Imagine um evento com Mick Jagger, Paul McCartney, David Bowie, Elton John, Queen, Led Zeppelin, BB King, Madonna, Eric Clapton, Black Sabbath e The Who.
Essa reunião de gigantes da música mundial aconteceu no dia 13 de julho de 1985, em Londres e nos Estados Unidos, em um evento que ficou conhecido como Live Aid, que chamou a atenção do mundo para a fome na Etiópia e angariou milhares de doações para as pessoas necessitadas.
Durante os anos 90, o dia 13 de julho passou a ser relembrado por locutores de duas rádios paulistas dedicadas ao rock, e logo caiu no gosto popular. A data passou a ser conhecida como “Dia Mundial do Rock”.
A ironia é que, apesar do nome, ela só é comemorada no Brasil. Na década de 1980, o RPM se tornou um fenômeno que chegou a ser comparado aos Beatles, com recordes de vendagens de discos e fãs enlouquecidas nos camarins da banda.
Nomes como Cazuza, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lobão, Kid Abelha, Blitz, dentre outros, também se destacaram na cena. Para homenagear os heróis dessa época, relembramos alguns grandes clássicos do rock nacional dos anos 1980, de RPM a Titãs e Barão Vermelho.
“Telefone” (rock, 1983) – Júlio Barroso
Perdido na selva desde que chegara a este planeta e sonhando com Jack Kerouac, o traficante da liberdade Júlio Barroso despencara de sua janela de beira para o céu até o azul infinito. Era um frio seis de julho de 1984. Nesse dia, o mundo inteiro era um trio de Absurdettes que choravam sua viagem.
Mas não esse mundo com o qual se está acostumado. Era um mundo beat, um mundo anárquico, um mundo onde se trafica poesia. Um ano antes, esse ser colorido que só usava branco e que enxergava além do universo com seus óculos fundo de garrafa perdida no mar com o pergaminho da dúvida fizera um movimento interessante através de uma tal de Gang 90.
Era o movimento da dança. Embora parecesse óbvio, em suas pernas era diferente. Uma esquisitice embriagante, meio Noite e Dia, meio Telefone. Dançando no limiar da dor entre a entrega e o sobressalto.
“A Dois Passos do Paraíso” (balada, 1983) – Evandro Mesquita e Ricardo Barreto
Um ano depois do enorme sucesso de seu disco de estreia, a Blitz seguiu na estrada e entrou em estúdio para gravar “Radioatividade”. O grande destaque do álbum ficou com a balada “A Dois Passos do Paraíso”, de Evandro Mesquita e Ricardo Barreto.
Com uma letra inocente, simples, embebida em leveza, a canção refletia sobre as expectativas de um casal apaixonado, incluindo, espertamente, uma brincadeira com os programas de rádio amorosos, em que as pessoas dedicavam músicas na esperança de serem agraciadas com a flecha do cupido.
Esse recurso evidenciava, novamente, a veia cômica e a influência do teatro sobre a Blitz e especialmente sobre o vocalista do conjunto.
“Como Eu Quero” (balada, 1984) – Leoni e Paula Toller
Carioca da gema, o compositor foi batizado com um nome pomposo: Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Júnior, mas optou pela simplicidade. Leoni se especializou em baladas que embalaram gerações desde que estreou como baixista do grupo Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, que depois também resumiu o próprio nome, em 1981.
Em 1986, partiu para liderar os Heróis da Resistência, assumindo os vocais. Após seis anos e um disco de ouro, investiu na carreira-solo. Entre os grandes sucessos de sua lavra autoral está a balada “Como Eu Quero”, composta com a então namorada Paula Toller, e lançada pelo Kid Abelha, em 1984.
“Meu Erro” (balada, 1984) – Herbert Vianna
Um ano antes de serem uma das duas únicas bandas brasileiras a não serem vaiadas no primeiro Rock in Rio da história, ao lado do Barão Vermelho, o grupo Paralamas do Sucesso confirmou a sua apoteose com o álbum “O Passo do Lui”, que rendeu ao trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone discos de platina e ouro pelas milhões de cópias vendidas.
Um dos destaques do álbum era a balada “Meu Erro”, inspirada no término do relacionamento de Herbert, paraibano de João Pessoa, com a carioca Paula Toller, vocalista do Kid Abelha. Em 1989, quando lançou uma versão lenta para “Meu Erro”, no álbum “Estrebucha Baby”, Zizi Possi recebeu um elogio de Tim Maia: “Nem o Herbert sabia que a canção que ele fez era tão bonita”, provocou.
