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Cinebiografia de Ângela Diniz estreia nesta quinta (7); Relembre músicas sobre violência contra a mulher

História da socialite vítima de feminicídio na década de 1970 tem a atriz mineira Isis Valverde no papel da protagonista

A atriz mineira Isis Valverde interpreta a socialite Ângela Diniz, vítima de feminicídio na década de 1970

Em 1976, a socialite Ângela Diniz foi brutalmente assassinada pelo companheiro, o notório playboy Doca Street, um dos homens mais poderosos da época. O termo feminicídio ainda não existia, mas é a dinâmica que leva toda uma sociedade a naturalizar a violência contra corpos femininos e o assassinato em massa de mulheres que interessa ao filme “Angela”, que resgata a vida da socialite morta aos 32 anos.

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O filme estreou no Festival de Gramado, e chega aos cinemas nacionais nesta quinta (7), feriado pela Independência do Brasil. A atriz mineira Isis Valverde vive a protagonista, também nascida nas Minas Gerais, e atua ao lado de Gabriel Braga Nunes, Bianca Bin, Emílio Orciollo Neto, dentre outros. A direção é de Hugo Prata, que já havia levado a trajetória da cantora Elis Regina para as telonas.

Em 2020, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher. As denúncias podem ser anônimas, nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100. Os números são alarmantes e prova incontestável de que a sociedade brasileira precisa refletir sobre o assunto para tomar as ações necessárias. Relembramos músicas brasileiras que denunciam a histórica violência contra a mulher em nossa sociedade.

“Mãe, Eu Juro!” (samba, 1957) – Adoniran Barbosa e Noite Ilustrada

A composição “Mãe, Eu Juro”, de 1957, traz em seu registro oficial o nome de dois desconhecidos da música brasileira. Peteleco e Marques Filho eram, na verdade, Adoniran Barbosa e Noite Ilustrada.

Acontece que o primeiro tinha por hábito registrar canções em nome de seu cachorro, e, o segundo, era um iniciante que não adotara ainda o nome pelo qual ficaria conhecido como o cantor de sucessos como “Volta por Cima”.

Nesta composição, a mãe aparece como confidente de um relacionamento abusivo. A filha promete não mais insistir no caso. O samba revela o ambiente de violência doméstica e o machismo já tão presente àquela época. Lançada por Neyde Fraga, ela foi regravada por Célia.

“S.O.S. Mulher” (pop, 1981) – Vanusa

Em 1999, Vanusa lançou a autobiografia “Ninguém É Mulher Impunemente”, onde revelava agressões sofridas pelo pai e alguns de seus maridos. Casada seis vezes, a cantora paulista sempre levantou a bandeira da independência da mulher e do feminismo em suas canções. Uma das mais emblemáticas nesse quesito é, certamente, “S.O.S. Mulher”.

A letra traça um retrato da violência diária a que as mulheres são submetidas no Brasil, muitas vezes presas em relacionamentos abusivos com a condescendência da sociedade, para, em seguida, conclamar as mulheres à luta: “Acorda pra vida e pede socorro/ Nada vale esse jogo/ No sufoco, vale tudo/ Ah, bota a boca no mundo!”.

“Desconstruindo Amélia” (pop rock, 2011) – Pitty e Martin

Um dos grandes clássicos da música brasileira, composto por Mário Lago e Ataulfo Alves, eternizou o estereótipo da mulher resignada e obediente às tarefas do lar. “Ai, Que Saudades da Amélia” foi composto em 1942.

No ano de 2011, a baiana roqueira Pitty resolveu levar a protagonista do samba à forra, atualizando a narrativa e dando uma volta no machismo daqueles costumes criados sob uma sociedade patriarcal.

“Desconstruindo Amélia”, um pop rock, envereda pelos caminhos da liberdade e independência feminina: “E eis que de repente/ Ela resolve então mudar/ Vira a mesa, assume o jogo/ Faz questão de se cuidar/ Nem serva, nem objeto/ Já não quer ser o outro/ Hoje ela é um também”, dispara.

“Maria da Vila Matilde” (pop rock, 2015) – Douglas Germano

Não é de hoje que Elza Soares representa a mulher sobrevivente, batalhadora, livre, dona de seus desejos e vaidades. Para coroar a carreira da nonagenária intérprete, nada melhor do que a canção “Maria da Vila Matilde”, peça que conjuga samba e música eletrônica, na veia da nova MPB, cheia de modernidade sem esquecer a tradição, bem ao estilo ousado e inquieto de Elza.

Denúncia clara à violência contra a mulher, a canção serviu para suscitar debates e cumpriu com sua função social. Mais do que isso, exprimiu a arte de uma mulher talentosa, guerreira, determinada, que não abre mão de seus prazeres. A música ganhou uma versão do bloco feminista Sagrada Profana para o Carnaval de BH.

“Selvática” (punk, 2015) – Karina Buhr, André Lima, Bruno Buarque e Mau

Baiana radicada em Pernambuco, Karina Buhr divulgou uma impactante carta relatando os abusos sexuais que sofreu de um líder religioso em 2019, na esteira das denúncias contra João de Deus que culminaram com a prisão do estuprador charlatão.

