Imagine um evento com Mick Jagger, Paul McCartney, David Bowie, Elton John, Queen, Led Zeppelin, B. B. King, Madonna, Eric Clapton, Black Sabbath e The Who. Essa reunião de gigantes da música mundial aconteceu no dia 13 de julho de 1985, em Londres e nos Estados Unidos, em um evento que ficou conhecido como Live Aid, que chamou a atenção do mundo para a fome na Etiópia e angariou milhares de doações para as pessoas necessitadas.
Durante os anos 1990, o dia 13 de julho passou a ser relembrado por locutores de duas rádios paulistas dedicadas ao rock, e logo caiu no gosto popular. A data passou a ser conhecida como “Dia Mundial do Rock”. A ironia é que, apesar do nome, ela só é comemorada no Brasil. Por isso, aproveitamos a ocasião para relembrar dez sucessos do rock, mas da nossa música brasileira.
“Nasci para Chorar” (rock, 1964) – Dion DiMucci em versão de Erasmo Carlos
Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford acusou e processou o Rei da música brasileira por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford.
O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960. No mesmo álbum que trazia o hit, Erasmo assinava versão de “Nasci para Chorar”, rock de Dion DiMucci regravado por Cássia Eller.
“Quero Que Vá Tudo Pro Inferno” (rock, 1965) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Nara Leão foi a primeira artista a dedicar um álbum inteiro à obra de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, quando artistas da MPB torciam o nariz para a dupla da Jovem Guarda. O que Nara não esperava é que depois ela teria problemas com isso.
Batizado de “…E Que Tudo Mais Vá Pro Inferno”, verso retirado de “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, rock de Roberto e Erasmo que se tornou o maior sucesso de 1965, o disco teve o título censurado pelo Rei, que passou a renegar a música por conta de sua conversão religiosa, que se tornou cada vez mais fanática. O disco de Nara fez tanto sucesso que teve até uma versão em castelhano, lançada no mercado latino. Apesar das polêmicas, ficou na história.
“Pare o Casamento!” (rock, 1966) – Kenny Young e Arthur Resnick em versão de Luiz Keller
Mineira de Governador Valadares, criada no Rio de Janeiro, Wanderléa já era a grande vedete da Jovem Guarda, movimento que incluiu a juventude no cenário da canção nacional, quando, em 1966, lançou o seu quarto LP, “A Ternura de Wanderléa”, que fazia referência ao apelido que ela ganhara comandando um programa de TV ao lado de Roberto Carlos e Erasmo Carlos na TV Record: “Ternurinha”.
Habituada a gravar versões de sucessos para rocks norte-americanos, a cantora voltou a apostar no gênero e obteve êxito. “Para o Casamento!”, versão de Luiz Keller para rock de Kenny Young e Arthur Resnick, parodiava uma inusitada situação sobre a qual as cenas de casamentos em filmes costumam alertar: “Fale agora, ou cale-se para sempre”.
“Sou Uma Criança, Não Entendo Nada” (rock, 1974) – Erasmo Carlos e Giuseppe Artidoro Ghiaroni
Em 1974, Erasmo Carlos compôs, com o poeta e jornalista Giuseppe Artidoro Ghiaroni, mais um dentre os inúmeros sucessos da Jovem Guarda. “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, lançada por Erasmo, e depois regravada em parceria com Arnaldo Antunes e mais tarde por Lulu Santos, se vale de um perspicaz jogo de palavras e situações para pôr em xeque as condições pré-estabelecidas do adulto e da criança.
Na composição, Erasmo e Ghiaroni expõem a ânsia da criança em se tornar adulto, e, na sequência, a nostalgia desse mesmo adulto em relação à sua infância, quando “por dentro com a alma atarantada/ sou uma criança, não entendo nada”, reafirmam nos versos finais da canção, também gravada pela banda gaúcha Cachorro Grande e pelo compositor carioca Oswaldo Montenegro, entre outros.
“Sociedade Alternativa” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Em 1974, Raul Seixas e Paulo Coelho pretenderam criar uma “Sociedade Alternativa”, espécie de retiro hippie que seria erguido em uma cidade de Minas Gerais, baseada nos preceitos do bruxo Aleister Crowley, onde eles construíram a autodenominada por eles, “Cidade das Estrelas”. Os princípios eles transforaram em letra de música, lançada por Raul no mesmo ano de 1974.
