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Parceiro de Savinho na base do Atlético brilha como barbeiro de astros do futebol europeu

Wesley Mendes abdicou do futebol, se reinventou cortando cabelo e hoje vive em Manchester

Wesley e Savinho em Manchester, na Inglaterra

Criado na base do Atlético, Wesley Mendes realizou o sonho de muitos jovens jogadores. De uma forma diferente, ele foi para a Europa e hoje convive com estrelas do futebol.

Wesley abdicou do sonho de ser jogador e hoje, aos 21 anos, brilha como barbeiro de grandes estrelas do futebol internacional, como Ederson, Phil Foden, Bernardo Silva e Savinho, do Manchester City, Rodygo e Vinicius Júnior, do Real Madrid.

Natural do Bairro Jardim Guanabara, em Belo Horizonte, Wesley vem de uma família humilde. Foi criado com a mãe, Fabiana, e a irmã, Thaís. A intimidade com a bola surgiu na infância, quando se destacava jogando na escola. Até que, aos 12 anos, uma pessoa se surpreendeu com seu talento e o levou para fazer um teste numa escolinha do América em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Wesley passou no teste, mas por falta verba, sua mãe não conseguiu manter suas idas à escolinha. Mas a progenitora manteve contato com o pessoal do América e um dia eles a perguntaram se seu filho poderia participar de um torneio na Toca da Raposa I, chamado Taça das Comunidades.

A mãe o levou para o torneio, que foi realizado em três dias – sexta, sábado e domingo. Pela escolinha do América, Wesley jogou contra Atlético, Cruzeiro e outros times, chegando à semifinal da competição. Um mês depois, ele recebeu um convite para jogar na base do time celeste.

Como o Cruzeiro tinha categoria de base só a partir do sub-14, Wesley precisou passar por um longo período de teste na Toca da Raposa.

“Eles gostaram de mim. Me deram auxílio, passagem, comida e eu fui evoluindo. A partir disso entrei numa nova vida. Estava jogando, vivendo meu sonho”, conta o ex-jogador.

Wesley permaneceu no Cruzeiro até os 14 anos. Durante o período, conheceu Ehler Pessoa, que se tornou seu empresário e pai da então jovem promessa.

Chegada ao Atlético

Wesley no Sub-16 do Atlético

Logo em seguida, surgiu uma oportunidade no Atlético. Wesley passou numa peneira no time alvinegro e lá viveu seu auge na base. Conquistou vários títulos com a camisa preta e branca:

  • Campeão Mineiro Sub-15 em 2019
  • Brasileirinho Sub-14 de 2018
  • Quadrangular da CBF Sub-14 de 2018
  • Copa União Sub-14 de 2018
  • Copa Timóteo Sub-14 de 2018
  • Foi vice-campeão da Copa Volta Redonda Sub-14 de 2018

Além disso, ele criou uma forte amizade com três colegas de campo: Yan Philipe, Isaac, Savinho e Pedro Henrique. Hoje, eles jogam em Atlético de San Luis-MEX, Nacional-POR, Manchester City-ING e Carlos Renaux-SC, respectivamente.

A amizade com seus companheiros de base o ajudou a passar por um momento difícil. A mãe de Wesley sofre de alguns problemas de saúde físico e mental. As pedagogas e psicólogas do Atlético, na época, passaram a visitar a casa do garoto e recomendaram que o jovem se mudasse para a Cidade do Galo.

“Ficamos muito amigos, éramos ‘tudo favelado’. Éramos mais da brincadeira e o futebol foi me dando felicidade, A amizade com eles estava me dando combustível no momento mais difícil da minha vida. Eles viam a realidade que eu tinha dentro de casa e também não tinham uma realidade fácil. Eles me abraçavam, a gente brincava, esquecia do mundo”, relata Wesley.

Toda ajuda de custo que o Atlético dava a Wesley, ele enviava para sua mãe. Às vezes, pedia R$ 10 ou R$ 20 para tomar sorvete com os amigos de base no Shopping Estação.

