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Quais os principais pontos a serem citados na redação do Enem? Historiadora avalia o tema

Neste domingo (5), quase 4 milhões de estudantes realizam o primeiro dia das provas

As provas aplicadas hoje serão Ciências Humanas e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Redação

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023 é “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, conforme divulgado pelo Inep.

Neste domingo (5), quase 4 milhões de estudantes realizam o primeiro dia das provas, com provas de Ciências Humanas e suas Tecnologias (História, Geografia, Filosofia e Sociologia); Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Português, Literatura, Artes e Língua Estrangeira); Redação (Dissertativa-argumentativa).



A historiadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Regina Helena, analisou o tema e avaliou quais são os principais pontos a serem destacados pelos participantes na redação. Confira:

O que justifica a escolha do tema?

"É um tema tão importante, fundamental e abandonado. Há pouco entendimento, compreensão e reconhecimento desse trabalho. Nós também estamos num país de mais mulheres, como mostrou o Censo, então mostra que nesse país a maioria da sua população tem dupla, tripla jornada de trabalho”

O que significa o trabalho de cuidado no Brasil?

“No mundo que a gente vive o trabalho de cuidado não é considerado trabalho. Para muitos é considerado uma obrigação, a mulher tem obrigação de cuidar dos filhos, da casa, do marido, de prover carinho, atenção, de cuidar da alimentação, do físico dos filhos. No Brasil, o cuidado é sempre considerado menor, um país que se formou sobre bases escravocratas, que as pessoas são cuidadas por outras, e essas outras não são consideradas enquanto trabalhadores, é isso que a gente herdou. As mulheres têm todo esse trabalho, mas aqui no Brasil, o cuidado não é igual a trabalho.”

Por que esse trabalho é considerado invisível?

“Não é igual a trabalho e isso faz com que esse trabalho seja totalmente invisível, porque é considerado obrigação, considerado papel da mulher, aquilo que a mulher ‘tem que fazer’ se ela estiver em casa com filhos, se tiver ou não marido ou uma esposa, então a mulher tem que cuidar, é assim a nossa criação. Esse trabalho é totalmente invisível porque se naturalizou esse lugar da mulher.”

Por que esse tipo de trabalho é associado a mulheres?

“A mulher ela engravida e cuida durante 9 meses daqui ele ser humano que vai nascer de dentro dela, então a gente já nasce cuidado por uma mulher. Por sermos uma sociedade patriarcal, pelas mulheres não serem reconhecidas em igualdade com os homens, às mulheres sempre foi dado um papel secundário no mundo de trabalho. É muito recente a nossa participação com um pouco de igualdade aos homens. A mulher foi relegada à casa, o cuidado, o trabalho com as crianças, e a gente herda isso.”

Quais seriam esses desafios?

“Nosso desafio hoje é garantir o respeito, o reconhecimento e a valorização desse trabalho que a mulher faz. É um trabalho como outro qualquer, é um trabalho que, diferente dos outros, requer afeto, carinho e cuidado. A gente se esqueceu do significado da palavra, o que hoje a gente enfrenta é o desafio de tentar entender que o desafio é duplo, pensando no lugar da mulher. Quando a vamos para o mundo do trabalho e as nossas filhos ficam em casa e a casa fica sem a gente para cuidar, quem entra no nosso lugar e cuida da casa e cuida dos nossos filhos? Outra mulher. Essa rede de cuidados que é necessária para bebês, crianças, adolescentes e adultos não é entendida enquanto um fazer, um trabalho. Hoje é crescida a carga que as mulheres carregam pelo envelhecimento maior da população brasileira, que traz outro desafio, que é o cuidado das pessoas com 70, 80 e 90 e, quem da família que cuida dos pais, é a mulher. Muitas mulheres que eu conheço cuidam dos filhos, da casa, dos pais adoentados. O grande desafio hoje é entender que a mulher é um ponto fundamental do mundo que a gente vive não, só o homem que traz o dinheiro para casa, a mulher também traz mas, mais do que isso, a casa tem que existir, a família tem que existir, o lugar para onde voltar tem que existir, e quem garante isso, hoje, são as mulheres.”

Pensando na redação do Enem, quais pontos você considera fundamentais de serem mencionados?

“Pensando enquanto uma redação do Enem, é importante mostrar a constituição da nossa sociedade, com o número maior de mulheres do que de homens. Mostrar o tipo de trabalho que a mulher já faz fora de casa e que isso tem uma remuneração que é fundamental na casa. Mostrar que pelos dados do nosso país aumentou em muito o responsável a pessoa responsável pela família e pelos filhos ser mulher, o triplo trabalho das mulheres com relação aos filhos, cuidados da casa e trabalhar fora e o quádruplo do trabalho agora, acrescentando também, as pessoas mais velhas, que requerem cuidados. É o formato da nossa sociedade, o lugar da mulher nessa sociedade, a especificação da pirâmide etária dessa sociedade e o que é que as mulheres têm feito para que essa sociedade continue.”

