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De Caetano a Zé Ramalho: Canções de Bob Dylan traduzidas para o português

Laureado com o Nobel de Literatura em 2016, compositor de clássicos como “Blowin’ in the Wind” influenciou artistas no Brasil

Bob Dylan é autor de clássicos que ganharam versões de Caetano Veloso, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, dentre outros

Houve uma chiadeira quando, em 2016, o músico foi laureado com o prêmio Nobel de Literatura. Para completar, sequer compareceu para receber a honraria. Nada mais Bob Dylan, acostumado a desafinar o coro dos contentes - literal e simbolicamente. Fato é que o bardo da música folk tornou-se um dos mais importantes compositores de seu tempo, sendo regravado e tendo os seus versos traduzidos, inclusive, para o português. Caetano Veloso, Zé Ramalho, Fausto Nilo, Geraldo Azevedo e Diana Pequeno foram alguns dos que levaram a poética de Dylan para a língua mais falada entre os brasileiros. Selecionamos algumas das melhores canções vertidas de Dylan.

Ouça a playlist completa:
“Negro Amor” (blues, 1977) - versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti

Novamente coube a Gal Costa colocar voz em uma canção de Péricles Cavalcanti. Desta vez tratava-se de uma versão dele e de Caetano Veloso para o blues de Bob Dylan, rebatizado de “Negro Amor”. A canção foi lançada em 1977, no LP “Caras & Bocas”, de Gal, e mereceu uma regravação de Zé Ramalho, décadas mais tarde. Péricles e Caetano são habilidosos em traduzir os versos do bardo norte-americano, sem perder de vista a força da canção, introduzindo um palavreado propício ao desafio proposto. Já Péricles Cavalcanti a gravou em 1999, no álbum “Baião Metafísico”, logo após uma infinidade de regravações, abrangendo artistas como Toni Platão e Engenheiros do Hawaii. “Negro Amor” também foi cantada por Adriana Calcanhotto, no show em que ela homenageia Gal, “Coisas Sagradas Permanecem”, feito em 2023.

“A Resposta Está no Ar” (folk, 1978) - versão de Diana Pequeno

Um sorriso moreno, marcado pelo sol. Entre uma e outra, Diana Pequeno surge com o semblante fechado, na capa do LP “Eterno como Areia”, de 1979. Mas é no disco de estreia, de 1978, e em “Sinal de Amor”, de 1981, que ela parece expressar melhor o seu estado de espírito. Os cabelos volumosos contornam a expressão gaiata, um tanto brejeira, cheia de juventude, e, numa delas, são enfeitados com uma rosa branca, tendo o mar da Bahia por fundo. Baiana de Salvador, a cantora Diana Pequeno foi criada no bairro de Nazaré, e lançou o primeiro disco em 1978. Ali, ela já demonstrava o espírito desbravador e inquieto, ao apresentar ao público brasileiro a comovente canção cubana “Los Caminos”, de Pablo Milanés. O maior sucesso do álbum ficou por conta da versão da cantora para o clássico “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan.

“Mr. Tambourine Man” (folk, 1981) - versão de Leno

Uma das bandas de maior sucesso da Jovem Guarda, Renato e Seus Blue Caps gabam-se de, atualmente, ser a mais antiga em atividade no mundo. No entanto, há controvérsias, como em todo tipo de recorde impressionante. Formada em 1959, a banda se notabilizou pelas versões de sucessos estrangeiros, muitas delas vertidas para o português. É este o caso, por exemplo, de “Mr. Tambourine Man”, cujas palavras no idioma local foram criadas por Leno, outro nome oriundo da Jovem Guarda, que alcançou o estrelato ao lado da cantora Lílian. Lançada em 1981, a versão do grupo Renato e Seus Blues Caps para esse clássico de Bob Dylan traz uma participação especial de Zé Ramalho nos vocais. Posteriormente, ele criaria uma nova versão da música, gravada por Zé Geraldo, integrando o álbum “Catadô de Bromélias” (2008).

“O Amanhã É Distante” (balada, 1985) - versão de Geraldo Azevedo e Babal

Geraldo Azevedo nasceu em Petrolina, interior de Pernambuco, no dia 11 de janeiro de 1945. O garoto cresceu às margens do Rio São Francisco e, desde cedo, se interessou pela música, com o incentivo da mãe, professora que promovia eventos culturais na cidade, e do pai, que foi quem lhe deu o primeiro violão. Rapidamente, Geraldo começou a se apresentar nas rádios da cidade, até que se mudou para Recife, para se preparar para a faculdade de arquitetura. Já morando no Rio de Janeiro, engrenou na carreira e, em 1985, concebeu sua versão para um clássico de Bob Dylan, batizada “O Amanhã É Distante”. Essa parceria com Babal seria regravada com sucesso no álbum “O Grande Encontro”, de 1996, que reuniu Alceu Valença, Zé Ramalho, Elba e Geraldo.

