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Relembre grandes sucessos de Alceu Valença, que criou estilo único na MPB

Cantor e compositor pernambucano é responsável por hits do porte de ‘Anunciação’, ‘Tropicana’, ‘La Belle de Jour’, entre outros

Alceu Valença mistura influências do rock, do blues e da música nordestina em sua obra

Alceu Valença nasceu em São Bento do Una, interior de Pernambuco, no dia 1º de julho de 1946. Ainda na infância, demonstrou interesse pela música, sendo fã de Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Marinês. Essa influência, ele levou por toda a sua vida, e a assimilou a ícones da música mundial, como Ray Charles e Little Richard, criando um estilo único que rendeu sucessos do quilate de “Morena Tropicana”, “Anunciação”, “La Belle de Jour”, “Como Dois Animais”, entre muitos outros que já fazem parte da memória coletiva do Brasil.

“Caravana” (MPB, 1975) – Geraldo Azevedo e Alceu Valença

Letícia Persiles olhou “bem dentro dos olhos de uma andorinha” e percebeu que todo aquele “horizonte sem fim poderia também ser contemplado no fundo dos olhos de Maria Bonita”, a primeira cangaceira a integrar um bando, a quem ela dedica “O Baile das Andorinhas”, seu mais novo disco. Com sete faixas inéditas, sendo cinco da lavra da anfitriã, ela apresenta uma regravação para “Caravana”, de Geraldo Azevedo e Alceu Valença.

“Amo essa música! Ela me remete muito ao universo do Cangaço. Quando na letra aparecem as velas e o cais, sempre me vem à mente as canoas de tolda, como a Luzitânia e a Prazeres, que levaram tantos cangaceiros de uma margem a outra do Rio São Francisco”, avalia Letícia. A música foi lançada em 1975 e integrou a trilha da novela “Gabriela”, da Rede Globo, protagonizada por Sônia Braga.

“Táxi Lunar” (MPB, 1979) – Geraldo Azevedo, Alceu Valença e Zé Ramalho

Geraldo Azevedo teve um início de carreira prodigioso. Autodidata, começou a tocar violão aos 12 anos. Com a mudança de Petrolina, no interior de Pernambuco, para o Rio de Janeiro, ele agarrou a chance de acompanhar Eliana Pittman (que gravou sua primeira música, “Aquela Rosa”, em 1968), Geraldo Vandré, Naná Vasconcelos e Teca Calazans. Tudo isso antes de unir sua travessia à do conterrâneo Alceu Valença, na capital fluminense. Juntos, eles estreariam em disco no ano de 1972.

“Todo disco que eu gravo, acontece de surgir uma música durante o processo. E foi assim com ‘Táxi Lunar’. O violão achou a música para mim, e fiquei com aquela melodia na cabeça. Num dia, em Santa Teresa (bairro do Rio), mostrei a música para o Zé (Ramalho), que teve a inspiração para o refrão. Ele fez outras partes também, mas eu achei pesado. Aí mostrei para o Alceu, que completou a música inspirado por uma namorada da época”, relembra Azevedo, também autor de “Canta Coração”, “Barcarola de São Francisco”, etc.

“Coração Bobo” (forró, 1980) – Alceu Valença

Alceu Valença já era um cantor consagrado na música brasileira quando resolveu compor, em 1980, “Coração bobo”, música dedicada a Jackson do Pandeiro.

Com a forte influência do denominado “Rei do Ritmo”, a canção transita por estilos da música brasileira, com um lento início em toada e a agitação tradicional do baião em sua segunda parte, especificamente o refrão: “coração bobo/coração/coração bola/coração balão/coração São João/ a gente, se ilude, dizendo/já não há mais coração…”.

Assimilando as origens folclóricas das festas populares do nordeste, Alceu lega à música brasileira uma peça pronta para se dançar o forró, e deixar-se o coração levar pela alegria do povo, mesmo que, neste caso, como em muitos, os versos sejam de mágoa e alento.

“A Foca” (infantil, 1980) – Toquinho e Vinicius de Moraes

Em 1980, os poemas de Vinicius de Moraes que abordavam a história bíblica da “Arca de Noé” ganharam a primeira versão em disco, com melodias de Toquinho. Vários artistas participaram desse trabalho – que teve a arte da capa feita por Elifas Andreato –, como Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Marina Lima e o conjunto As Frenéticas.

