Cientistas preveem que o ciclo solar deve atingir o seu máximo em meados de 2024 e pode causar tempestades solares em direção da Terra. O fenômeno, que não é inédito, tem a capacidade de impactar o funcionamento da internet, as comunicações via satélite, sistemas de GPS e até mesmo redes de energia.
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos EUA prevê que o ciclo solar 25 deve atingir seu máximo entre janeiro e outubro de 2024. Este é o período de maior atividade solar, quando o Sol libera mais energia e partículas carregadas.
Esse tipo de evento astronômico também pode trazer novidades surpreendentes, como a possibilidade de enxergar auroras boreais em locais incomuns, em latitudes baixas e próximas à linha do Equador.
O que é uma tempestade solar?
A tempestade solar ocorre quando o Sol emite uma grande quantidade de partículas acompanhadas de campo eletromagnético que podem perturbar o campo magnético da Terra, causando uma série de efeitos na atmosfera terrestre.
A liberação de energia do Sol geralmente está associada a erupções solares e ejeções de massa coronal.
As erupções são explosões que acontecem na superfície solar, que liberam energia na forma de radiação eletromagnética, incluindo luz visível, raios-X e radiação ultravioleta. Essas erupções acontecem devido a atividade magnética intensa na superfície do Sol.
A ejeção de massa coronal significa uma grande liberação de material solar, com partículas carregadas de plasma, normalmente, acompanhados de campos magnéticos. Quando direcionadas para a Terra, essa atividade desencadeia uma tempestade geomagnética no planeta que pode afetar o dia a dia da população.
O ciclo magnético solar dura aproximadamente 11 anos, sendo responsável pela ocorrência de tempestades solares. Ele funciona de forma autônoma, sem influência da Terra.
O último ciclo solar começou em 2019, e está previsto atingir o pico de atividade em julho de 2024.
A atividade solar aumenta e diminui durante esse ciclo, e seu pico é conhecido como “máximo solar”. Durante esse período, há um aumento na ocorrência de tempestades solares, que podem liberar grandes quantidades de energia e partículas carregadas no espaço e afetar o campo magnético da Terra.
No entanto, de acordo com o professor do Departamento de Física da UFMG, Gustavo Guerrero, o evento não deve ser motivo de “alarmismo”, uma vez que esse fenômeno acontece regularmente e não costuma causar grandes perturbações na Terra, como o aumento da temperatura.
Nascido na Colômbia, Guerrero se mudou para o Brasil para pesquisar a geração e a dinâmica do campo magnético do Sol e de outras estrelas no Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da Universidade Federal de Minas Gerais.
Evento de Carrington
A tempestade solar mais poderosa já registrada ficou conhecida como Evento de Carrington e aconteceu em setembro de 1859. Ela foi batizada em homenagem ao astrônomo inglês Richard Carrington, que catalogou o fenômeno, sendo o primeiro cientista a vincular essa tormenta geomagnética a uma tempestade solar.
De acordo com o professor Gustavo Guerrero, a tempestade afetou as redes de comunicação e os sistemas de transmissões elétricas em altas altitudes (como Estados Unidos e Canadá).
O telégrafo era um dos principais meios de comunicação da época e foi impactado pelo fenômeno devido à interação da rede elétrica com as partículas do Sol. A tempestade solar causou interrupções e mau funcionamento das linhas telegráficas, de acordo com relatos.
Auroras boreais
Além disso, durante o Evento de Carrington foi possível observar a presença de auroras boreais em latitudes próximas à Linha do Equador, como na Colômbia e no Caribe.
A ocorrência de auroras boreais em locais incomuns depende da intensidade do evento geomagnético, de acordo com o professor Gustavo Guerrero.
As auroras boreais são causadas pela interação entre partículas carregadas do vento solar com os gases da atmosfera da Terra.
Normalmente, o campo magnético da Terra direciona as partículas para os pólos terrestres, permitindo a visualização dos fenômenos somente em regiões da Escandinávia, Canadá, Islândia, Rússia e do Círculo Polar Ártico.
“O vento solar carrega consigo um campo magnético. Quando ele é muito grande, é capaz de interagir e modificar o campo magnético da terra, permitindo que as auroras apareçam inclusive em latitudes tropicais”, explicou Gustavo Guerrero.
Esse é o caso do Brasil, que é atravessado pela Linha do Equador na região Norte e tem grande parte do seu território na zona intertropical.
No entanto, é impossível prever se será possível observar o fenômeno no país em 2024.
Ciclo deve acontecer antes do esperado
A previsão do ciclo solar atual mostra variações e incertezas.
Inicialmente, os cientistas acreditavam que o máximo do fenômeno aconteceria em meados de 2025. Mas, de acordo com Gustavo Guerrero, o Sol começou a apresentar um número de manchas acima do esperado e o ciclo começou a evoluir rapidamente. Por isso, a estimativa foi alterada para atingir o seu máximo em julho de 2024.
Ao contrário das previsões meteorológicas, os prognósticos solares são mais difíceis de serem identificados. De acordo com o professor da UFMG, o desafio acontece devido à falta de observações diretas do campo magnético no interior solar.