“Furacão” (foxtrote, 1986) - versão de Miguel Paiva

Em época de modelo, manequim e dançarina, Cida Moreira, além de cantora, atriz e pianista, é um poema. Não é figura de linguagem. A artista paulista, nascida na capital em 12 de novembro de 1951, recebeu os versos de Marcelo Fonseca em sua ode, com que aproveitou o título para batizar o álbum “A Dama Indigna”, lançado em 2011 em CD e DVD pela gravadora do DJ Zé Pedro, batizada espertamente de “Joia Moderna”. Muito antes, no álbum que levava o seu nome na capa, em 1986, terceiro de uma carreira que jamais se rendeu às convenções da indústria, a intérprete emprestou sua voz única para “Furacão”, versão de Miguel Paiva em forma de foxtrote para a música de Bob Dylan. Cida segue como uma das mais impressionantes intérpretes da canção.

“Joquim” (balada, 1987) - versão de Vitor Ramil

Cantor, compositor e escritor gaúcho, natural de Pelotas, Vitor Ramil sempre foi um artista incomum na música brasileira, também distante das regras impostas pelo mercado. Uma das provas mais contundentes é a versão que ele criou para essa música de Bob Dylan, batizada por ele de “Joquim”. Balada, lançada em 1987, a música acumula quase nove minutos de duração, algo impensável para a lógica radiofônica. Mas a lógica, tanto da música de Dylan quanto para a de Ramil é outra, muito mais interessada na abertura de possibilidades do que na obediência a regras estabelecidas pela imobilidade das pessoas. A música ganhou outras versões, e permaneceu na memória dos leais fãs de Vitor Ramil e de sua música libertária.

“Romance no Deserto” (moda de viola, 1987) - versão de Fausto Nilo

Raimundo Fagner nasceu em Orós, interior do Ceará, no dia 13 de outubro de 1949. Cantor, compositor e instrumentista, ele apareceu para a música brasileira na década de 1970, ao lado da turma que ficou conhecida como “Pessoal do Ceará”, e que também contava com Belchior, Amelinha, Ednardo, Fausto Nilo, entre outros. Fagner gravou o primeiro LP em 1973. Em 1987, a crítica torceu o nariz para “Deslizes”, música da dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas que se tornou o grande hit do disco “Romance no Deserto”, lançado por Fagner. A canção-título era uma versão de Fausto Nilo para este clássico de Bob Dylan, consagrado por Fagner. E, já nos anos 2010, essa música ganhou uma versão de Fagner com Gusttavo Lima.

“Tanto” (reggae, 1993) - versão de Chico Amaral

Juntando baladas românticas a canções cheias de suingue, influenciadas pelo reggae e pelo ska da Jamaica, o Skank criou uma mistura azeitada que elevou o pop rock mineiro a nível nacional, arrebatando milhões de fãs em todo o Brasil e excursionando através do mundo. Formada por Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti, a banda jamais perdeu o sotaque mineiro e o contato com suas raízes, embora em uma rotação contemporânea que permitia a intersecção com diversas linguagens. Também não se pode esquecer da importância de Chico Amaral na trajetória do Skank, outro mineiro de fé que assina com Samuel hits como “Esmola”, “Garota Nacional”, “Jackie Tequila”, “Pacato Cidadão”, e tantas outras. Chico também é responsável por “Tanto”, versão reggae para música de Bob Dylan, lançada em 1993.

“Batendo na Porta do Céu” (gospel, 1997) - versão de Zé Ramalho

José Ramalho Neto, mais conhecido como Zé Ramalho, nasceu em Brejo do Cruz, interior da Paraíba, no dia 3 de outubro de 1949. Primo da também cantora Elba Ramalho, ele é filho de uma professora com um seresteiro. Antes de começar a compor, Zé Ramalho escrevia versos de cordel. Essa influência ainda é visível em sua música, que reúne também doses de misticismo e astrologia com um olhar aguçado para a vida urbana, o que resulta em uma mistura única na música brasileira. Não há nada parecido com Zé Ramalho no nosso cancioneiro, cantor de estilo único e facilmente reconhecível. Zé Ramalho dedicou um disco inteiro a Bob Dylan, um de seus ídolos na música, e, em 1997, chegou às rádios com “Batendo na Porta do Céu”.

“Ainda Não Está Escuro” (rock, 1999) - versão de Marcelo Nova

Baiano de Salvador, Marcelo Nova é idealizador da banda Camisa de Vênus, que, na década de 1980, levou uma aura punk para a geração de roqueiros da música brasileira. Outro momento de destaque da sua carreira foi o encontro e a parceria com o conterrâneo Raul Seixas, de quem se tornou amigo, companheiro de farras e do álbum “A Panela do Diabo”, o derradeiro do “Maluco Beleza”. Em 1999, já em carreira solo, lançou o álbum “Grampeado em Público: Volume I”, no qual deu voz a uma versão para música de Bob Dylan, batizada por ele de “Ainda Não Está Escuro”, com mais de 8 minutos de duração, como era do feitio do bardo de Minnesota que, em 2020, lançou uma canção com 17 minutos de duração. Dylan merece os aplausos.