Em 2015, a artista já havia abalado as estruturas ao lançar o álbum “Selvática”, cuja capa a mostrava segurando uma lâmina com os seios de fora, adornada por badulaques, como uma guerreira tribal. A faixa título ia justamente nessa direção.

Com uma batida pesada de punk e versos no formato de um longo testemunho, a canção realiza um périplo pelo histórico de violências às mulheres e parte para o ataque contra os algozes: “Mulheres esbravejam a dor”.

100% Feminista (funk, 2016) – MC Carol e Karol Conká

Ícones da nova geração de mulheres empoderadas, representando, cada uma a seu estilo, o reconhecimento em gêneros historicamente fechados a elas no papel de compositoras como o rap e o funk, MC Carol e Karol Conká, negras, faveladas e muito talentosas, uniram forças na música “100% Feminista”, lançado em 2016, cujo título dispensa explicações.

A letra traz um pungente relato sobre as violências cotidianas às quais as mulheres são submetidas, em um país que naturaliza crimes como o estupro sob a alegação calhorda de que a vítima provocou a reação masculina: “Presenciei tudo isso dentro da minha família/ Mulher com olho roxo, espancada todo dia”. A música ganhou um vídeo.

“Não É Não” (brega funk, 2016) – Lila e Leo Justi

Nos últimos Carnavais, a campanha “Não É Não” espalhou-se por todo o Brasil, ganhando as ruas de capitais como BH, Recife, Salvador, São Paulo e Vitória. Tudo começou no Rio de Janeiro, quando quatro publicitárias cariocas criaram uma tatuagem temporária com esses dizeres para as mulheres colarem no corpo, com o intuito de se unirem contra o assédio tão comum durante a celebração.

É bem possível que a ideia tenha se inspirado na música “Não É Não”, um brega funk de Lila e Leo Justi que aborda justamente esse tema. Protegendo a independência e o poder de escolha na mulher, a música tenta dar um basta a esse tipo de ameaça à integridade da mulher que deseja curtir a folia.

“Dizputa” (MPB, 2016) – Carol Naine

Quando lançou o seu segundo disco, Carol Naine foi indicada ao Prêmio da Música Brasileira na categoria melhor canção com “Dizputa”, e concorreu com Zeca Pagodinho e Tom Zé, que levou o troféu. Na letra da música citada, além do trocadilho, a intérprete tem como arma a própria utilização corrente da expressão.

“Na nossa cultura, a palavra ‘puta’ adquiriu um significado comum e ofensivo ao mesmo tempo. Então, eu começo brincando com ela, como se não fosse nada, mas mostro que, no final das contas, é importante se tomar cuidado com a forma como a mulher é tratada na nossa sociedade e o quanto a linguagem tem um papel decisivo nessa história toda”, explicita a compositora.

“Disk Denúncia” (samba, 2016) – Nina Oliveira, Gabrielle Rainer, Gabriela Nunes

Jovem, mas já muito antenada, a cantora e compositora Nina Oliveira resgatou uma personagem emblemática da música brasileira para criar, ao lado de Gabrielle Rainer e Gabriela Nunes, a delicada e, ao mesmo tempo, incisiva canção “Disk Denúncia”.

Logo nos primeiros versos, ela se refere a Geni, que na música “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque, é a prostituta que exprime toda a hipocrisia da moral e dos bons costumes dessa patriarcal sociedade brasileira.

A personagem remete, ainda, à trajetória bíblica de Maria Madalena, apedrejada e defendida na rua por Jesus Cristo, que redimiu seus pecados. “Disk Denúncia” ganhou um registro com a participação de Gabi da Pele Preta e emana urgência.

“Respeita” (pop rock, 2017) – Ana Cañas

Ana Cañas não é daquelas que se fazem de rogadas diante das dificuldades. Ao contrário, a cantora costuma assumir suas posições em assuntos espinhosos e tomar a frente de batalha.

Mulher consciente, o feminismo é uma de suas bandeiras. Um dos exemplos mais bem acabados é a canção “Respeita”, que ganhou um videoclipe com a participação de outras mulheres de fibra, como Elza Soares, Zélia Duncan, Sophie Charlotte, Andréia Horta e Júlia Lemmertz.

Como explicita o título, a canção não pede nada mais do que respeito às mulheres, princípio básico da convivência civilizada que deveria ser um direito de todas. “Ela vai, ela vem/ Meu corpo, minha lei/ (…) Respeita as mina, porra”, desabafa.

“Faminta” (pop rock, 2019) – Flaira Ferro e Igor de Carvalho

Flaira Ferro segura um estilhaço de vidro que reflete a sua própria imagem, enquanto olha desafiadoramente para a frente. A imagem ilustra a capa de “Virada na Jiraya”, segundo disco da cantora pernambucana.

A expressão se popularizou como sinônimo de raiva e indignação. Para passar o seu recado, Flaira abre mão dos volteios e não usa meias-palavras, como fica escancarado em “Faminta”. Em 218, ela já havia causado rebuliço com o clipe de “Coisa Mais Bonita”, que mostrava mulheres se masturbando. Na canção mais recente, ela volta a afirmar essa luta: “Eu faço meu trampo direito/ Pra macho dizer que não tô preparada/ (…) Boto a boca no microfone/ Se não me tratar de igual pra igual”.