Os modelos de previsão da atualidade são baseados em observações da superfície solar e modelos de inteligência artificial, que não são muito eficientes devido à falta de uma base de dados robusta.
“Ainda estamos fazendo melhores modelos teóricos e computacionais para aprimorar a compreensão do interior do Sol”, explicou Gustavo Guerrero.
Expectativas
Ainda é impossível saber qual será a energia envolvida na próxima tempestade solar, mas o professor Gustavo Guerreiro afirma que é possível que uma variedade de sistemas autônomos, que podem realizar tarefas de forma independente, sem ação humana, possam ser afetados pela atividade magnética.
É o caso dos modelos de veículos elétricos da Tesla, empresa do bilionário Elon Musk, que possuem capacidade de auto-condução usando georreferenciamento.
“Um dos grandes problemas tecnológicos dos carros autônomos é exatamente a atividade magnética na ionosfera (camada da atmosfera terrestre formada pela radiação solar)”, explicou o professor da UFMG.
Máquinas de mineradoras, robôs de fábrica, drones, navios e helicópteros autônomos, dentre outros, também podem ser impactados por tempestades solares, assim como satélites que orbitam a Terra.
Gustavo Guerrero revelou que um evento solar de baixa intensidade, que ocorreu em janeiro de 2022, foi o suficiente para inabilitar mais da metade dos satélites lançados pela Starlink - outra empresa de Elon Musk.
“O que sabemos é que esse tipo de evento é nocivo para o clima espacial. São gastos milhões de dólares, porque existem muitos satélites orbitando a Terra, e cada um deles custa muito caro. Então, o tamanho dos danos causados pelos eventos geomagnéticos poderia ser equivalente a um trilhão de dolares”, explicou.
O clima espacial refere-se às condições variáveis no ambiente espacial próximo à Terra, incluindo o Sol, vento solar, magnetosfera, ionosfera e termosfera.
Especialistas em gestão de emergências do Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos acreditam que a primeira “tempestade” que vai custar “trilhões de dólares” não virá na forma de tornado, furacão ou inundação - mas sim do Sol.
Mesmo sendo impossível prever a intensidade das próximas tempestades, Guerrero acredita que elas dificilmente irão superar o Evento de Carrington.
Mas não descarta que o fenômeno possa gerar uma instabilidade nas redes de internet e nos sistemas de georreferenciamento.
Os motoristas que usam o aplicativo Waze e Maps para se locomover, por exemplo, podem ficar com o serviço indisponível durante um breve período de tempo.
Muita calma nessa hora
Por outro lado, o professor da UFMG afirma que não há motivo para ser “alarmista” em relação ao assunto.
“No último máximo solar, há 10 anos atrás, não aconteceu um evento tão grande quanto esse. Nós já tínhamos um sistema de satélites muito grande. Aconteceram vários eventos isolados, mas nada catastróficos”, explicou Gustavo Guerrero.
O professor de Física da UFMG explica que alguns satélites, inclusive, já são equipados com blindagens para minimizar os efeitos do fenômeno. “Ou seja, (as tempestades) podem ter consequências, mas não necessariamente catastróficas. Teria que ser um evento muito, mais muito intenso para que isso acontecesse”, frisou.
Ele também alerta que é possível prever com antecedência a chegada da tempestade solar. Enquanto a luz do sol leva 8 minutos para alcançar a Terra, a liberação de energia solar demora, aproximadamente, entre 30h a 72h - que corresponde a duração de três dias.
Além disso, as tempestades solares não modificam a temperatura da Terra, que registrou em 2023 o ano mais quente da história.
Isso pode acontecer em raríssimos casos, em curtas escalas de tempo. Há uma evidência, por exemplo, que o ciclo solar pode impactar levemente fenômenos climáticos, como El Niño, quando há uma coincidência de fases dos eventos.
O El Niño é um fenômeno caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico Equatorial que aumenta a temperatura da terra e pode provocar eventos incomuns, como chuvas intensas, secas, inundações e furacões.
“Os efeitos da atividade magnética solar no clima da Terra são, em geral, de pouca importância”, destacou o professor.
“O El Ninõ é um evento que acontece pela interação entre oceanos e ventos. Então, ele tem a sua própria dinâmica. Mas quando o ‘forçamento’ está baixo, a atividade solar magnética pode dar um empuxo e modificar ligeiramente o fenômeno do El Ninõ, mas muito pouco”, explicou.
Para ele, não é necessário ser alarmista, mas é crucial entender a complexidade da atividade solar para melhorar a compreensão do fenômeno.
“É muito importante que se façam pesquisas tanto para aprimorar a previsão da atividade solar, quanto a influência dela no clima especial e no clima terrestre”, explicou.
“Não devemos ser alarmistas quando se aproxima o máximo (da atividade solar), porque nunca vamos saber o quão intensas serão as erupções (de energia magnética no Sol). O que precisamos é entender melhor o ciclo (solar) para, talvez, desenvolver um modelo para conseguir prever quando e como isso vai acontecer”, completou.