“Saíamos nós quatro, íamos para o Burguer King, que tinha uma promoção: um hambúrguer e o refil de refrigerante ilimitado. Nós não tínhamos dinheiro para comprar, então esperávamos a galera terminar de beber o refrigerante, pegávamos o copo da mesa, lavava no banheiro, voltava e tomava Coca-Cola. Fazíamos isso direto. Era nossa maior alegria, tomar refrigerante de graça”, relembra.

Da esquerda para a direita: Wesley, Yan Philipe, Savinho e Isaac no Sub-15 do Atlético

Sonho desmoronou

O sonho de Wesley de se tornar jogador de futebol começou a desmoronar. Após perder espaço na base do Atlético, ele acabou sendo liberado pelo clube e, aos 17 anos, voltou a morar com sua mãe. Nesse período, passou a sair na noite, indo a festas e convivendo com pessoas que, segundo ele, tinham “outros propósitos”. Até que veio a Covid-19.

Seu sonho de se tornar jogador de futebol começou a desmoronar. Ehler, seu ponto de apoio, conseguiu um período de testes no Vitória, da Bahia. Mas não se adaptou e voltou um mês depois. Ali, Wesley percebeu que seu sonho chegou ao fim.

“Meu pai perguntou ‘você quer escutar o que um pai tem que falar para o filho ou quer escutar o que o filho quer ouvir?’ Eu falei que queria a verdade. Ele falou ‘você é bom no futebol, pode ter um futuro brilhante, mas é um mundo muito incerto, difícil e complicado, precisa ter muito foco e passar por muitas coisas. É melhor você trabalhar, aprender uma profissão, você tem apenas 18 anos e eu estou aqui para te ajudar’”, relata.

Então, Wesley virou a chave. Saiu da vida de jogador de futebol para outra de trabalhador “comum”. Passou a pegar metrô e ônibus para trabalhar na empresa de seu pai, voltada para engenharia eletrônica.

Ele conciliou o trabalho de dia com a produção de eventos à noite. Chegou até a ser bailarino. Recebia valores entre R$ 50 e R$ 100 por final de semana. Nesse meio, o ex-atleta passou a se envolver num ciclo social que conviva com bebidas, drogas e pornografia. “Era o fundo do poço. Os amigos estavam se distanciando de mim. Eu fiquei com muito medo”, disse.

O tempo de farra durou cerca de um ano. Até que Wesley começou a frequentar barbearias, lugares que o inspiraram a ter a profissão que tem hoje.

Nova profissão e ida à Europa

Wesley Mendes na Europa

O ex-jogador se interessou com a profissão de barbeiro. Ganhou um kit de máquina do seu pai e fez curso de cabeleireiro por um mês com um amigo que cortava cabelo. Wesley, porém, não se dedicou tanto, era algo que naquele momento “não tinha muito sentido”, segundo ele.

Outro amigo, que também cortava cabelo, o chamou para ficar na sua barbearia só para aprender. Os clientes pagavam um valor simbólico, de R$ 10 ou R$ 15, a Wesley, que aproveitou a oportunidade para sair da bolha das festas. Passou a ler livros e ir à igreja.

O período de experiência durou dois meses. Em janeiro do ano seguinte, ele já tinha clientes fixos e ganhava um salário melhor. “Notei que encontrei o que faria para o resto da vida”, diz o ex-atleta.

Após dois meses de barbeiro, seu primeiro amigo, que havia dado um mês de curso, o telefonou. Anunciou uma oportunidade para Wesley exercer sua nova profissão em Londres.

“Eu pensei ‘esse cara está brincando comigo, só pode ser mentira’. Eu, que vim da favela, nem sabia o que era Londres. Pensei ‘o que eu vou caçar em Londres? Estou ganhando minha vida aqui’. Mas ele insistiu, me ligava direto, me mostrava a rua e a barbearia. Fui na casa do meu pai e levei a ideia. Ele me apoiou. Eu não tinha dinheiro para ir, mas ele pagou minha passagem e o passaporte. Fui para Londres com 19 anos”, conta.