“Maior Abandonado” (rock, 1984) – Cazuza e Frejat
Em “Maior Abandonado”, parceria com Frejat, Cazuza lança mão de uma frase lapidar, que se tornou um de seus versos mais conhecidos: “mentiras sinceras me interessam”. Baita hit que catapultou de vez a figura do vocalista do Barão Vermelho que, a partir daquele momento, passou a avistar com cada vez mais proximidade a carreira-solo.
Mas a verdade é que a saída de Cazuza não foi nada amigável, com direito a brigas, agressões e chiliques públicos. A reconciliação veio só mais tarde, quando ele voltou a compor com Roberto Frejat e seus antigos companheiros de banda, como Dé Palmeira e Guto Goffi.
“Louras Geladas” (rock, 1985) – Paulo Ricardo e Luiz Schiavon
Paulo Ricardo nasceu no Rio de Janeiro, no dia 23 de setembro de 1962. Cantor, contrabaixista, compositor e ator, ele cursou Jornalismo na USP, e, em 1982, foi para Londres, onde começou a escrever a coluna “Via Aérea” para a revista Som-Três.
Na faculdade, conheceu o tecladista Luiz Schiavon e, ao lado do guitarrista Fernando Deluqui e do baterista Paulo Pagni, eles formaram a banda RPM, abreviação para Revoluções Por Minuto, que se transformou em um fenômeno pop no Brasil.
O primeiro disco da trupe, de 1985, vendeu mais de 600 mil cópias. Em 1988, o RPM chegou ao fim, tendo na bagagem uma coleção de sucessos como “Olhar 43”, “Louras Geladas”, “Rádio Pirata”, “Alvorada Voraz”, dentre outros.
“Decadence Avec Elegance” (rock, 1985) – Lobão
Sant’Agata di Militello, localizada na região da Sicília, na Itália, é a cidade onde a cantora e compositora Deborah Blando nasceu, fruto do romance entre um italiano e uma ucraniana. Aos dois anos, ela mudou-se para o Brasil.
Sabendo cantar e compor em português, italiano, francês e espanhol, a intérprete passou a ser presença garantida nas trilhas de novelas. Em 1993, deu voz a uma versão para “Decadence Avec Elegance”, de Lobão, em “Deus nos Acuda”.
Lobão sempre negou que a música tivesse sido escrita para Monique Evans, com quem viveu um atribulado romance, quando ela raspou a cabeça.
“O Rock Errou” (rock, 1986) – Lobão e Bernardo Vilhena
“Não acredito em mais ninguém. Estou cansado de votar no menos pior e ele ser tão ruim quanto todos os outros. A partir de agora, serei sempre oposição. Sou do rock”, declara Lobão, que viu o espírito de “O Rock Errou”, parceria com Bernardo Vilhena de 1986, que atacava os políticos de direita Ronald Reagan e Margaret Thatcher e também o Papa e o Vaticano ser renovado.
A música foi lançada no álbum em que Lobão aparece na capa com Daniele Daumerie, então sua esposa, vestido de padre, enquanto ela está nua. Como sempre, o roqueiro provocava a moral e os bons costumes dos brasileirinhos...
“Tempo Perdido” (rock, 1986) – Renato Russo
A ascensão do rock durante os anos 1980 no Brasil teve como um de seus ícones Renato Russo, líder da Legião Urbana que, com ares messiânicos, guiava plateias de adolescentes que passaram a lotar os estádios para ouvir as suas profecias.
Uma das mais emblemáticas, essa canção data do segundo disco da trupe, editado em 1986, intitulado “Dois”. “Tempo Perdido” alia a carga filosófica e existencial a considerações mais casuais que cativaram o grande público.
“Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou/ Mas tenho muito tempo/ Temos todo o tempo do mundo”, diz a letra. Em 2020, a música ganhou uma versão com Pitty, Leo Jaime, Frejat, Supla e outros.
“Comida” (Rock, 1987) – Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Fromer
Betinho sempre se referiu à extinção da miséria e da fome como o primeiro passo para a volta da dignidade de milhões de pessoas no Brasil. Da mesma forma, Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Fromer partem deste ponto de partida para exigir melhorias na qualidade de vida do brasileiro.
Lançada em 1987 pelo grupo “Titãs”, a música “Comida”, um rock bem característico do grupo paulistano, integrou o álbum “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” como um de seus maiores sucessos, senão o maior deles.
O viés político fica claro deste a primeira linha e o refrão pungente. “Bebida é água! Comida é pasto! Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. E está dado o recado.