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Zé Ramalho lança disco de inéditas após dez anos e não surpreende

Músico e compositor paraibano coloca na praça ‘Ateu Psicodélico’, expressão criada pelo mutante Arnaldo Baptista

Zé Ramalho canta com o Sepultura em ‘Ateu Psicodélico’, seu mais novo disco de inéditas

Não é de hoje que o lançamento de um disco de Zé Ramalho deixou de ser um acontecimento. Recluso, dado a raríssimas entrevistas, o músico tem se concentrado, nos últimos anos, a rever uma carreira de sucessos construída, sobretudo, no final da década de 1970, aqueles áureos tempos em que a música brasileira revelava uma nova geração de compositores nordestinos comandada por Ramalho, Fagner, Geraldo Azevedo, Alceu Valença e Ednardo.

Portanto não espanta que o anúncio de um novo trabalho de inéditas do criador de clássicos incontornáveis da nossa MPB, do calibre de “Admirável Gado Novo”, “Mistérios da Meia-Noite”, “Avôhai”, “Vila do Sossego”, “Garoto de Aluguel”, dentro tantos outros, tenha passado em brancas nuvens. Lá se vão dez anos desde que Zé Ramalho colocou na praça algumas novidades com “Sinais dos Tempos”, e, no mundo acelerado de hoje, tal período corresponde a uma eternidade. Mas se Zé não ligava de soar arcaico lá atrás, que dirá agora.

O vocabulário rebuscado, apocalíptico, retirado da leitura de livros profanos e sagrados, com aura mítica que se volta ao passado para auspiciar um futuro, frequentemente, de tenebrosa distopia, está de volta em “Ateu Psicodélico”, cuja maior novidade parece ser justamente esse título, extraído de um texto do eterno mutante Arnaldo Baptista em sua homenagem. Ramalho aceita a alcunha e com ela expressa seu universo particular de misticismo e ceticismo.

Ao longo de doze faixas, o músico rebobina essa receita que soava original quando ele a criou, mas já sem o brilho assombroso da surpresa. Acontece que o estilo de Zé Ramalho, já há um bom tempo cristalizado, acaba soando como mera repetição de outrora, o que se faz notar de modo inegável no título de “Beira-Mar, a Ressurreição”. É o ressurgimento de algo que já conhecemos. A voz do cantor permanece no mesmo lugar, até com mais gravidade, porém sem o mesmo poder de emoção, dada a previsibilidade de versos, sons, notas.

Até a capa do disco e seu aspecto descuidado reforça a impressão de algo impregnado ao passado, incapaz de se desvencilhar de uma estilização por demais depurada. Não faz mal. Para quem quiser ouvir Zé Ramalho, ele está de volta, após dez anos, canta com o Sepultura, apresenta xotes e rocks, fala de amor, sexo, da alma dos homens e de lugares por eles habitados, extrai o gosto fino das sensações daquilo que o mundo não sabe explicar, como assume em títulos de faixas do álbum, e não surpreende ninguém. É o mesmo.