Conversa com especialista

Em conversa com a reportagem da Itatiaia, a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPEM-UFMG), Marilise Matos, também comentou sobre a importância da discussão do tema para auxiliar no combate à esse estigma.

Qual a importância do debate desse tema nos dias atuais?

“Esse tema da redação do Enem é muito bem-vindo. Ele coloca foco sobre uma situação muito grave e que foi ainda mais agravada com a pandemia. Saímos da pandemia mas a sobrecarga do trabalho feminino ficou ainda maior. Uma pesquisa do IBGE de 2019 feita com população de 14 anos e mais mostra que, em média, essas pessoas dedicavam 16,8 horas semanais com afazeres domésticos e cuidados com pessoas da família. Do todo, 21,4 horas eram executadas por mulheres e 11 horas pelos homens, ou seja, mais de 10 horas de diferença. As mulheres estão em uma história quase ancestral de realização de trabalhos absolutamente invisíveis que é realizado para alimentar, lavar roupa, passar roupa, cuidar da criança, do bebê, do idoso, do doente, tudo isso é trabalho realizado basicamente pelas mulheres. Então é muito atual, muito importante e muito relevante esse tema. Que bom que o Enem está lançando luz nesse sentido e vai movimentar a discussão pública em torno desse tema.”

O que justifica essa invisibilidade?

“O que justifica essa invisibilidade é a naturalização dessa divisão sexual do trabalho que existe nas sociedades enraizadamente patriarcas e racistas, como a nossa. Montamos uma arquitetura social que dividiu o masculino, feminino, público e privado. Então a esfera privada é basicamente a esfera dos trabalhos reprodutivos do mundo, da realidade da família, do cuidado das pessoas, que é realizado pelas mulheres, e o mundo público é uma atividade, uma atribuição, uma responsabilidade masculina, o trabalho produtivo, a política e tudo mais. Essa é uma divisão absolutamente falsa diante da realidade que nós estamos vivendo. Estamos na última fronteira que é tentar, mesmo com toda a violência política, entrar nos Espaços políticos de tomada de poder e de decisão, o que torna invisível é essa esse binarismo fundado pela sociedade patriarcais que divide o trabalho de forma masculina e feminina a partir desses estigmas, desses estereótipos e legitima sanciona o trabalho doméstico, o cuidado, a família, como sendo uma atribuição em um papel exclusivamente feminino e o trabalho no mundo público, no mundo do salário, no mundo da política como trabalhos, socialmente legítimos pros homens.”

Na sua opinião, quais seriam esses desafios?

“O primeiro de todos desafios é tirar do silêncio essa discussão, que na verdade não é só invisível, é silenciada. Pensar em uma forma equilibrada do trabalho de cuidados, uma distribuição mais equânime, justa e democrática do trabalho de cuidado implica em envolver os homens, isso é algo que realmente tá longe de acontecer na sociedade brasileira. É um desafio também pensar em políticas públicas estatais não só de governos, mas políticas de estado que vão enfrentar essa questão. O segundo imenso desafio é compartilhar isso com o Estado, pensar, como eu chamei atenção, em políticas que podem ser desenvolvidas pela Assistência Social, pelo Desenvolvimento Social, na área da Saúde, da alimentação, em todas as áreas. Para que a gente possa tirar um pouco dessa sobrecarga dos ombros das mulheres brasileiras.”

Pensando na redação do Enem, quais pontos você considera fundamentais de serem mencionados?

“Eu entendo que abordar o contexto, destacando a diferença de trabalho realizado, por homens e mulheres, é o ponto de partida essencial. Qualquer pesquisa sobre o uso do tempo e qualquer sensibilidade a mais que eles tenham para olhar para dentro das suas próprias casas, vão perceber que existe uma desigualdade de tratamento, de uso de horas entre homens e mulheres. É importante chamar atenção que as mulheres são sobrecarregadas. Outro ponto importante é destacar de onde vem essa história, porque construímos uma sociedade do privilégio masculino de não ter que se haver com o cuidado e afazeres domésticos, então é importante desconstruir essa ideia.

O terceiro ponto seria pensar no aspecto compartilhado da função do cuidado. No mundo complexo que vivemos já há acesso a inúmeras informações, tecnologias e possibilidades de repensar a exclusividade desse trabalho realizado só pelas mulheres. Por fim, outro ponto interessante seria se a juventude conhecesse a Política Nacional de Cuidados, que está sendo elaborada pelo Governo Federal e pretende fazer esse enfrentamento.”

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