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Discord: qual o perfil das vítimas aliciadas pelos criminosos?

Agressores cometem “estupro virtual”, aliciam menores e induzem vítimas ao suicídio

Agressores ameaçavam divulgar fotos e vídeos íntimos das vítimas

Nesta semana, quatro pessoas, entre elas dois adolescentes de 14 e 17 anos, foram presas suspeitas de aliciarem menores de idade e cometerem crimes virtuais na plataforma Discord. Os suspeitos também são acusados de estuprar e agredir duas adolescentes. As meninas, uma de 13 anos e outra de 16, foram ao encontro dos criminosos após se conhecerem pelo aplicativo.

Segundo a Polícia Civil de São Paulo, todos os quatro agressores se conheciam. Os jovens chantageavam e constrangiam as vítimas para que cumprissem ‘desafios’. Caso elas não obedecessem, elas teriam fotos e vídeos íntimos vazadas.

O crime é caracterizado como “estupro virtual”. De acordo com a delegada Cristiana Angelini, chefe da Divisão Especializada de Investigação aos Crimes Cibernéticos, os agressores pedem para que as vítimas façam vídeos com conteúdo sexual, sob a ameaça de divulgar fotos íntimas.

Mas o que leva meninas tão jovens a serem vítimas de crimes hediondos? A delegada explica que os criminosos são, na maioria das vezes, adultos que se passam por crianças ou adolescentes para ganhar a confiança das vítimas.

“A criança passa a confiar, muitas vezes por ingenuidade, ou porque o agressor as ilude. Nos casos de jogos online, por exemplo, eles chegam a oferecer benefícios para passar de fase. São adultos manipulando crianças para cometer crimes contra sua dignidade sexual”, ressalta.

“Alto padrão de vulnerabilidade”

Segundo a psicóloga Bárbara Neto, especializada no atendimento de adolescentes, os agressores “escolhem” as vítimas com base em um perfil de vulnerabilidade.

“São meninas que já possuem um alto padrão de vulnerabilidade. Normalmente essas adolescentes tem uma estrutura familiar rompida, vivem em lares agressivos e violentos, ou, até mesmo, sofrem uma falta de atenção dentro de casa”, afirma.

Segundo a psicóloga, essas vítimas acabam se tornando “presas” mais fáceis por buscarem um carinho que não encontram na família. “Essa criança ou adolescente muitas vezes é ignorada pelos pais, violentada. Então ela está carente de atenção, afeto. A partir daí ela começa a confiar em quem oferece esse carinho que ela não recebe em casa”, explica.

Criminosos induzem vítimas ao suicídio

Além de crimes como estupro, agressão e associação criminosa, os criminosos foram indiciados por indução ao suicídio. Segundo a psicóloga, as palavras de ordem dos abusadores podem potencializar os sentimentos das vítimas, as levando até mesmo ao suicídio.

“O ambiente virtual faz com que essa enxurrada de comentários dizendo para a vítima a se matar causem uma verdadeira explosão. Se fosse apenas uma fala, ela poderia até machucá-la, mas não teria esse potencial que os comentários em massa possuem”, ressalta.

Busca por pertencimento pode explicar atitudes de vítimas e criminosos

Segundo Bárbara, os adolescentes mais jovens, entre 13 e 15 anos, são extremamente influenciáveis e clamam por atenção e pertencimento. “Quando esses adolescentes veem que estão ganhando visualizações com as suas atitudes e estão se sentindo pertencentes de um grupo, a tendência é continuar agindo daquela forma”, conta.

Esse desejo de ser visto, amado pode tanto explicar o comportamento das vítimas, quanto dos agressores. “Os agressores também podem agir assim por querer pertencer a um grupo, mas ouros fatores também devem ser considerados para tentarmos entender o por que agem com tanta violência. A sensação de impunidade e de que a internet é uma “terra sem lei”, abusos anteriores e falta de exemplos em casa também podem explicar o comportamento desses jovens agressores”, diz.

Sinais de alerta

Segundo a delegada, os pais devem ficar atentos a alguns sintomas e comportamentos para identificar se uma criança ou adolescente está sendo vítima de um crime virtual. “A vítima normalmente tem uma mudança de comportamento, ficando mais irritada, deprimida e se isolando. A a criança também pode apresentar um comportamento evasivo em relação aos dispositivos eletrônicos. Ou seja, ela pode não querer que os pais vejam o seu computador ou celular, tentando esconder o que tem ali”, aponta.

Angelini também esclarece a importância de conversar com as crianças sobre os perigos da internet e denunciar qualquer abordagem invasiva. “Os pais devem ter uma comunicação aberta com os filhos sobre os perigos da internet. Eles precisam orientar as crianças a não enviarem fotos ou informações íntimas, que identifiquem onde mora e onde estudam. Além disso, é muito importante denunciar qualquer tentativa de estupro virtual pelos telefones 197, 80 ou 190".

*Sob supervisão de Lucas Borges

Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.