“Se eu quero e você quer/ Tomar banho de chapéu/ Ou esperar Papai Noel/ Ou discutir Carlos Gardel/ Então vá!/ Faça o que tu queres, pois é tudo da lei!”. A ideia de liberdade, infelizmente, terminou em quiproquó. Raul e Paulo Coelho foram presos, torturados e exilados pela ditadura militar brasileira.
“Esse Tal de Roque Enrow” (rock, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho
Em 1975, no disco “Fruto Proibido”, Rita Lee lançou a música “Esse Tal de Roque Enrow”, parceria com Paulo Coelho. A música transforma o gênero musical que modificou gerações em personagem. Ligado à juventude transviada que James Dean incorporou tão bem em seu filme, o tal de Roque Enrow parece estar virando a cabeça de uma “menina de família”, nesse embate de gerações que se acentuou durante a década de 1970. “Ela nem vem mais pra casa, doutor, ela odeia meus vestidos/ Minha filha é um caso sério, doutor/ Ela agora está vivendo com esse tal de Roque Enrow”, diz a mãe.
“Hot Dog” (rock, 1984) – Leiber e Stoller em versão de Leo Jaime
Cazuza e Leo Jaime sempre foram amigos de longa data. Foi Leo, inclusive, que indicou Cazuza para ser vocalista da banda Barão Vermelho, recusando ele mesmo o posto por considerar o estilo “pesado demais”, já que estava mais ligado ao rockabilly do grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.
Para compensar o fato de nunca terem composto uma canção juntos, exceção feita à debochada e brincalhona “me chamam pobre, mas meu nome é pobreza”, jamais registrada em disco; os dois celebraram a amizade nesta versão de Leo para “Hot Dock”, com a participação de Wanderley, o cachorro de Cazuza. A música também foi gravada por Angela Ro Ro.
“O Rock Errou” (rock, 1986) – Lobão e Bernardo Vilhena
“Não acredito em mais ninguém. Estou cansado de votar no menos pior e ele ser tão ruim quanto todos os outros. A partir de agora, serei sempre oposição. Sou do rock”, declara Lobão, que viu o espírito de “O Rock Errou”, parceria com Bernardo Vilhena de 1986, que atacava os políticos de direita Ronald Reagan e Margaret Thatcher e também o Papa e o Vaticano ser renovado.
A música foi lançada no álbum em que Lobão aparece na capa com Daniele Daumerie, então sua esposa, vestido de padre, enquanto ela está nua. Como sempre, o roqueiro provocava a moral e os bons costumes dos brasileirinhos...
“Índios” (rock, 1986) – Renato Russo
O ano de 1987 foi profícuo em canções com referência à política brasileira. Nenhuma delas elogiosa. Um dos que estendeu a bandeira com maior propriedade e relevância foi o compositor e vocalista da Legião Urbana, Renato Russo. O protesto tornou-se tão simbólico que é hoje praticamente um ditado popular: “Que País É Este?”.
A música aborda, de forma direta, episódios de corrupção e violência na política brasileira, e ainda chama a responsabilidade a todos, antes de chegar ao início do processo que teria se dado logo na “apropriação” do país pelos portugueses, quando o autor clama aos que aqui estiveram primeiro. “Quando vendermos todas as almas/Dos nossos índios num leilão”. Um ano antes, Renato compôs “Índios”, noutro alerta sobre o tema.
“O Tempo Não Para” (rock, 1988) – Cazuza e Arnaldo Brandão
Todas as músicas do espetáculo de lançamento do álbum “Ideologia” já estavam definidas quando Cazuza apresentou a Ney Matogrosso uma novidade. O antigo vocalista do grupo Secos e Molhados era o responsável pela direção, iluminação e cenografia do show. Amigos de longa data, Cazuza e Ney haviam sido namorados em meados da década de 1970.
Ao se deparar com a letra arrebatadora de “O Tempo Não Para”, Ney não teve dúvidas de que a música daria nome à turnê. Parceria com Arnaldo Brandão, “O Tempo Não Para” mescla a batalha pela vida de Cazuza com as agonias de um país em constante crise. “A música é sobre essa velharia que está aí e vai passar. Vão ficar as ideias de uma nova geração”, afirmou Cazuza. Ney, Simone e Zélia Duncan a regravaram.