(1950)
Alcides Edgardo Ghiggia Pereyra dizia que apenas três pessoas conseguiram deixar o Maracanã em silêncio: o papa João Paulo II, Frank Sinatra e ele próprio, Ghiggia. A façanha, conhecida como Maracanazo, foi decretada ao 38 do segundo tempo no dia 16 de julho de 1950, quando Perez toma a bola de Danilo, toca para Míguez, recebe de volta, tabela com Ghiggia, que corre em profundidade pela ponta direita, recebe e, quando pensa-se que cruzaria para o meio da área, arrisca um chute iluminado com a perna direita entre a trave esquerda e o goleiro Barbosa. Às 16h50, soava o apito final. Mais alto que o choro da decepção e da incredulidade, o Maracanã ouvia o silêncio.
Apesar de ter como base o time do Peñarol campeão nacional em 1949, a celeste estava desacreditada semanas antes de embarcar para o Brasil. Sem técnico, jogadores faltavam aos treinos e outros se apresentavam acima do peso. Com as desistências de Portugal e França, os supersticiosos logo entenderam que a Copa de 50 teria 13 seleções, assim como a de 1930, também vencida pelos ‘orientales’.
O Uruguai restou sozinho com a Bolívia na fase de grupos e aplicou 8 a 0 no Independência, em Belo Horizonte, em partida que contou com gols dos cinco jogadores de frente - Ghiggia fechou a contagem. No quadrangular final, enquanto o Brasil passeou contra a Suécia (7 x 1, sim....) e Espanha (6 a 1), Ghiggia abriu o placar no empate por 2 a 2 com os espanhóis, em um gol parecido com o da final - recua para atrair o defensor, recebe de Julio Pérez nas costas da defesa e dispara com a bola até chutar quase sem ângulo. Na vitória por 3 a 2 contra os Suecos, Ghiggia novamente abriu o placar, e o Uruguai perdia até 30 minutos do segundo tempo quando conseguiu a virada.
No fatídico 16 de julho, 173.850 pagantes - recorde nunca batido - se amontoavam no Maracanã com a certeza do triunfo brasileiro. Uma final em outros moldes, já que oficialmente era a última partida do quadrangular e o Brasil ficava com a taça em caso de empate. A euforia aumentou quando Friaça abriu o placar no primeiro minuto do segundo tempo.
Aos 21, Ghiggia recebe de Varela na linha lateral, foge do carrinho de Bigode, dispara por vinte metros, invade a área e cruza para Schiaffino, com liberdade, empatar. Já se desenhava ali o gol da virada, em jogada tão parecida que da segunda vez Bigode recuou, indeciso, e Barbosa, aguardando cruzamento, deu um passo para a frente ao ver Schiaffino chegar pelo meio e não conseguiu defender. Nascia ali o complexo de vira-lata brasileiro e um trauma que marcou gerações. A seleção aposentaria ali o uniforme branco e passaria a jogar de amarelo.
Na única Copa que disputou, Ghiggia jogou quatro partidas, marcou um gol em cada jogo e foi campeão, feito igualado apenas por Jairzinho em 1970. São os únicos gols de Ghiggia pela seleção uruguaia, com quem nunca jogou uma partida oficial em casa.
Em 1953, transferiu-se para a Roma e por isso ficou de fora do mundial de 54 - o ponta não foi liberado pelo clube para atender à convocação para a Copa da Suíça. Em 1958, Ghiggia e Schiaffino, com dupla cidadania, defenderam a Itália nas eliminatórias, mas a azzurra foi eliminada e não chegou ao mundial da Suécia -ironicamente o que consagraria o primeiro título brasisleiro.
Alcides Ghiggia viveu para ver o Minerazzo da Copa de 2014, e faleceu em Montevidéu em 2015, aos 89 anos. Morreu no dia 16 de julho, exatamente 65 anos depois de calar o Maracanã. Ele era o último jogador vivo daquele time de 1950.