela Polícia Civil

Um casal de Belo Horizonte denuncia ter sido difamado após ter suas fotos publicadas nas redes sociais de um restaurante, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com a falsa acusação de que teriam saído sem pagar a conta.

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Segundo Luís Carlos Martins Júnior e Priscila Farias Souza Pereira de Medeiros, em entrevista exclusiva à Itatiaia, o episódio ocorreu no dia 17 de outubro, quando ambos estiveram no restaurante, cliente antigo da casa desde a época em que o negócio funcionava em Vespasiano.

Eles contam que pagaram a conta de R$ 105,60 em dinheiro, com uma nota de R$ 100 e outra de R$ 10, e receberam R$ 5 de troco, já que a gerente teria arredondado o valor. “A gente esperou no balcão, pagou normalmente e foi embora. No outro dia, começaram a me mandar prints dizendo que tinham publicado nossas fotos, dizendo que a gente não pagou. Foi desesperador”, contou Luís Carlos.

“Se fosse outro casal, teriam postado também?”

A publicação mostrava as fotos de Luís e Priscila com a legenda:

O casal relata que só descobriu a postagem após amigos e conhecidos enviarem mensagens nas redes sociais. “Eu estava no trabalho, perplexa. Meus colegas abriram o Instagram e viram. A foto estava lá”, disse Priscila.

Eles tentaram contato por telefone e WhatsApp com o restaurante, mas não receberam retorno imediato. Quando finalmente conseguiram falar, ouviram que teriam “esquecido de pagar a conta por engano”.

“Eu expliquei que tinha pago, que a gerente podia olhar nas câmeras. Quando chegamos lá, mudaram a história e disseram que foi uma confusão, duplicidade de pagamento. Mas ninguém pediu desculpa”, relatou Luís.

“A gente sentiu racismo, sim”

Luís Carlos afirma acreditar que o episódio também teve motivação racial.

“Se houve duplicidade de pagamento, por que só nossas fotos foram postadas? Por que éramos o casal mais preto ali? Sim, a gente sentiu racismo”, disse.

Segundo ele, o caso provocou danos morais e profissionais. “A gente trabalha com o público, e a nossa imagem fala por nós. Até hoje tem gente que brinca, dizendo que não vai sair com a gente porque não paga a conta. Isso é cruel.”

Priscila reforçou o impacto emocional: “Foi muito humilhante. A gente não quer nada além de respeito.”

Caso será investigado nas esferas cível e criminal; especialista aponta possíveis violações ao Marco Civil da Internet e à Lei de Racismo

O casal é representado e acompanhado pelo advogado Gilberto Silva, especialista em crimes contra a honra e direito antidiscriminatório. Ele explicou que as vítimas estão recebendo toda a instrução jurídica sobre a exposição indevida de suas imagens na internet, o que é vedado pelo Marco Civil da Internet e pode gerar responsabilização cível e criminal.

De acordo com o advogado, publicações com expressões como “alguém conhece esse casal?” ou “procura-se este casal” induzem o público a acreditar que os envolvidos cometeram algum crime, o que pode configurar calúnia, difamação ou até mesmo conteúdo de natureza racial, considerando que o casal é formado por pessoas negras.

Silva afirmou ainda que o caso também será analisado à luz da Lei nº 7.716/89, que define os crimes de racismo. Mesmo sem ofensas verbais explícitas, a exposição pública motivada pela cor da pele pode ser entendida como prática racista. Ele ressaltou que, no contexto histórico e social brasileiro, pessoas negras são mais frequentemente expostas e humilhadas, enquanto indivíduos com traços eurocêntricos não passam pelo mesmo tipo de constrangimento.

O advogado reforçou que todas as medidas cabíveis estão sendo adotadas nas esferas cível e criminal para garantir a responsabilização dos responsáveis pela publicação e a reparação dos danos sofridos pelas vítimas.

A Itatiaia entrou em contato com o estabelecimento, mas até o momento não obteve uma resposta.

Estudante de Jornalismo no Centro Universitário Una. Passagens por assessoria política, assessoria de imprensa e TV Alterosa, onde atuou como repórter, produtor e editor do Jornal da Alterosa. Atualmente, produtor do Plantão da Cidade, na Rádio Itatiaia.