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Avanço da agricultura 4.0 esbarra na precariedade da conexão à internet no interior do país

Pesquisa do MAPA e da Esalq aponta que apenas 23% da área rural brasileira é coberta por sinal de boa qualidade

Chefe-geral de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Informática Agropecuária, Carla Macário

Imagine um cenário em que drones e robôs monitoram as lavouras. Eles capturam as imagens agrícolas e coletam informações que lhes permitem fazer simulações e encontrar formas mais eficientes de lidar com as culturas. Graças à Internet das Coisas (IoT), a indústria agrícola está gerando mais dados do que nunca, desde diagnósticos da qualidade do solo, das lavouras, ao clima até à logística de escoamento da produção.

A chefe-adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Agricultura Digital, com sede em Campinas, Carla Macário, diz que o uso das TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) é um caminho sem volta para o mundo rural. Com esses recursos, os produtores têm a chance de tomar decisões mais acertadas em termos de planejamento e manejo, de elevar os índices de produtividade, de eficiência do uso de insumos, de reduzir os custos com mão de obra e diminuir os impactos ao meio ambiente.

Mas todas essas possibilidades esbarram num grande desafio: a precariedade da conectividade à internet no interior do país. Pesquisa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) aponta que apenas 23% da área rural brasileira é coberta por sinal de internet de boa qualidade.

Formada em computação, mestre em engenharia elétrica e doutora em computação, com ênfase em Banco de Dados, Carla é responsável pela organização de dados “porque não adianta termos um monte de informação se não conseguimos organizá-las e transformá-las em conhecimento útil”.

Natural de Brasília, ela veio para Campinas fazer um estágio no final dos anos 80 e acabou ficando: “me apaixonei pelo mundo do agro”, disse. O que mais a gratifica é ver que as pessoas se beneficiam do seu trabalho. Que as informações geradas por ela e sua equipe fazem diferença na vida do pequeno, médio e grande produtor.

Confira a entrevista na íntegra:

O que é agricultura 4.0?

É a chamada agricultura digital, é a produção agrícola cada vez mais embasada em tecnologia de ponta e conteúdo digital. É também a junção da conectividade com a biologia. É tornar disponíveis sistemas de computação (sensores, aplicações, armazenamento em nuvem, comunicação de máquina para máquina e outros instrumentos como drones) de maneira que seja possível melhorar nossa agricultura e contribuir para a segurança alimentar no mundo.

Quais os principais benefícios da aplicação da agricultura 4.0?

São diversos: rapidez de acesso à informação, de processamento e maior assertividade numa tomada de decisão. Quando você tem um sistema que te apoia na aplicação de um insumo numa determinada cultura, que informa quanto por cento seu solo precisa de fertilizante ou água e analisa o clima da região, você tem uma aplicação mais otimizada: pode diminuir a quantidade de insumos, racionalizar o uso da água, aplicar menos defensivos, diminuindo o custo e aumentando a produtividade e a qualidade.

O que já está sendo usado?

Uma grande vertente é o uso de sensores que podem ser acoplados a drones, por exemplo. A grande coisa, hoje, é a quantidade de dados que estamos produzindo e conseguindo processar rapidamente para quem está consumindo essa informação, seja um produtor, um extensionista ou uma cooperativa.

Também temos o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), desenvolvido junto com o MAPA, que traz informações de qualidade do solo, da cultura em questão e do clima. O ZARC tem ajudado muito a tornar acessíveis os preços dos seguros agrícolas, em função da precisão das informações. É uma economia na casa dos bilhões.

Quais os principais desafios para o uso da tecnologia no campo?

O principal obstáculo a ser vencido é a falta de conectividade. De acordo com levantamento feito pelo MAPA e pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) apenas 23% da área rural brasileira é coberta por sinal de internet de boa qualidade. Outro desafio é o custo das tecnologias. Grande parte só é acessível aos grandes produtores.

Como a tecnologia pode melhorar a produtividade de alimentos no mundo?

Nos informando o que plantar, quando plantar e como plantar, como usar melhor os recursos hídricos e o solo. A Embrapa, ao longo de seus 49 anos dedicados à pesquisa, desenvolveu trabalhos que melhoraram muito a produtividade brasileira. Temos números que mostram que a área plantada no Brasil cresceu, mas a produtividade cresceu muito mais.

O que a Embrapa vem produzindo para a Agro 4.0?

O foco da nossa unidade é a agricultura digital. Desenvolvemos pesquisa em tecnologia de computação para apoiar os produtores rurais. Como já disse, o Zarc é produzido aqui. Coletamos informações que vêm de diferentes fontes e do MAPA. Temos sensores acoplados a drones que ‘varrem’ a área de uma fazenda. Eles podem tirar fotos que, por sua vez, são processadas e identificam a qualidade da uva que está sendo produzida; quantos cachos há na lavoura; quanto esse montante deve render, sem que seja necessário colher a fruta. Temos o mesmo sistema para a cultura da maçã e estamos desenvolvendo para a laranja.

Outro exemplo é uma parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE). Usando imagens de satélite, conseguimos mapear todo o uso da terra da Amazônia Legal. Com isso, é possível ter um histórico de como está sendo a evolução da cobertura da área da Amazônia. É possível dizer se determinada área é mais para pasto ou mais para cultivo.

E tem ainda a parceria com a Bayer por meio da qual analisamos o quanto as culturas conseguem extrair de carbono que está no ar e levar para o solo. Algumas culturas têm a capacidade de capturar mais carbono do ar e levar para o solo. É uma forma de ‘limpar’ o carbono da atmosfera.

Que conselho você dá ao pequeno produtor que não dispõe de sinal de internet em sua propriedade ou tem poucos recursos para aquisição de tecnologia?

Ele deve buscar as associações e cooperativas porque a união faz a força. Esses grupos estão se unindo para ter acesso à informação e compartilhar tecnologia. Outra sugestão é que fiquem de olho também nos portais e informativos da Embrapa. Produzimos muita informação que pode transformar a produção e a qualidade de vida do pequeno e do médio produtor rural.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.