Ficou a cargo de Alceu Valença a divertida “A Foca”, que brinca sobre o fato de o animal ter habilidades circenses. Alceu encarna o apresentador do circo e conclama a criançada a conhecer um pouco mais sobre esse curioso e irrequieto ser do mundo aquático.

“Morena Tropicana” (forró, 1982) – Alceu Valença e Vicente Barreto

Para exprimir as delícias e promessas de prazer que lhe causa o corpo feminino e sua imagem, Alceu Valença adere ao universo das frutas, no forró composto em parceria com Vicente Barreto em 1982. “Morena Tropicana” consolidou-se como um dos maiores êxitos da carreira do compositor pernambucano.

O rico e diverso cenário cultural brasileiro, na cor e exuberância das frutas, é utilizado com maestria nas metáforas que pincelam a imagem da musa. As palavras são nitidamente escolhidas pelo desejo e sensualidade que exprimem através de seu som, num ensinamento da poesia simbolista incorporado por Alceu Valença aos costumes e sotaques nacionais.

“Como Dois Animais” (balada, 1982) – Alceu Valença

O Brasil ainda vivia sob o domínio de uma ditadura militar quando Gal Costa tornou-se a primeira mulher a cantar, com sucesso de dimensões nacionais, a palavra “sexo” na música brasileira.

“Pérola Negra”, de Luiz Melodia, era uma das faixas do icônico álbum “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor” – paradigma do movimento tropicalista – e trazia em seu refrão o trecho “tente entender tudo mais sobre o sexo”.

Noutra toada, mantendo a sensualidade, Alceu Valença abordou o sexo de maneira alegórica na música “Como Dois Animais”, lançada no disco “Cavalo de Pau”, de 1982, e que superou as 500 mil cópias vendidas.

“Anunciação” (forró, 1983) – Alceu Valença

Alceu Valença é o artista tipicamente, genuinamente, nativamente brasileiro, um popular. O sino da capela inicia o ritual da noite. Frevos, batuques, badulaques, pérolas esquecidas o nome, por esse vão, reles manuscrito póstumo.

Primeiro poema recitado violentamente por Alceu Valença, como de tua característica estima, transcorre aos ouvidos qual beijo estalado de namorada na porteira, na soleira, na ribeira do riacho, na subida da ladeira, na descida da escada.

É mundo de castelos mágicos, princesas, príncipes, bruxas e maçãs envenenadas do amor. Canta impertinente a plateia, o público, o povo insolente e entusiasmado, deixando o protagonista do pedaço, palhaço do picadeiro, por vezes, mudo.

“Solidão” (balada, 1984) – Alceu Valença

Compositor, ator e poeta, Mário Lago cunhou uma das mais precisas definições sobre a relação do ser humano com a passagem do tempo, aquele ser invisível e maciço que emolduramos em relógios, fotografias e calendários e nos encontra na pele e nos ossos.

“Fiz um acordo com o tempo, nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia, a gente se encontra”, escreveu Lago. Em 1984, Alceu Valença abordou dois temas caros ao ser humano: a passagem do tempo e o medo de estar sozinho, na música “Solidão”, balada de rara beleza...

“La Belle de Jour” (MPB, 1992) – Alceu Valença

A obra surrealista do espanhol naturalizado mexicano Luis Buñuel, e que por anos viveu na França, certamente recebeu influência do artista plástico Salvador Dalí. Mas também atuou de maneira assertiva sobre outros nomes. Por exemplo, o pernambucano Alceu Valença se vale do título de um dos filmes mais controversos de Buñuel para batizar uma popular canção.

“La Belle de Jour” do compositor é transportada para a tropical praia de Boa Viagem, enquanto a película de Buñuel passa-se em dois campos distintos. O primeiro diz respeito a um frio interior francês, já o segundo, aparentemente na imaginação da protagonista, não economiza na temperatura.

“Tesoura do Desejo” (MPB, 1992) – Alceu Valença

Uma das músicas mais impressionantes do repertório nacional, cheia de beleza e, ao mesmo tempo, perturbadora, foi lançada pelo compositor Alceu Valença em 1992, com a participação de Zizi Possi, no disco “7 Desejos”. Assim como o álbum, a faixa envereda pelo lado das sensações e dos sentimentos humanos.

“Tesoura do Desejo” parte de questões sutis, subliminares e psicológicas, para alcançar a superficialidade da carne, ou, como dizia o poeta Paul Valéry: “o mais profundo é a pele”. Há um diálogo na letra, que revela a mudança pela qual passa uma das personagens, e que amplia essa perspectiva para a vida...