Ouvindo...

Mariana Ferrer: quatro anos depois, mãe luta contra absolvição de comerciante indiciado por estupro

Atacada em beach club em Florianópolis, jovem enfrenta síndrome do pânico, estresse pós-traumático, fobia social e depressão; lei ganhou nome da vítima, que ainda luta por justiça

A perícia que realizou o exame de corpo de delito na vítima encontrou sêmen de André de Camargo Aranha

“A luta foi e continua difícil, mas diferentemente de milhares de vítimas, eles não conseguiram transformar minha filha em ré, pois as provas não deixam dúvidas.” Essa é a fala de Luciane Aparecida Borges, mãe de Mariana Ferrer, no dia em que o crime contra sua filha completa 4 anos sem condenação.

Mineira, Mariana trabalha como modelo desde criança e, em 2012, passou a ser influenciadora e se mudou para Florianópolis (SC) com a família. Aos 21 anos, foi convidada para ser embaixadora de um beach club badalado da ilha: o Café De La Musique. Mas sua vida mudou em 15 de dezembro de 2018.

Relatos de um crime que não acaba

“Não é nada fácil ter que vir aqui relatar isso. Minha virgindade foi roubada de mim junto com meus sonhos. Fui dopada e estuprada por um estranho em um beach club dito seguro e bem conceituado da cidade”. Esse foi o início de um dos relatos postado por Mariana nas redes sociais em 2020.

Leia mais:

Nas postagens, ela expôs a cronologia dos fatos. Mariana contou que, em determinado momento da noite, foi puxada pelo braço por uma amiga até um dos bangalôs para fazerem uma foto juntas. A partir daí, ela teve a amnésia temporária. A investigação da polícia descobriu se tratar de uma área privada.

''O que tenho de lembranças daquela maldita noite de terror é estar descendo essa escada escura, vinham uns flashes coloridos e tinha um segurança na porta. eu estava com sensações estranhas, como se estivesse voando, não sentia meu corpo. só queria escapar dali e achar minhas amigas’’, disse nas redes sociais. Mas as supostas amizades que a acompanhavam no dia a abandonaram.

Mariana conta que segundo sua mãe, ela entrou em casa com o corpo mole, olhos vidrados e que chegou a escorregar pela parede. A mãe tirou suas roupas para jogar uma ducha e se deparou com sangue e com forte odor de esperma.

Veja o relato completo:
Os traumas

Após quatro anos, Mariana enfrenta síndrome do pânico, estresse pós-traumático, fobia social e depressão em consequência do crime, e ainda continua lutando por Justiça. Ela tem constantes pesadelos e fica tão apavorada que lhe falta o ar, parece que vai desmaiar.

Desde o crime, a jovem nunca mais trabalhou como modelo e influencer e vive em um quarto. Em meio à dor, ela luta para deixar a dor, a tristeza e os medos.

Empresário absolvido

Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) decidiu por unanimidade manter a absolvição de André de Camargo Aranha. O empresário já tinha sido absolvido em primeira instância em setembro de 2020, em decisão do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis (SC).

Isso porque a Justiça entendeu que ele não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual, portanto não haveria dolo, a intenção de estuprar.

Ela e a mãe, Luciane Aparecida Borges, recorrem da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Minha filha é vítima nas duas instâncias, o réu tentou mudar o inciso em segunda instância para inocentá-lo e foi negado por unanimidade. O processo não acabou e estamos recorrendo ao STJ e STF”, disse.

A perícia que realizou o exame de corpo de delito na vítima encontrou sêmen de André de Camargo Aranha. Conforme relatório do exame da perícia, o hímen da Mariana havia sido rompido. O exame toxicológico foi inconclusivo.

Na época, a Polícia Civil esclareceu que pode haver substâncias ainda não apreendidas e reconhecidas pela corporação, o que dificulta a pesquisa de todas elas. Além disso, o exame só foi submetido para análise quatro meses após o colhimento do material.

“Uma das testemunhas disse que o próprio investigado teria afirmado, em relação à vítima, que ‘ela era louca e estava muito bêbada’. Extrai-se que ele ainda que, possivelmente, no intuito de descredibilizar a vítima, indicou elementos que sinalizam o estado de vulnerabilidade da vítima”, afirmou a delegada Caroline no relato final do inquérito.

O motorista do Uber que a levou para casa, afirmou à polícia e em juízo que Mariana estava “claramente sob o efeito de algum entorpecente”.

O recurso

O advogado da jovem, Júlio Cesar Ferreira, explica que, após o acórdão que absolveu André Aranha a defesa tentou três caminhos: embargos de declaração para esclarecer pontos da decisão e recursos ao STJ e STF. O TJSC não admitiu os recursos especial e extraordinário, e os agravos devem estar nos tribunais superiores até março de 2023 para análise.

Ele explica que apesar de André Aranha ter sido absolvido por insuficiência de provas quanto à vulnerabilidade de Mariana, nunca viu um caso com tantas provas.

“A conjunção carnal restou devidamente comprovada pelo laudo pericial. A análise do esperma e DNA encontrados na roupa íntima de Mariana eram de André Aranha. São fatos incontroversos. Não cabe mais discussão, pois o acordão transitou em julgado para André Aranha. Quanto à vulnerabilidade, ela se mostrou escandalosa e acachapante, sendo que agora estamos na dependência de que a prova possa ser revalorada pelo STJ e STF. Nunca se viu, um caso de estupro, com tantas provas. Por muito menos, outros estupradores são condenados”, acrescentou.

Respostas

De acordo com a assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “a parte citada, André de Camargo Aranha, não possui qualquer processo em trâmite na corte.” Procurada pela reportagem, o Supremo Tribunal Federal (STF) informou “não consta processo sobre o caso”

A Itatiaia tenta contato com a defesa de André Aranha, mas sem sucesso. O espaço continua aberto caso queira se pronunciar.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.