Uma mulher morta com sinais de estrangulamento e violência sexual foi encontrada neste sábado (6) no Território Yanomami, em Roraima. Segundo a Polícia Federal (pf), o corpo foi levado para o Instituto Médico-Legal (IML) e o laudo da causa da morte deve ser divulgado durante a semana. A identidade da vítima não foi confirmada.
Ela estava em uma vala próxima ao local em que outros oito corpos de garimpeiros foram encontrados, na segunda-feira (1º), na comunidade Uxiú. Com essa morte, o número de vítimas chega a 14 em uma semana, em escalada de violência após tentativas do governo federal de expulsar da região os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais.
Isso ocorre na esteira da crise humanitária que deixou ao menos 570 crianças mortas, vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo as investigações. Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de “farsa da esquerda”.
De acordo com relatos de indígenas, pesquisadores e equipes de investigação, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) atua na reserva federal. No sábado passado (29), o agente de saúde indígena Ilson Xirixana foi morto com um tiro na cabeça e outros dois Yanomami ficaram feridos em estado grave. A suspeita da autoria do ataque recaiu sobre garimpeiros e equipes da PF foram enviadas ao local do conflito para ouvir testemunhas e fazer perícias.
No domingo passado (30), quatro garimpeiros morreram durante operação de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama na região de Uiaiacás, na Terra Indígena Yanomami. A PRF diz que a equipe foi recebida a tiros. Foram apreendidos um fuzil e armas de uso restrito. O ataque é investigado pela PF. Um dos mortos era foragido da Justiça do Amapá.
Na segunda-feira, os corpos de oito indivíduos, não indígenas, foram encontrados na reserva. Investigadores acreditam serem garimpeiros, mortos em represália pelo atentado de sábado. Há informações de que os corpos tinham perfurações e marcas de flechas. Em nota, a PF destaca o confronto entre os garimpeiros e os Yanomamis.
“Durante as diligências, a PF apurou indícios dos crimes cometidos contra os indígenas, ouviu testemunhas, realizou perícia de local de crime e aguarda a elaboração dos respectivos laudos e relatórios para prosseguimento das investigações”, diz o texto.
Durante a semana, em ação conjunta com o Ibama, a PF destruiu três aeronaves que dariam suporte a criminosos na região. Também foram destruídos combustíveis, acampamentos e maquinário encontrados em locais que ainda têm garimpos em atividade, e uma oficina clandestina, localizada na mata, que realizaria manutenção de aeronaves de garimpo. As ações fazem parte da Operação Libertação. As ações tiveram com apoio da FAB.
PCC atua como ‘síndico’ do garimpo ilegal
Conforme avança a retirada de garimpeiros ilegais do Território Indígena Yanomami, em Roraima, um problema começa a ficar cada vez mais evidente: a presença do PCC na reserva federal. A facção atua em uma lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. Integrantes da facção são os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e pela prostituição nas pequenas vilas, as “currutelas”.
Ao menos desde 2019, a atuação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça, e alterando até a forma como se vestem — eles agoram usam roupas pretas —, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque”, produzido por Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).
Conforme o documento, participantes do PCC têm se integrado às atividades de exploração de ouro. “O narcogarimpo vem permitindo a formação de estruturas mais bem equipadas, com armas e abordagens mais violentas aos indígenas”, afirma o documento. A constatação é a mesma de outra pesquisa, segundo a qual o principal interesse do PCC em Roraima é o controle das fronteiras para transportar drogas e armas.
“A atuação na zona de garimpo ocorre mais na ideia de controle do território, operando como braço armado do garimpo ilegal”, afirma relatório produzido por Instituto Clima e Sociedade, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Igarapé e Centro Soberania e Clima. “Uma das constatações que se faz, nesse sentido, é de que é muito dispendioso extrair o ouro, razão pela qual a organização criminosa prefere extorquir, roubar e fazer a segurança do local.”