Ouvindo...

Relembre grandes sucessos de Paulinho da Viola, que completa 80 anos

Cantor e compositor carioca é autor de clássicos do cancioneiro popular, como ‘Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida’ e ’14 Anos’

Paulinho da Viola completa 80 anos como autor de grandes clássicos da música brasileira, misturando samba, choro e MPB

Paulo César Batista de Faria, nosso popular Paulinho da Viola, nasceu no dia 12 de novembro de 1942, e está comemorando 80 anos como um dos maiores nomes da música brasileira, graças a uma série de sucessos que engloba “Argumento”, “Onde a Dor Não Tem Razão”, “Foi um Rio Que Passou em Minha Vida”, “Pecado Capital”, “Timoneiro”, “Coração Leviano”, “Dança da Solidão”, e muitos outros, numa mistura única que utiliza influências do samba, do choro e da MPB.

Filho de César Faria, histórico violonista do conjunto Época de Ouro, Paulinho trouxe a música no DNA e estreou em disco no ano de 1965, ao lado de Araci Cortes e Clementina de Jesus. Depois, gravou com Elton Medeiros o “Samba na Madrugada”. Seu primeiro LP solo foi lançado em 1968, e ele não parou mais de colecionar sucessos e o carinho de todo público.

“14 Anos” (samba, 1966) – Paulinho da Viola

Filho do histórico violonista César Faria, integrante do conjunto de choro Época de Ouro, fundado por Jacob do Bandolim, o primogênito Paulinho da Viola compôs, em 1966, uma música definitiva sobre a relação entre pai e filho. “14 Anos”, lançada no disco “Samba na Madrugada”, que Paulinho dividiu com Elton Medeiros, é uma reflexão sobre os conselhos de pai pra filho, e a triste constatação de que o pai tinha razão ao aconselha-lo a não seguir a carreira de músico, ao menos na letra porque, na vida, Paulinho da Viola provou o oposto.

“Sei Lá Mangueira” (samba, 1968) – Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho

Até hoje há fanáticos que não perdoam o fato de Paulinho da Viola, portelense de coração, ter criado a melodia para uma das canções mais emblemáticas em saudação à Mangueira, muito embora ele tenha feito, em seguida, “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida” para a Portela. Hermínio Bello de Carvalho escreveu a letra de “Sei Lá Mangueira” logo após a sua primeira visita ao morro, inebriado com o que havia visto na companhia de Cartola e Carlos Cachaça. Lançada por Elizeth Cardoso em 1968, a música foi inscrita no IV Festival de Música Brasileira da Record, quando foi defendida por Elza Soares.

“Sinal Fechado” (MPB, 1969) – Paulinho da Viola

No ano de 1969, Paulinho da Viola, que sempre bebera na fonte do samba tradicional e um dos nomes mais importantes da Escola de Samba da Portela, cujo pai foi um dos fundadores, se arriscou, de maneira discreta e inteligente, a cutucar com vara curta a onça da ditadura. Não foi só isto.

Paulinho também se embrenhava, pela primeira e raríssima vez no campo da MPB e da moderna música brasileira, caminho aberto por artistas de vanguarda como Caetano Veloso e Gilberto Gil, em quem o autor confessa ter se inspirado.

A letra relata um encontro angustiante no trânsito, seguida por melodia que reproduz o sentimento de tensão. O expressivo título retrata com precisão o ambiente e clima vividos pelos brasileiros nos anos do regime militar.

“Sinal Fechado” serviu ainda de título para disco de Chico Buarque lançado em 1974, quando, perseguido pela ditadura, foi obrigado a gravar somente músicas alheias. Para maior surpresa, a música foi vencedora do V Festival de MPB da Record.

“Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida” (samba de carnaval, 1970) – Paulinho da Viola

Em 1968, a pedido de Hermínio Bello de Carvalho, que escreveu a letra, Paulinho da Viola compôs a melodia para “Sei Lá, Mangueira”, que se tornou uma das mais famosas exaltações à escola de samba de Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça e outros sambistas de estirpe. Portelense de coração, Paulinho acabou recebendo críticas e os olhares atravessados de seus colegas de agremiação.

