De cara pintada e o corpo lânguido a rebolar pelos palcos de todo o Brasil, Ney Matogrosso chocou e provocou espanto há 50 anos, quando estreou como vocalista do grupo Secos & Molhados, formado ainda por Gerson Conrad e João Ricardo e que, em 1973, colocou na praça o histórico LP que trazia na capa o rosto de cada um deles sobre bandejas, como se estivessem sendo servidos em um banquete.
O barulho que o disco provocou não foi pequeno, encantando adultos pelo teor poético das letras e as crianças pela exuberância de seus integrantes, algo que ainda não havia sido visto, daquela maneira, na música brasileira. Faixas como “O Vira”, “Sangue Latino”, “Rosa de Hiroshima”, “Mulher Barriguda” e “Fala” rapidamente entraram para a parada de sucessos.
A ousadia do grupo cobrou um preço. Com mais de um milhão de cópias vendidas, eles passaram a ser vigiados de perto pela ditadura militar da época. Ney contou que recebeu diversos recados indiretos do regime, para que ele puxasse o freio de mão, mas o resultado foi inverso. “Quanto mais recados me mandavam, mais loucuras eu fazia”, declarou o artista que, diante da plateia, se apresentava com penachos de aves na cabeça e pintava o corpo quase nu.
Em 1974, o trio lançou o segundo e último disco com a presença de Ney Matogrosso que, logo na sequência, após se desentender com os outros integrantes, alçou voo em carreira-solo. Já em 1975, Ney lançou o álbum “Água do Céu-Pássaro”, que dobrava a aposta na androginia e na profunda relação com a natureza, herança dos indígenas e povos originários.
A partir daí, ele deslanchou em uma trajetória que colecionou sucessos, começando por “Bandido Corazón”, música que recebeu de presente de Rita Lee, e que seguiu nessa trilha com canções do porte de “América do Sul”, “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Seu Tipo”, “Balada do Louco”, “Pro Dia Nascer Feliz”, e tantas outras.
Outro marco da carreira do artista foi o lançamento do xote “Homem com H”, de Antônio Barros, por sugestão de Gonzaguinha, em 1981. A partir da gravação ao mesmo tempo libertária e sensual de Ney, a canção ampliou seu sentido original, assim como aconteceu com “Mesmo Que Seja Eu”, balada de Erasmo Carlos que também viu o seu sucesso renovado na voz de Ney.
No auge dos seus 80 e poucos anos, Ney Matogrosso segue como emblema de uma sexualidade que não se prende a padrões ou expectativas alheias, alçando nas alturas a bandeira que tem, como ele acredita, a liberdade como valor supremo. Pois Ney Matogrosso é inclassificável e irresistível.