Com o estado oficialmente em calamidade pública, o Rio Grande do Sul entrou na primeira semana de maio registrando chuvas de proporções inéditas na história do Estado.
"É a terceira enchente que eu vejo. O pai do meu pai viu a de 1941, e agora essa foi pior”.
As observações da dona Jania Maciel, moradora da Ilha da Pintada, em Porto Alegre, estão corretas. As cheias históricas citadas por ela aconteceram em 1941. Naquela oportunidade, Porto Alegre registrou 405 mm de chuva.
Em maio deste ano, a capital gaúcha registrou 539 mm de chuva. Foi o mês mais chuvoso da história de Porto Alegre em 124 anos.
Moradora da Ilha da Pintada, em Porto Alegre, durante a metade desses anos, a aposentada Jania conversou com a Itatiaia enquanto olhava para os móveis danificados e sujos da lama que veio junto com a água do Lago Guaíba que invadiu o arquipélago.
“Olha aí minha casa. Tá toda vazia, perdi porta, minha cozinha novinha. Não tinha nem três meses de uso e já estragou de novo. Não tem como voltar para cá agora, tá caindo telhado, tudo. Eu não sei se a gente vai ficar mais aqui”, reclama.
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Símbolo do Rio Grande do Sul
Com o passar dos dias, o Lago Guaíba, símbolo do Rio Grande do Sul, passou a tirar noites de sono dos gaúchos. No dia 3 de maio, o Guaíba ultrapassou a marca histórica de 1941 e alcançou o nível inédito de 4,77 metros. Isso causou inundações em diversos bairros da capital gaúcha, incluindo o centro histórico. A situação piorou e muito. O Guaíba atingiu inéditos 5,35; o maior volume da história.
Os olhos do mundo voltaram-se para o Brasil. Questionado pela Itatiaia sobre a repercussão internacional, o embaixador do Governo Lula, André Corrêa do Lago, que também é Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, afirmou os países que fazem parte do G20 ficaram impactados com os estragos causados pelas inundações.
“Todas as delegações manifestaram apoio e solidariedade ao Brasil. O que aconteceu no Rio Grande do Sul mostrou a relação do Brasil com a mudança do clima além da Amazônia. Foram imagens de uma cidade com boa infraestrutura que sofreu com a mudança do clima. São várias cidades pensando: ‘nós podemos ser a próxima vítima’. Para o resto do mundo, uma imagem de uma cidade inundada é muito mais próxima do que uma imagem da Amazônia seca”, compara.
A chuva invadiu Porto Alegre e seguiu inundando cidades ao longo do Guaíba. Dos 497 municípios do Estado, 478 registraram danos em decorrência dos temporais. Foram mais de dois milhões e 300 mil afetados. Enfrentando situações mais graves, mais de 600 mil pessoas foram obrigadas a deixar as casas. Os temporais mataram 179 pessoas. Dois meses depois, 33 vítimas permanecem desaparecidas.
Em um dos momentos mais críticos, as estradas estaduais e federais chegaram a registrar mais de 150 pontos de bloqueios parciais e estaduais. A situação impressionou até policiais experientes. Foi o caso do diretor executivo da polícia rodoviária federal, Alberto Raposo.
“Tem doze anos que estou na instituição e não tinha presenciado algo no Brasil nesta proporção. Não é um cenário somente de mortes ou feridos, mas também um contexto de destruição das cidades, da infraestrutura inteira. Hoje, estamos no Brasil inteiro, mas de forma muito específica estamos no Rio Grande do Sul para apoiar a população gaúcha”, afirma.
Aeroporto alagado
As inundações invadiram o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Um dos dez aeroportos mais importantes do país, precisou fechar as portas emergencialmente.
A nossa reportagem acompanhou de perto o drama dos gaúchos e das cargas que precisam seguir para o Rio Grande do Sul.
No deslocamento entre BH e Porto Alegre, que poderia ser feito em menos de três horas, a nossa reportagem gastou cerca de 15 horas. Foi preciso fazer escala no Rio de Janeiro, seguir para Florianópolis, em Santa Catarina. Depois, com vários pontos de bloqueio, o percurso de carro até Porto Alegre estava demorando até 7 horas.
Além do desastre humano e ambiental, as enchentes foram um duro golpe no sistema de infraestrutura gaúcho. A avaliação é do professor da escola de engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PHD na área de transportes, Luiz Afonso dos Santos Senna.
“O aeroporto de Porto Alegre é vital. Imagina em Belo Horizonte sem os dois aeroportos (Confins e Pampulha). Compromete todas as cadeias completas de produção. A movimentação de pessoas, o turismo da região, que é um dos maiores polos de atração de turistas do país. Começa a gerar desemprego, subuso da estrutura hoteleira e assim por diante. A infraestrutura é a base sobre a qual a economia acontece”, alerta o professor.
Trechos bloqueados
Neste momento, há 50 pontos bloqueados parcialmente em estradas estaduais e federais. Outros 30 pontos permanecem totalmente bloqueados. Em relação ao aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, a concessionária Fraport informou que concluiu nesta semana os trabalhos de limpeza no terminal de passageiros. Com isso, os serviços de embarque e desembarque devem ser retomados na segunda quinzena deste mês. Atualmente, o serviço está sendo realizado no Terminal ParkShopping, em Canoas, na Região Metropolitana.
Com essas mudanças, os passageiros terão de ir ao aeroporto Salgado Filho – e não mais ao shopping em Canoas – e de lá serão levados de ônibus para base área de Canoas - de onde estão partido os voos. Os pousos e decolagens no aeroporto internacional, na capital gaúcha, só devem ser retomados em dezembro.