Para compensar essa questão, saiu-se com a poesia e a melodia inebriante de “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida”, para saudar a sua amada Portela. O samba foi lançado em 1970, e fez enorme sucesso, estando, para sempre, ligado ao Carnaval. A música recebeu regravações de Elizeth Cardoso, Jair Rodrigues, Dóris Monteiro, Miltinho, e etc.

“Para Um Amor no Recife” (samba, 1971) – Paulinho da Viola

Com uma religiosidade fervorosa, o bamba Nelson Cavaquinho tinha na relação com a morte uma das suas principais inspirações. Alguns clássicos saíram dessa obsessão, como “Rugas”, “Luz Negra”, “Folhas Secas” e “Juízo Final”. A mais pitoresca, no entanto, certamente é “Depois da Vida”. Parceria com Guilherme de Brito e Paulo Gesta (parceiro de Ataulfo Alves em “Na Cadência do Samba”), “Depois da Vida” foi lançada por Paulinho da Viola em 1971. Para se aclimatar ao ambiente fúnebre da canção, Paulinho criou um arranjo sombrio, como se um vento uivante lentamente se aproximasse de nossos ouvidos com sua nostalgia. No mesmo LP, Paulinho gravou a melancólica “Para Um Amor no Recife”, de sua autoria, unindo samba e MPB...

“Dança da Solidão” (samba, 1972) – Paulinho da Viola

Em 1972, Elifas Andreato retratou Paulinho da Viola para o álbum “A Dança da Solidão” e, um ano depois, criou a ilustração de “Nervos de Aço”, que “mudou o conceito de capa da música brasileira”, atesta Andreato. “O (César) Vilela tinha feito um trabalho lindo para o selo Elenco, do Aloysio de Oliveira, mas era para uma música mais sofisticada. Ocupei um espaço que estava vago na música popular”, observa Andreato. “Dança da Solidão”, além da capa, também se consolidou como canção de rara sensibilidade de Paulinho da Viola. Um marco.

“No Pagode do Vavá” (samba, 1972) – Paulinho da Viola

É de dar água na boca. Do peixe com coco ao vatapá. A feijoada completa, sem dispensar o torresmo à milanesa. Para quem gosta tem até jiló. Quem nunca teve vontade de provar o famoso feijão da Vicentina? A receita que ficou famosa após ser cantada por Paulinho da Viola em samba composto por ele em 1972, é o grande motivo de festa “No Pagode do Vavá” e atiça paladar e ouvidos daqueles que não são da Portela e não sabem que “a coisa é divina”. Mas se não é possível provar o famoso feijão, o melhor a fazer é se deliciar com esse bem temperado samba de Paulinho da Viola: “No Pagode do Vavá”!

“Coração Imprudente” (samba-choro, 1972) – Paulinho da Viola e Capinam

Rígido com relação a seus princípios, mas maleável no que tange às possibilidades artísticas: esse é Capinam, que, em 1972, provou, mais uma vez, a sua versatilidade poética, ao escrever a letra para um samba-choro de Paulinho da Viola, “Coração Imprudente”. Mesmo ao abordar o universo das relações conjugais, Capinam não perdia a perspicácia. “O quê que pode fazer/ Um coração machucado/ Senão cair no chorinho/ Bater devagarinho pra não ser notado”, dizia a letra. Juntos, eles já tinham feito “Canção para Maria”, em 1966.

“Na Linha do Mar” (samba, 1973) – Paulinho da Viola

Paulinho da Viola inicia o samba “Na Linha do Mar” com uma informação que qualquer pessoa que já foi despertada pelo cacarejo do animal conhece: “Galo cantou às quatro da manhã…”. Não é por acaso que o galo é reconhecido como um despertador natural para quem trabalha na roça. Composto em 1973, foi gravado com enorme sucesso pela mineira Clara Nunes, em 1979, e, depois, por Clementina de Jesus. Famoso pela raça, o Atlético Mineiro adotou o galo como mascote para aludir ao espírito aguerrido. Já o CRB elegeu o galo de campina.

“Choro Negro” (choro, 1973) – Paulinho da Viola e Fernando Costa

O perfeccionismo de Paulinho da Viola é sublinhado por Ausier Vinícius, músico e instrumentista mineiro, proprietário do “Pedacinhos do Céu”, point do choro e da comida mineira, localizado no bairro Caiçara, que viveu um episódio inusitado com o artista: “Quando gravamos ‘Choro Negro’, ele me corrigiu uma nota, por ser um choro para cavaquinho muito bem elaborado”.

