O Ministério Público de São Paulo e a Polícia Militar realizam, nesta quinta-feira (25), uma operação contra a atuação do PCC no ramo de combustíveis e na exploração de jogos de azar. Batizada de Operação Spare, são cumpridos 25 mandados de busca e apreensão na capital paulista, em Santo André, Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco.
A fintech por meio da qual a organização criminosa movimenta milhões de reais é a mesma utilizada pelos alvos da
As investigações tiveram início a partir da apreensão de máquinas de cartão em casas de jogos clandestinos situadas na cidade de Santos, que estavam vinculadas a postos de combustíveis.
A análise das movimentações financeiras revelou que os valores eram transferidos para uma fintech, utilizada para ocultar a origem ilícita dos recursos e sua destinação final.
Participam da operação 64 servidores da Receita Federal e 28 do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio do Gaeco, além de representantes da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP) e cerca de 100 policiais militares.
Entenda a infiltração no mercado formal
O principal alvo da operação está ligado a uma extensa rede de postos de combustíveis usada para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. A estrutura foi identificada a partir da concentração de empresas sob responsabilidade de um único prestador de serviço, que formalmente controlava cerca de 400 postos — sendo 200 vinculados diretamente ao alvo e seus associados.
A Receita Federal identificou ao menos 267 postos ainda ativos, que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais — o equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor. Também foram identificadas administradoras de postos que movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.
A atuação do grupo, no entanto, não se restringia ao setor de combustíveis. Por meio de pessoas relacionadas, o principal alvo também operava lojas de franquias, motéis e empreendimentos na construção civil.
Durante as fiscalizações, foram identificados 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos relacionados a uma mesma franquia, todos em nome de alvos da operação. Embora operacionais, essas empresas apresentavam indícios de lavagem de dinheiro. Entre 2020 e 2024, movimentaram cerca de R$ 1 bilhão, mas emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais. No mesmo período, recolheram R$ 25 milhões em tributos federais (2,5% da sua movimentação financeira no mesmo período) e distribuíram R$ 88 milhões em lucros e dividendos.
Mais de 60 motéis também foram identificados, a maioria em nome de “laranjas”, com movimentação de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024. Esses estabelecimentos contribuíram para o aumento patrimonial dos sócios, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos. Um dos motéis chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema - um deles distribuiu R$ 1,7 milhão em lucros após registrar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.
Operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs de motéis vinculados a integrantes da organização criminosa também chamaram atenção. Um dos CNPJs adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021; outro comprou um imóvel de R$ 5 milhões em 2023.
As investigações revelaram ainda o uso de SCPs para construção de empreendimentos imobiliários, especialmente prédios residenciais em Santos, durante a década de 2010. Como os sócios ocultos dessas sociedades são mantidos em sigilo, não é possível determinar quantas ainda estão em poder dos alvos. Com base em uma sócia ostensiva comum, estima-se que ao menos 14 empreendimentos movimentaram R$ 260 milhões entre 2020 e 2024.
Aquisição de bens de luxo
Com os recursos obtidos por meio do esquema, os alvos adquiriram imóveis e bens de alto valor, diretamente ou por meio de empresas patrimoniais e de fachada. Entre os bens estão um iate de 23 metros, inicialmente comprado por um dos motéis e depois transferido a uma empresa de fachada, que também adquiriu um helicóptero; outro helicóptero foi comprado em nome de um dos investigados; um Lamborghini Urus adquirido por empresa patrimonial; além de terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões. Estima-se que os bens identificados representem apenas 10% do patrimônio real dos envolvidos.
A Receita Federal também detectou um padrão de retificação de declarações de Imposto de Renda. Segundo o órgão, declarações antigas e recentes eram retificadas no mesmo dia, com inclusão de altos valores na ficha de bens e direitos da declaração mais antiga, sem a correspondente inclusão de rendimentos e pagamento de imposto. Isso configura mais uma tentativa de indicar origem para patrimônio adquirido com recursos sem origem e não tributados.
Usando desse artifício, membros da família do principal alvo aumentaram seu patrimônio informado, de forma irregular, em cerca de R$ 120 milhões (valores atualizados).
Conexões com outras operações
Durante as investigações, foram identificadas conexões entre os alvos da Operação Spare e indivíduos envolvidos em outras ações de combate ao crime organizado, incluindo a própria Operação Carbono Oculto e a Operação Rei do Crime.
Entre os indícios, estão transações comerciais e imobiliárias entre os investigados, uso compartilhado de helicópteros e reservas conjuntas de passagens para viagens internacionais.
A Receita Federal também deflagrou outras ações com foco em combustíveis. Por meio de sua área aduaneira, realizou, na última sexta-feira (19), a Operação Cadeia de Carbono, que resultou na apreensão de cargas de dois navios no Porto do Rio de Janeiro.
As mercadorias, compostas por petróleo e seus derivados, foram avaliadas em aproximadamente R$ 240 milhões e são suspeitas de terem sido importadas por empresas que não comprovaram a origem dos recursos utilizados para aquisição de bens de valor tão elevado.
Operação Spare
O nome da operação foi retirado do boliche. Um spare ocorre quando o jogador derruba todos os pinos após os dois arremessos de uma mesma rodada. No contexto do combate à organização criminosa, a Operação Carbono Oculto representaria o primeiro arremesso, e a operação de hoje, o segundo, concluindo o objetivo inicial.