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Reserva legal e o direito de propriedade

Áreas de reserva legal devem ter sua vegetação preservada, sendo permitido, como atividade econômica, o manejo sustentável

Jurisprudência do STJ tem entendimento de que o novo proprietário do imóvel é responsável pela recuperação e manutenção da reserva legal

A propriedade era um direito inviolável e sagrado, sendo que ninguém dela poderia ser privado, conforme descrito no art. XVII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Durante muito tempo, era considerada como símbolo de poder político e financeiro. Um homem valia mais pela quantidade de terra que possuía. Entretanto, este direito absoluto da propriedade não condiz mais com a atualidade. A propriedade, hoje, deve atentar para o bem social e do meio ambiente. A função social descrita na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002 assim determinam.

A CF trouxe em um capítulo um tema tão importante e fundamental na vida de todos os seres vivos. Inserido no Título VIII- Da Ordem Social, o capítulo VI assegura no seu art. 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e logo em seguida, impõe ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O Código Civil de 2002, também afastou o individualismo, coibindo o uso abusivo da propriedade, que deve ser utilizada para o bem comum, trazendo também a sua função social.

No intuito de atingir o bem social, ou seja, a preservação do meio ambiente, entra em cenário a reserva legal, trazida pelo Código Florestal e que limita o uso da propriedade como uma forma de tutelar o meio ambiente para a atual e futuras gerações.

A reserva legal é definida como a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. As áreas de Reserva Legal devem ter sua vegetação preservada, sendo permitido, como atividade econômica, o manejo sustentável.

As áreas de reserva legal possuem como característica específica, as obrigações propter rem, que significam “por causa da coisa”. Assim, se o direito de que se origina é transmitido, a obrigação o segue, seja qual for o título translativo.

Ao dizer que a reserva legal teria natureza propter rem, afirma-se que a obrigação ambiental segue o bem, se adere a ele, e, não a seu eventual proprietário. Desta forma, é irrelevante quem seria o proprietário, o seu caráter é mais real e não pessoal. Não interessa quem foi, é ou será o proprietário da terra, se tem alguma reparação a ser feita por causa de dano causado, essa obrigação segue o dono.

Dessa forma, as obrigações ambientais ostentam caráter propter rem, isto é, são de natureza ambulante, ao aderirem ao bem, e não a seu eventual titular. Daí a irrelevância da identidade do dono-ontem, hoje e amanhã, exceto para fins de imposição de sanção administrativa, civil e penal.

Com isso, a jurisprudência do STJ sobre a matéria passou a assentar o entendimento de que o novo proprietário do imóvel é responsável pela recuperação e manutenção da reserva legal” (...) “a obrigação de conservação dos espaços é transferida ao adquirente.

Portanto, a obrigação é transferida automaticamente ao novo titular do imóvel, independentemente de ele concordar com ela e independentemente da forma como foi adquirida e transmitida a propriedade, se a título oneroso ou gratuito, se de boa ou má-fé.

Cristiana Nepomuceno é bióloga, advogada, pós-graduada em Gestão Pública, mestre em Direito Ambiental. É autora e organizadora de livros e artigos.