Dura realidade em inverno europeu

Wesley embarcou pensando que teria “vida de patrão” em Londres. Mas a realidade foi bem diferente do que imaginava. Sem saber falar inglês, sozinho e sem condições de comprar roupas de frio adequadas para enfrentar o inverno europeu, o jovem brasileiro passou dificuldades com imunidade baixa e até teve sete furúnculos debaixo do braço.

Até que o brasileiro conheceu uma família brasileira, que faz célula, uma reunião cristã regular para fortalecer a comunhão. Lá, Wesley encontrou comida brasileira e teve com quem conversar.

Wesley, então, decidiu dar a volta por cima. Percebeu que não conseguiria ter sucesso se não aprendesse inglês. A primeira tentativa, com um professor, não deu certo. Então, o brasileiro usou sua “malandragem” para aprender o novo idioma.

“Eu sempre fui muito cara de pau. Não gosto de estudar, então tive que aprender na marra. Todo dia via as pessoas falando. Ia comprar bala e ficava repetindo o que as pessoas falavam. Fui aprendendo algumas coisas na malandragem das ruas. Fiquei seis meses na dificuldade para aprender e aprendi”, afirma.

O ex-jogador morava numa casa compartilhada com mais sete pessoas. Havia gente de vários lugares do mundo, como Paquistão e Rússia. Vivia num quarto com apenas uma televisão e uma cama. O banheiro era compartilhado.

“Chegava em casa e só deitava para dormir. Comecei a só comer besteira. Bolinho e refrigerante. O quarto começou a ficar com lixo no chão. Pensei que estava entrando numa depressão”, relembra.

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Amizade com jogadores

As amizades construídas no futebol viraram mais uma vez a chave para Wesley. Ângelo Gabriel, formado na base do Santos e amigo do cabeleireiro, chegou a Londres para jogar no Chelsea, em julho de 2023. Ele também passava por um momento difícil na carreira, tendo poucas oportunidades e morando em hotel.

O barbeiro visitava Ângelo com frequência para cortar seu cabelo, comer pizza e conversar.

Pouco tempo depois, Savinho foi até Londres para disputar um amistoso com a Seleção Brasileira, contra a Inglaterra, em Wembley, e se reencontrou com seu ex-companheiro de base. Após matarem a saudade um do outro, Sávio disse “me espera que eu estou chegando”. De início, o barbeiro achou que seu amigo estava brincando. Até que em julho, o atacante foi anunciado no Manchester City.

Savinho passou a levar Wesley aos jogos do time inglês e o convidou para morar em Manchester. O barbeiro cortava o cabelo do jogador, que postava os cortes nas redes sociais e abria caminhos para o amigo no Manchester City.

Wesley passou a cortar cabelo de astros do time inglês, como Ederson, Omar Marmoush, Bernardo Silva, Phil Foden, Matheus Nunes e Mateo Kovacic.

“Teve um dia em que o Real Madrid veio para cá jogar e Rodrygo mandou mensagem para o Sávio, pedindo um barbeiro. Ele me acionou. Cheguei lá, achei que era só o Rodrygo, mas cortou o Vinicius Junior também. Eu achei loucura, morri de medo. E se eu cortasse o cabelo deles errado? Só que cheguei lá e vi que os caras são super humanos e humildes. Parecia que os conhecia há anos”, conta.

Hoje, Wesley vive sozinho numa casa em Manchester e trabalha em uma barbearia renomada da cidade.

“Se eu tivesse jogando futebol, talvez eu não iria conhecer os caras que conheço hoje. Chegaria nem perto, talvez”, finaliza.

Rômulo Giacomin é repórter multimídia da Itatiaia. Formado pela UFOP, tem experiência como repórter de cidades da Região dos Inconfidentes, e, na cobertura esportiva, passou por Esporte News Mundo, Estado de Minas, Premier League Brasil e Trivela.

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