De uma simples curiosidade pela variedade crioula de milho, nasceu um projeto que tem contaminado produtores rurais e chefs de grandes restaurantes do país e ainda aberto as portas para a produção, em larga escala, dessa cultura ancestral que, literalmente, tem raízes no México. É o Projeto Crioulo, idealizado pelo engenheiro agrônomo mineiro, Lucas Souza, de 40 anos.
Dono da fazenda Vista Alegre, na região de Capim Branco e de uma empresa de venda e produção de hortaliças orgânicas - a Vista Alegre Orgânicos - Lucas conta que a primeira variedade de milho crioulo com a qual teve contato, foi um milho preto, presente de um agricultor vizinho, a seu sócio, Marcone. “Gostava de mostrar para as visitas, dava de presente para os amigos e, eventualmente, usava no preparo de algum prato em casa”.
Até que, em 2016, ele ganhou de um outro vizinho, dois quilos de sementes de uma outra variedade de milho: o vermelho. Novamente, ele ficou curioso e decidiu plantar. A produtividade surpreendeu a todos, com espigas muito maiores e bem formadas. Ele colheu, fez a seleção, replantou e chegou a comercializar 30 toneladas, na ocasião.
Cada vez mais empolgado, Lucas adquiriu um moinho de pedra e começou a fazer fubá para consumo próprio. O resultado foi um produto fino e muito saboroso. ”Percebemos que tínhamos em mãos um produto diferenciado. Voltamos a ter o bolo de fubá que a gente comia antigamente com sabor intenso de milho”.
Foi exatamente essa memória afetiva dos tempos em que era menino na mesma fazenda que pertence à sua família há 42 anos, que Lucas teve o insight para começar a produzir o milho vermelho numa escala maior. Sua ideia era que produtos finalizados, nutritivos e livres de agrotóxicos, chegassem à mesa das pessoas. “Cheguei num ponto que queria ir além da mera multiplicação das sementes”, explicou.
Fubá
O fubá foi o primeiro produto que Lucas, com a ajuda de seus cinco irmãos, começou a trabalhar. Nessa caminhada, encontrou outras pessoas que foram fundamentais. A designer Anna Guasti, que tem uma agência que conecta pequenos agricultores e chefs renomados, foi uma delas.
Aula-show
“Ela era minha cliente dos hortifruti orgânicos. Conversando, descobrimos que podíamos unir forças”. Foi a Ana quem o ajudou a organizar uma aula-show em São Paulo, na Escola de Gastronomia Wilma Covezi, para apresentar o projeto Crioulo a chefs e jornalistas especializados em gastronomia.
Na ocasião, os proprietários e chefs do restaurante mexicano Metzi fizeram demonstrações de como o milho poderia ser usado na culinária mexicana, com direito ao preparo ao vivo de deliciosas tortilhas de milho. O evento teve ainda bolo de fubá, da chef Bel Coelho; chocolate com milho, da Kalapa Chocolate, de BH, e uma bebida fermentada de milho, feita pela Cia dos Fermentados.
Deu certo. Hoje, muitos cozinheiros famosos e donos dos estabelecimentos presentes nesse evento são parceiros do projeto Crioulo como, por exemplo, a Casa do Porco, considerado o melhor restaurante do país, o próprio Metzi; o restaurante Pacato, de BH; o Mocotó, de SP e o Dalva e Dito, do conhecido chef Alex Atala.
Parceria com a Embrapa
Há um ano, Lucas também firmou parceria com a Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas. Um grupo de pesquisadores tem acompanhado o desenvolvimento econômico das variedades crioula e o cultivo propriamente dito, testando diferentes técnicas de manejo.
“Estamos desenvolvendo, juntos, um sistema de plantio pra essas variedades, sem o uso de agrotóxicos. Já temos dados muito interessantes, com produtividades muito boas, acima da média das variedades convencionais e a um custo menor. Como trabalhamos com adubação verde, não ficamos dependentes de adubos ou fertilizantes químicos, que encarecem a produção”, explica o engenheiro. A previsão para esse ano é que a Vista Alegre produza 40 toneladas de milho crioulo.
Caminho até o Consumidor
O próximo passo é fazer o produto entrar em algumas redes de supermercados, ampliando o mercado e diminuindo a distância até o consumidor final. “Cumprido esse objetivo, partiremos para o terceiro passo que é a busca pela ampliação da rede de produtores parceiros. Precisamos formar uma rede de produção, pensando no sistema de produção agroecológico, sempre. Como pensamos em fazer isso? Por meio da realização e/ou participação em Dias de Campo e da remuneração diferenciada em relação ao milho convencional, em torno de 30 a 50% acima. Além disso, queremos ajudar essa rede de produtores oferecendo assistência técnica e tudo o que temos aprendido aqui na Vista Alegre”.
Lucas, hoje, comercializa o fubá com grão vermelho, preto e amarelo; a canjiquinha de milho amarelo e o milho de pipoca colorido em embalagens estilizadas, assinadas pela Anna Guasti; consolidando duas vertentes de trabalho: uma de pesquisa, por meio da qual testa as variedades, vendo qual se adapta melhor a determinado solo ou clima e analisando qual tem maior potencial para se tornar um produto comercial.
Infelizmente, hoje vemos que a agricultura familiar está cada vez mais dependente dos insumos químicos e isso inviabiliza tudo. “Nossa ideia é viabilizar, por meio de um produto diferenciado, a produção em pequena escala de milho e, mais pra frente, também de feijão”.
“As sementes são muito caras, o adubo é muito caro, o mercado paga pouco. Então, através desse resgate das variedades crioulas, queremos resgatar também pequeno agricultor por meio de um produto que conta a própria história dos produtores e de seus ancestrais”.
Origem do Milho Crioulo
Há mais de 7.000 anos, por meio da seleção de sementes e do cruzamentos de espécies, foram os mexicanos quem transformaram um capim ramificado e sem sabugo, semelhante ao trigo, em diferentes tipos de milhos. O resultado foi um cereal com grãos que enchem os olhos, por sua diversidade de cores, tamanhos e texturas. São chamados crioulos apenas os grãos que não foram apropriados pela indústria e preservam suas características naturais.
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