Abrindo a programação de encerramento do ciclo Energia, do projeto Itatiaia Eloos, o primeiro painel discutiu os principais pontos relacionados à regulação e às perspectivas de investimentos no setor elétrico brasileiro. O debate destacou como um arcabouço regulatório sólido, segurança jurídica e planejamento podem garantir crescimento sustentável e previsibilidade para o setor.
Entre os desafios apontados estão o aumento da demanda por energia — impulsionado, entre outros fatores, pela expansão de data centers —, a necessidade de ampliar a matriz energética e a contradição entre geração barata e tarifas elevadas, além de gargalos estruturais que exigem altos volumes de investimento.
Mediado por Thaís Herédia, âncora da CNN, o painel contou com a participação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira; Gentil Nogueira, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Adriano Pires, sócio-fundador do CBIE; e Reynaldo Passanezi Filho, CEO da Cemig.
Marco regulatório
Gentil Nogueira falou sobre o marco regulatório do setor. “A eletrificação fará cada vez mais parte da sociedade. Há uma mudança em curso e a eletrificação veio para ficar, nos carros elétricos, na indústria com a descarbonização. Tudo isso aumentará o uso de energia elétrica nos próximos anos. Os data centers terão grande evolução no Brasil e no mundo. Hoje, 2% da energia mundial é destinada a eles, mas isso deve chegar a 4% nos próximos anos e alcançar 10% em 15 anos”, afirmou.
Segundo ele, para que essa expansão ocorra, será necessário garantir regulação estável e segurança jurídica. “Os investimentos vêm com confiança na legislação e nas decisões sociais, dos consumidores e dos empresários”, disse.
Gentil também destacou mudanças necessárias na geração e no armazenamento de energia. “Hoje temos energia barata em determinados momentos, e em outros não. A solar cresce cada vez mais em Minas, mas em certos horários precisamos de outras fontes. Esse equilíbrio é essencial e deve ser buscado por meio do armazenamento — seja em baterias, em sistemas hidráulicos reversíveis ou gás natural para momentos de pico.”
Sobre o tema, comentou ainda os desafios tarifários. “Como cobrar pelo uso da rede, já que o armazenamento pode funcionar como gerador e consumidor? Com a Medida Provisória 1.304/2022, criamos um ambiente regulatório mais estável para dar segurança em leilões e estabelecer direitos para os próximos anos. O armazenamento será central, e as empresas vão compreender melhor seu papel”, afirmou.
Reynaldo Passanezi Filho falou sobre a preparação da Cemig para a transição energética. “No longo prazo, o Brasil pode ser ainda mais protagonista na transição, que é uma macro tendência global, com investimentos que se aproximam de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do país.”
Ele acrescentou que o país pode se tornar referência mundial em descarbonização, dada a abundância de recursos naturais. “A meta é termos uma matriz limpa daqui a alguns anos. O diferencial do Brasil é chegar a 2050 com uma matriz totalmente limpa. Isso abre espaço para utilizarmos energia verde, e os avanços tecnológicos permitem incentivar tecnologias maduras.”
Investimento público x investimento privado
Adriano Pires ressaltou a necessidade de equilíbrio entre investimento público e privado dentro do marco regulatório. Ele afirmou: “O mundo passa por uma transformação gigante — o que chamo de quarta revolução industrial, com data centers, IA etc. Se olharmos macroeconomicamente, estamos sendo moldados por questões geopolíticas, ambientais e pela geoeconomia. O Brasil precisa estar atento a essas mudanças que vêm da energia. O século atual é o da eletricidade, do elétron. Temos diversidade energética, mas também muitos desafios. Há oferta elevada, porém com preço alto e risco de apagão.”
Pires também apontou entraves regulatórios. “É um grande desafio modernizar a governança do setor. Precisamos de uma regulação que considere o social, especialmente a conta de energia do consumidor de baixa tensão. É preciso equilíbrio entre investimento público e privado, e regras que acompanhem o mercado. A principal mudança para evitar luz cara e risco de apagão é modernizar a tarifa. Não estou preocupado com o tipo de investimento, mas sim com políticas que considerem o consumidor. O Brasil tem condições de ser protagonista nesse novo cenário, com todos os elementos para enfrentar essa nova fase industrial.”
Transparência
Sobre a Medida Provisória, o deputado Diego Andrade fez uma analogia com condomínios para explicar os desafios à frente, defendendo ajustes para corrigir eventuais erros e ampliar a transparência da legislação.
“Precisamos colocar luz e clareza em como são feitos os cálculos entre quilowatt-hora e custos. O problema do Brasil são os subsídios: uns pagam muito, outros pouco. A Aneel tem revisado cada linha desses cálculos. A MP avançou ao promover o mercado livre, hoje disponível para grandes consumidores, permitindo redução na conta ao comprar energia de forma separada. Isso possibilita ao brasileiro escolher de quem comprar energia. O grande problema está na operação do sistema. Precisamos entender conceitos e apoiar novas tecnologias. O setor precisa se organizar melhor, com foco no interesse público. Precisamos de segurança”, afirmou.
Ele também comentou avanços do marco regulatório. “O consumo cresce exponencialmente e não podemos abrir mão de fontes de geração, precisamos equilibrar subsídios. Temos avanços claros nas leis, como o acesso a novas fontes verdes. Com o armazenamento externo, surgem inúmeras possibilidades. O Congresso deu um passo importante, mas ainda tímido na estabilização. É preciso garantir segurança jurídica para quem já investiu e comunicar melhor ao cidadão.”
Gentil Nogueira falou ainda sobre os preparativos da Aneel para lidar com mudanças e incertezas. “O Brasil tem uma matriz hidrelétrica grande e centralizada. O que mais cresce são fontes não controláveis, como geração distribuída em residências ou centrais que não têm comando do ONS. Isso é positivo, mas o setor tem dificuldade em repassar ao consumidor os valores das tarifas. O mundo está mudando, mas o Brasil ainda não caminhou na direção de informar o consumidor sobre os melhores horários para consumir e pagar menos. Ele precisa saber sobre oferta e escassez. O desafio da Agência é fazer a informação chegar. Uma pessoa com painel solar poderá, por exemplo, instalar bateria e usar à noite a energia gerada, compensando o valor investido”, afirmou.
Passanezi também tratou dos riscos de governança no setor. “O setor elétrico é um dos mais bem regulados, e isso é um diferencial competitivo para o Brasil. Do ponto de vista da empresa, temos uma situação excepcional: a Cemig tem uma das melhores governanças do país, independente e sem interferências políticas, com um conselho que apoia as decisões. Tenho orgulho dos meus anos na empresa, com decisões sempre unânimes e com apoio dos acionistas”, disse.
Ele citou ainda exemplos sobre excesso de geração e tarifas elevadas. “O consumidor da Cemig paga, em média, R$ 1.000 o megawatt-hora. Sem subsídios, esse valor poderia ser 35% menor. Uma conta de R$ 150 poderia cair para cerca de R$ 100. São números expressivos que mostram o potencial do Brasil para adotar novas políticas, ampliar armazenamento e atrair investimentos.”
Para concluir, relatou o tamanho da energia não aproveitada no país. “O Brasil tem hoje 9% de carga não utilizada, talvez uma das maiores do mundo. Esse é nosso diferencial: precisamos trazer mais estabilidade e armazenamento para evitar oferta sem capacidade de escoamento.”