A respeito do nome da canção, Ausier esclarece com história aprendida pela vivência com o parceiro de Paulinho: “O Fernando Costa, que é o outro autor, me contou que estava com a Maria Bethânia na Alemanha em uma turnê, e, por ser cego, perguntou a ela como estava o dia. A resposta foi ‘negro’. Daí veio a inspiração”, conta.

“Argumento” (samba, 1975) – Paulinho da Viola

Diante das inovações apresentadas pela música brasileira, Paulinho da Viola se postou ao lado da tradição, mas não totalmente. Em “Argumento”, de 1975, ele clama: “Tá legal, eu aceito o argumento/ Mas não me altere o samba tanto assim/ Olha que a rapaziada está sentido a falta/ De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim”. Filho do violonista César Faria, do conjunto de choro Época de Ouro, Paulinho sempre reverenciou a tradição, ao mesmo tempo em que nunca fechou os olhos para o presente, mantendo-se nesse ponto mais preocupado com a eternidade do que com modernidades. Clássico!

“Pecado Capital” (samba, 1976) – Paulinho da Viola

O dinheiro é, em certa análise, a representação do poder, seja de compra ou de influência, no caso, em sentido abstrato, mas que determina a hierarquia na sociedade de classes. Paulinho da Viola, ciente dessa característica corruptível e leviana do dinheiro, que da mesma maneira que vem pode ir embora, compôs o samba “Pecado Capital”, para trilha da 1ª versão da novela da Rede Globo de mesmo nome no ano de 1976.

Afinal, quando Eva comeu a maçã, o homem, ao ser expulso do Paraíso, descobriu a ganância, a gula, a luxúria e outros pecados distantes do ideal franciscano de simplicidade e despojamento, inclusive dentro das instituições religiosas que se apoderaram do mito, mas não o seguem.

“Coração Leviano” (samba, 1978) – Paulinho da Viola

Nomeado “Ministro do Samba” por Batatinha em música com tal título, Paulinho da Viola aprendeu em casa os ensinamentos do ritmo. Filho de Benedito Faria, integrante do conjunto “Época de Ouro”, que era conduzido por ninguém menos do que Jacob do Bandolim, o filho mais velho do chorão célebre uniu as influências do chorinho ao samba para criar uma maneira única e inconfundível de cantar e compor, assimiladas à sua própria personalidade.

Por mais que cante desenganos, desamores, fracassos, Paulinho mantém certa calma na voz que é capaz de tranquilizar os corações mais aflitos. “Coração leviano”, um samba lançado no ano de 1978, reclama com a elegância típica do autor da deslealdade e ingratidão de quem “fere quem tudo perdeu”. Samba de primeira!

“Onde a Dor Não Tem Razão” (samba, 1981) – Paulinho da Viola e Elton Medeiros

Elton Medeiros (1930-2019) tinha fama de difícil, genioso. Suas melodias também não eram das mais fáceis. Apesar disso, quando tocadas, espalhavam uma beleza melancólica, que dava a impressão de simplicidade, resultado da perfeita harmonização entre suas partes. Como ninguém, ele dominava as capacidades percussivas de uma caixinha de fósforos, instrumento usado por bambas como o conterrâneo Zé Kéti (1921-1999) e o paulista Adoniran Barbosa (1910-1982). Com o parceiro mais constante, Paulinho da Viola, cunhou “Onde a Dor Não Tem Razão”, outro sopro de esperança em meio à sofreguidão: “Nele a semente de um novo amor nasceu…/ Livre de todo o rancor, em flor se abriu…”.

“Timoneiro” (samba, 1996) – Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho

Paulinho da Viola encomendou uma letra para Ferreira Gullar, que o presenteou com “Solução de Vida”, cujo expressivo subtítulo é “Molejo Dialético”. A música foi lançada por Paulinho, autor da melodia, em 1996, no álbum “BEBADOSAMBA”. Posteriormente, recebeu uma versão ao vivo em “BEBADACHAMA”, de 1997. Na capa do álbum, os traços inconfundíveis de um poeta da arte visual: Elifas Andreato, que acabou premiado por mais esse desenho histórico, assim como Paulinho pelo álbum. Mas o maior sucesso do disco foi “Timoneiro”, parceria com Hermínio Bello de Carvalho. Virou clássico!